O início do julgamento dos militares, com idades entre os 24 e 36 anos, está marcado para dia 15 de junho, às 09:45, no Tribunal Judicial de Beja, e será feito por um coletivo de juízes, disse hoje à agência Lusa fonte judicial.

Os cinco arguidos estão acusados, em coautoria material, de quatros crimes de ofensa à integridade física qualificada, dois de sequestro e dois de violação de domicílio por funcionário e um deles, João Lopes, ainda de um crime de falsificação de documento.

Os arguidos foram detidos em 08 de maio de 2019 e estão sujeitos à medida de coação de suspensão do exercício de funções, sendo que João Lopes, Ruben Candeias, Luís Delgado e Nelson Lima estão em liberdade e André Ribeiro está em prisão domiciliária com vigilância eletrónica.

Segundo a acusação do Ministério Público, a que a Lusa teve acesso, na noite de 30 de setembro de 2018, num restaurante em Almograve, concelho de Odemira, distrito de Beja, decorreu um jantar com cerca de 25 indianos, como Gurjit Singh, "conotado pelas autoridades policiais com a atividade de tráfico de seres humanos para exploração laboral", e no qual também participou o arguido André, o "único não indiano presente" e que que na altura estava colocado no Posto de Odemira da GNR.

Durante o jantar, houve uma "forte discussão" entre Gurjit Singh e outros dois homens, Kuldeep Kumar e o Naninder Singh, que foram seus trabalhadores e o terão confrontado para lhes pagar salários que devia.

Após a discussão, André saiu do restaurante, onde regressou após as 00:00, já no dia 01 de outubro, acompanhado por uma viatura do Posto de Vila Nova de Milfontes da GNR com dois militares fardados.

"Alguns instantes mais tarde", chegou uma segunda viatura do mesmo posto com militares fardados e que André tinha chamado.

Tratava-se das duas patrulhas às ocorrências do posto, uma composta pelos arguidos João e Ruben e outra pelos arguidos Luís e Nelson.

André entrou na viatura onde estavam Luís e Nelson e os três seguiram para a casa de Kuldeep, em Longueira-Almograve, onde, entre as 00:00 e as 00:30, forçaram a abertura do portão e da porta de entrada e irromperam pela habitação à procura de Kuldeep.

Já na casa, os três guardas "bateram gratuitamente em outros indianos" com quem se depararam, designadamente Amandeep Singh, e encontrarem Kuldeep no quarto e a quem André desferiu "pelo menos um golpe contra a cabeça", com um cassetete, "amarrou-lhe as mãos atrás das costas com uma braçadeira em plástico" e depois arrastou-o "à força até à rua enquanto lhe desferia chapadas na cabeça".

Depois os três guardas meteram Kuldeep na viatura da GNR, "de joelhos no espaço entre os bancos da frente e de trás, e transportaram-no, contra sua vontade, até junto do restaurante, "sendo que, durante o trajeto, desferiram-lhe chapadas na cara".

Já em frente ao restaurante, os três guardas retiraram Kuldeep à força da viatura, atirando-o para o chão e todos espancaram-no "severamente, ao longo de cerca de um quarto de hora", "deixando-o inconsciente" e provocando-lhe várias lesões, o que o levou a receber tratamento médico e determinou um período de oito dias de doença.

"Afinal de contas, a atitude de desafio por parte do Kuldeep Kumar para com Gurjit Singh não podia ficar impune e havia que passar a mensagem para todos os outros que ousassem fazer o mesmo" e, por isso, André espancou Kuldeep "à frente de todos", refere a acusação.

Os arguidos levantaram depois Kuldeep do chão, meteram-no na viatura da GNR e transportaram-no de volta a casa, onde, cerca da 01:00, André, João, Ruben e Luís voltaram a bater noutros indianos que lá moravam, como em Narinder Singh.

André jogou as mãos ao pescoço de Narinder e arrastou-o à força até à rua enquanto o agredia e depois os arguidos meteram-no numa das viaturas da GNR e transportaram-no, contra sua vontade, até junto do restaurante, tal como haviam feito com Kuldeep.

Já junto do restaurante, os arguidos retiraram Narinder da viatura e levaram-no à presença de dois homens, cuja identidade não se conseguiu apurar, os quais, depois de André lhes ter perguntado "é este?", fizeram sinal de que não era e aquele arguido deixou-o ir embora.

Ainda no dia 01 de outubro, o arguido João "forjou" o relatório de serviço, declarações e um auto de inquirição de uma testemunha com "factos que não correspondiam à verdade" e com a "única intenção de encobrir os crimes" que os cinco militares tinham cometido.

Segundo a acusação, não se conseguiu apurar a relação que existia entre Gurjit Singh e André, embora este prestasse àquele "colaboração" no sentido de "manter o seu domínio" sobre trabalhadores que explorava, e a relação que existia ou a organização que se estabeleceu entre André e os restantes arguidos.