A deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, entregou ao final do dia desta terça-feira, 26 de novembro, o projeto de lei sobre a nacionalidade — já fora do prazo limite, 22 de novembro, para ser aceite para discussão no próximo dia 11 de dezembro, data em que vão a debate as propostas do BE, do PCP e do PAN. O atraso ganha especial relevância por se tratar de um tema que é bandeira do partido.
No projeto de lei, o Livre propõe "a atribuição da nacionalidade originária para cidadãos nascidos em Portugal Continental e Regiões Autónomas entre 1981 e 2006 por mero efeito da lei, independentemente da apresentação de prova de residência legal de um dos seus progenitores".
A par, propõe "a eliminação da norma legislativa, enviesada tecnicamente, e que impede a aquisição da nacionalidade portuguesa a quem tenha sido condenado a pena de prisão igual ou superior a 3 anos, uma vez que a referida pena é uma medida da exclusiva função jurisdicional, competência de outro órgão de soberania – os tribunais".
Por fim, pretende também a alteração da lei vigente que faz "depender a aquisição da nacionalidade por casamento ou união de facto por mera declaração" e "para efeitos de aquisição da nacionalidade por naturalização" propõe que se considere "a residência efetiva" no país e não a "residência legal".
O Bloco de Esquerda confirmou ao SAPO24 que deu o seu acordo para a discussão do projeto de lei do Livre no dia 11 de dezembro — sendo que antes mesmo do projeto de lei do Livre dar entrada já Pedro Filipe Soares avançava no Twitter que "o Bloco de Esquerda mostrou abertura para o agendamento".
Contactado pelo SAPO24, o PAN refere apenas que não recebeu qualquer requerimento ou contacto formal do Livre sobre o projeto de lei da nacionalidade.
O PCP, avança o jornal Público, vai travar a admissão do projeto de lei do Livre para o debate de 11 de dezembro.
Segundo o secretário da Mesa da Assembleia da República, o deputado social-democrata Duarte Pacheco, o documento apresentado pela deputada única do partido da papoila, mesmo apresentado depois da última sexta-feira (dia limite), poderá ser aceite para debate por arrastamento, se houver concordância por parte dos restantes partidos, algo que é comum na praxe parlamentar.
No entanto, face à recusa do PCP, não se configura o consenso necessário para que a discussão do projeto de lei do Livre tenha lugar nesta data.
O que propõem os restantes partidos
O BE foi o primeiro a entregar a sua proposta, logo a 25 de outubro. No projeto de lei que apresenta, o BE explica que “defendeu sempre o primado do critério do ‘jus soli’, justamente por se entender que é da mais elementar justiça o reconhecimento do direito à obtenção da nacionalidade do país onde se nasce, independentemente da nacionalidade dos seus progenitores e demais ascendentes”.
O projeto do PAN foi entregue a 22 de novembro e propõe o alargamento do “acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade”.
Já a proposta do PCP, também entregue no dia 22, considera que “faz todo o sentido considerar portugueses de origem todos os indivíduos, filhos de cidadãos não nacionais, nascidos em Portugal, desde que esse nascimento não tenha sido meramente ocasional numa passagem por Portugal (…) ou que cá tenham vindo com o único propósito de obtenção de nacionalidade portuguesa por mera conveniência não tendo nem pretendendo ter qualquer outra relação com a comunidade nacional”.
Livre e Joacine Katar Moreira em rota de colisão
O atraso na entrega da proposta de lei acontece na sequência de um fim de semana em que Joacine Katar Moreira e partido entraram em rota de colisão, com o Livre a distanciar-se da deputada devido à sua abstenção, sexta-feira, num voto de condenação do PCP à recente investida militar israelita sobre a Faixa de Gaza.
Joacine Moreira acusou o grupo de contacto do Livre (direção), do qual faz parte, de falta de esclarecimento sobre o seu sentido de voto. Os dirigentes do partido manifestaram-se preocupados com a opção de voto da parlamentar e admitiram depois falhas de comunicação.
Entretanto, a deputada única do Livre acusou hoje o Grupo de Contacto (direção) do partido de "golpe" contra si e "falta de camaradagem".
"Nunca imaginei que um mês depois das eleições - não é um ano, é um mês - eu ia estar a ser avaliada e colocada numa situação destas pelos meus camaradas", disse, em declarações ao site Noticias ao Minuto.
Segundo o Diário de Notícias, a Assembleia do Livre, órgão dirigente alargado entre convenções, decidiu domingo expor ao Conselho de Jurisdição, órgão disciplinar do partido, o caso da abstenção de sexta-feira no parlamento de Joacine Moreira.
Antes, desde a manhã de sábado, a direção e a deputada única trocaram comunicados sobre falhas de comunicação em relação aos sentidos de voto a assumir na sessão plenária da Assembleia da República.
"Na quarta-feira, enviámos os comunicados, na quinta, recordámos que no dia seguinte ia ser feita a votação. E eles [direção] afirmam aos órgãos de comunicação social que nós não solicitámos a opinião em específico do voto sobre Israel. É um facto, porque nós enviámos a listagem de todos os votos em relação aos quais nós precisávamos de nos posicionar", continuou Joacine Moreira.
A deputada do Livre classificou mesmo o comunicado da direção do partido, que se manifestava preocupada com a abstenção quando se justificava um voto a favor, como "uma absoluta falta de camaradagem".
"O meu objetivo era emitir um comunicado depois da Assembleia, mas, a seguir, houve alguns militantes a publicar algumas coisas completamente inconcebíveis. Fiz aquele comunicado, começando por pedir desculpa a toda a gente e assumi as responsabilidades desse meu voto. Toda a gente achou que era uma desculpa insuficiente. Quando é que um político se desculpou publicamente? Trata-se de um autêntico golpe e a minha resposta é esta: não sou descartável e exijo respeito", declarou Joacine Moreira.
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