Ei-lo, gelado. O tempo frio veio devagarinho semana acima, enregelando o ar lá fora. Hoje, enquanto escrevo estas palavrinhas, tenho uma manta às costas e umas bolachinhas de chocolate a aquecer-me o estômago, enquanto umas palavras, igualmente doces, me chegam para aquecer o coração. Sem dar por isso, tornei-me velho — e clichê.

Mas a rubrica não se chama “Hoje o dia do Pedro foi assim”. Essa seria muito menos interessante. Os dias do mundo, na sua variedade frenética, são mais repletos. O Diogo Faro, que nos escreve aos sábados, escreveu desta vez ao domingo para nos falar disso mesmo: há demasiadas coisas a acontecer.

Hoje, votou-se em Espanha (mais uma vez, são as quartas eleições gerais em quatro anos). Em linguagem de jornal, um dia calmo — antes de uma noite longa, como as nuvens sombrias que antecedem as tempestades.

“Plus ultra”, mais além, é o que está escrito na bandeira espanhola, sobre duas colunas, as de Hércules. Espanha, portão do mundo, anda agora nesse impasse de saber o que é. Quem é, até.

Seis meses depois da última consulta, as projeções indicam que o voto está cada vez mais fragmentado, com o PSOE a perder força, a extrema-direita do Vox a subir e um equilíbrio entre os blocos de partidos de esquerda e de direita. Veremos o que confirmam e desmentem os resultados.

O fiel da balança vai continuar a estar numa série de pequenos partidos de âmbito regional, entre eles os nacionalistas bascos e os independentistas catalães responsáveis pela queda do anterior executivo socialista e de quem ninguém quer ficar a depender.

Enquanto a contagem não se completa, nesta véspera de semana, deixo umas sugestões, para, de manta ao colo, aproveitar este resto de domingo:

"Isto é o colapso". A Antena1 traz-nos "De manhã inverno, à tarde verão", onde  a mensagem é simples: só com vida se ama; só com Terra se vive. Esta "é uma Grande Reportagem de Rita Colaço sobre o impacto que as alterações climáticas já estão a ter na vida de alguns portugueses. De Norte a Sul do país, ouvimos retratos, desabafos, mas também soluções para dar a volta ao ambiente." À beira de magusto, onde anda o verão de São Martinho?

No ‘Publico’, uma série de Catarina Gomes e Paulo Porfírio, com o apoio de uma bolsa da Gulbenkian: “O que eles deixaram no manicómio” pôs-se à procura de histórias numa caixa velha no Miguel Bombarda, em Lisboa. Este domingo, o diário traz-nos a terceira história da série.

Fora do manicómio, mas também sobre loucuras: a do amor. Fica uma sugestão (em norueguês, com legendas em inglês) que vos ocupará menos de 25 minutos: ‘Nothing Ever Really Ends’ (2016), do norueguês Jakob Rørvik.

É uma curta sobre as intermitências do amor. Sobre a necessidade de estar, a vontade de ter; e da procura de espaço, de liberdade. “Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar”, escreveu-o José Saramago, no Conto da Ilha Desconhecida, livro infantil que ensina aos adultos a beleza das coisas do nosso interior (e não falo de geografias, mas do interior da gente).

Amar não é repartir. Amar não é deixar de ser inteiro, sendo a metade apenas dalguma coisa mística. Amar é ser completo ao lado doutro alguém que é todo em modo idêntico.

"Não acredito em Deus porque sou mulher, e ele optou por ver-me como uma costela e não como um todo." Isto é um excerto de um poema de Joumana Haddad em O Super-Homem É Árabe — Sobre Deus, O Casamento, O Machão e Outras Invenções Desastrosas, editado este ano pela Sibila, numa tradução de Inês Pedrosa.

Esta curta tem uma mensagem semelhante à do conto. Traduzindo o título, temos qualquer coisa como “Nada acaba realmente”. As personagens, entre traições e desencantos, percebem que aprenderam a amar: sejam os defeitos, sejam as mais valias. Sejam as dores, sejam as alegrias.

A rima aqui precedente é propositada. Pois se é numa crónica sentimentalista que me meti, levarei até ao final a tradição romântica dos homens apaixonados que escrevem loas ao sentimento.

E se é de amor que falamos, conheçamos Cláudia e António, no 'Expresso': "No início, o António não falava. Só o necessário. Mas com Cláudia começou a brincar mais, a rir mais, a falar mais. Cláudia era 'amiga' dele através de um programa de acolhimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. E só mais tarde o adotou."

"Porque descrês, mulher, do amor da vida?", pergunta Antero de Quental. Venham as mantas, venham os abraços. Venham as tardes ao termoventilador, agarradinhos; de computador ao colo, a ver uma qualquer série ou filme. Venham os dias quentes do outono frio, esses dias de passeio somente pelo corpo um do outro. Venham esses momentos curtos do domingo escasso que fazem esquecer que daqui a horas vem uma segunda-feira, vêm as aulas, os trabalhos, as ansiedades.

Quentinho, à beira do aquecedor e da semana, enquanto espero pela decisão de Espanha, eu sou o Pedro Soares Botelho e hoje o dia foi assim.