Parece ter sido ontem que Malala Yousafzai disse: "Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo". A frase e as ações por detrás da mesma valeram um Nobel da Paz à ativista paquistanesa em 2014. Agora, já com 23 anos, Malala foi um dos nomes fortes desta edição da Web Summit. Desta vez o tema é outro - o clima - mas tudo acaba por andar à volta da importância da educação e também da emancipação feminina.
Numa conversa com a vice-Presidente do Ambiente, Políticas e Iniciativas Sociais da Apple, Lisa Jackson, a jovem refere que "tudo se interliga". "O impacto das mudanças climáticas aumenta as cheias. Quando há cheias, as raparigas, especialmente crianças, perdem as suas casas e perdem o acesso à escola. E isso aconteceu na minha cidade natal [perto do rio Suat, no Paquistão], porque houve cheias e o impacto das mudanças climáticas tem sido gigante lá", refere a ativista. "Quando vês isso por ti, na tua própria casa, isso afeta-te verdadeiramente", acrescenta.
Malala afirma que a ativista pelo clima Greta Thunberg tem sido "uma inspiração", depois de a adolescente sueca já se ter referido também a ela como um exemplo, em fevereiro deste ano. É neste contexto que Yousafzai pede que se "dê espaço para que as raparigas e as mulheres possam mudar o mundo". "Quando as raparigas têm educação, têm menos filhos, mais independência financeira, podem lutar contra as dificuldades associadas às mudanças climáticas e são mais resilientes", acrescenta.
Do lado da Apple, Lisa Jackson diz mesmo: "se as nossas vozes não tivessem importância, não haveria tanta gente a tentar ignorá-las". A vice-presidente para o Ambiente, Políticas e Iniciativas Sociais da gigante tecnológica destacou a importância de os governos terem "políticas, regras e leis que suportem uma ação real no que toca às mudanças climáticas". Jackson, que foi também a primeira pessoa negra a liderar a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), considera que a administração de Barack Obama fez esforços nesse sentido e acredita que a presidência de Joe Biden vai trazer tornar claro "o recomeço do trabalho" nesta área.
No que diz respeito a políticas adotadas dentro da própria Apple, Lisa Jackson deixa a garantia de que, em 2030, a companhia será neutra em termos carbónicos. O desafio, acrescenta, é conseguir que os fornecedores e clientes da marca também utilizem energia limpa. Refere que uma das metas da marca é também trabalhar para uma "economia circular", onde os produtos possam ser feitos a 100% a partir de materiais reciclados.
O clima foi um tema que esteve em cima da mesa ao longo de todo o evento, da neutralidade carbónica, ao problema do plástico e às possíveis soluções para um futuro mais sustentável.
Empresas do setor da energia ou petrolíferas, como a BP ou a Shell, partilharam os seus planos para alcançar a neutralidade carbónica e diminuírem os impactos da indústria no ambiente. “A indústria desempenha um papel crítico na proteção da natureza. A atual taxa de extinção é mil vezes maior do que deveria ser. Nós dependemos da natureza e é mais importante do que nunca protegê-la”, referiu Mark Rose, CEO da Fauna & Flora International, uma organização que se uniu à BP para ajudar a empresa a tornar-se mais verde. Do lado de quem analisa a transparência das empresas, Rich Lesser, o CEO da uma das maiores consultoras do mundo – a Boston Consulting Group -, afirma que "o nível de comprometimento tem de aumentar".
A tecnologia foi muitas vezes referida como uma das principais soluções para a crise climática. “Can green tech save the planet?” [Pode a tecnologia verde salvar o planeta?] era inclusive uma das premissas de uma das conferências, da qual fez parte o responsável pela plantação de árvores do motor de busca Ecosia, Pieter Van Midwoud.
Midwoud explicou que é a combinação entre diferentes tipos de tecnologias que permite que o crescimento das árvores seja monitorizado ao longo dos anos. Isto permite, por exemplo, a manutenção de corredores verdes para proteger os chimpanzés no Uganda, uma espécie em extinção.
A Ecosia é um motor de busca online que doa pelo menos 80% da sua receita excedente a organizações sem fins lucrativos que se concentram em reflorestação e conservacionismo.
No mesmo painel participou a primatóloga e antropóloga britânica Jane Goodall. Questionada sobre se a humanidade irá mudar depois da pandemia de covid-19, defendeu a necessidade de "estabelecer um tipo diferente de relação com o mundo natural e os animais" e que não há outra opção "a não ser enfrentar a ameaça" das alterações climáticas. A ativista reforçou ainda que "foi o desrespeito pela natureza e animais que levou à pandemia, em primeiro lugar".
Numa coisa houve consenso entre todos os oradores "verdes" deste evento: o tempo de agir é agora. Em jeito de despedida da Web Summit, Malala Yousafzai deixou uma reflexão, ouvida em direto por mais de 2 mil pessoas: "Todos vamos sentir os impactos, desde as mudanças climáticas, à eletricidade, à pobreza. Nós vamos sentir as consequências, de uma forma ou de outra. Infelizmente alguns vão ser mais afetados, alguns de nós são mais vulneráveis. As mulheres são mais vulneráveis, as minorias são mais vulneráveis, as pessoas de cor são mais vulneráveis, os países em desenvolvimento são mais vulneráveis, os pobres são mais vulneráveis. (…) Nós não podemos escapar às consequências inevitáveis das mudanças climáticas. (…) Antes de nós sabermos sequer, vamos ver isso com os nossos próprios olhos".
* Com Larissa Silva
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