O presidente surpreendeu a França ao antecipar em junho as eleições legislativas previstas para 2027. O seu objetivo era pedir um "esclarecimento" sobre o panorama político, em consequência da vitória da extrema-direita nas eleições europeias.
O resultado foi uma Assembleia (câmara baixa) dividida em três blocos — esquerda, centro-direita e extrema direita —, todos eles distantes da maioria absoluta.
Diferentemente de países vizinhos como Bélgica, Alemanha, Espanha e Itália, a formação de coligações pós-eleitorais não está no ADN francês e Macron já teve de governar em minoria nos últimos dois anos.
Como bloco com mais deputados, a coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP) pediu a nomeação da economista Lucie Castets como primeira-ministra.
Mas o mandatário de centro-direita recusou-se a indicá-la em nome da "estabilidade" após constatar que o restante dos grupos aprovaria uma moção de censura contra um governo da NFP, já que conta entre as suas fileiras com o partido de esquerda radical LFI.
"É um erro institucional", assegurou Hollande, atual deputado socialista, numa entrevista ao semanário Le Point, assegurando que corresponderia à Assembleia, e não ao presidente, censurar um eventual governo.
O jornal de esquerda Libération recomendou seguir o "modelo de democracia" da Espanha, onde, em 2023, o rei Felipe VI encarregou, em vão, o candidato de direita a formar governo por ter sido o mais votado, antes de dar a oportunidade ao socialista Pedro Sánchez.
Nos países vizinhos, os chefes de Estado têm um papel mais protocolar, mas na França o presidente compartilha o poder executivo com o governo, mesmo que seja de outra ideologia política.
A Constituição de 1958, que procurava virar a página de um período de instabilidade institucional, deu mais poderes ao presidente, e o atual sistema eleitoral também busca favorecer as maiorias.
Macron é o responsável por nomear o primeiro-ministro, que não precisa da aprovação da Assembleia, e por garantir, "através da sua arbitragem, o bom funcionamento dos poderes públicos", segundo a lei.
Mas onde está o limite? O bloqueio político atual é inédito desde 1958 e Macron entendeu que a sua "responsabilidade" como "garante da estabilidade institucional" é que "o país não fique bloqueado nem se enfraqueça".
No entanto, alguns consideram que a iniciativa de Macron procura ao invés manter o controlo do poder, embora o seu grupo partidário já não seja a primeira força.
A sua atuação também divide os constitucionalistas. "A lógica era nomear o grupo que chegou à liderança. Na maioria das democracias funciona assim. Se não funcionar, testa-se uma segunda solução", aponta o especialista Dominique Chagnollaud.
Para Dominique Rousseau, "Macron respeita a Constituição". "Não vai nomear um governo que sabemos que cairá em 48 horas", assegura o especialista, que recomenda indicar uma "personalidade" para a tarefa de encontrar um primeiro-ministro.
Por exemplo, a Bélgica, onde vários partidos devem entrar em acordo para governar, costuma ter personalidades encarregadas de explorar as possíveis coligação de governo, por encargo do rei.
Em França, "Macron atua como negociador entre as partes, ao mesmo tempo que presta contas da sua gestão e lidera uma força política", aponta no jornal Le Monde o constitucionalista Benjamin Morel, para quem isso "não funciona".
"Não porque seja inconstitucional, mas porque inevitavelmente cria tensões, coloca os diferentes parceiros uns contra os outros e não consegue formar uma coligação", diz ele.
Desde a sua chegada ao poder em 2017, a sua popularidade drasticamente, perdeu a maioria absoluta em 2022 e muitos deputados nas últimas eleições, gerando a atual crise política.
A proximidade da eleição presidencial de 2027, na qual Macron não poderá concorrer, também parece desanimar os partidos que poderiam fazer parte de uma base governista desgastada, temendo que isso lhes seja cobrado como uma fatura eleitoral.
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