"Para quem acompanhou sucessivas comissões parlamentares de inquérito como representante da família de António Patrício Gouveia, lembrando sempre o corajoso Augusto Cid, e nessa qualidade concordou com as conclusões das últimas comissões no sentido de ter havido atentado, mesmo se não dirigido especificamente contra Francisco Sá Carneiro, é muito frustrante ter de admitir que o tempo acabou por não facilitar uma decisão jurisdicional com mais sedimentada base probatória", considerou.
"Qualquer que ela fosse, ter-me-ia aquietado mais como cidadão", acrescentou o chefe de Estado e antigo presidente do PSD, no lançamento do livro "40 anos, 40 testemunhos sobre Sá Carneiro", uma iniciativa da Juventude Social-Democrata (JSD), no Grémio Literário, em Lisboa.
Perante o atual presidente do PSD, Rui Rio, e outros antigos líderes dos sociais-democratas como Pedro Passos Coelho, Pedro Santana Lopes e Luís Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite presentes nesta sessão, Marcelo Rebelo de Sousa declarou que, "como militante da primeira hora", deve a Sá Carneiro "o reconhecimento pela missão impossível tornada possível de ter construído um partido galvanizante a partir de quase nada, e por várias vezes".
Depois, lembrando "como cidadão" o fundador do PSD e antigo primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "dois traços avultam, um positivo, outro negativo".
"Um negativo: o pesar que não me abandona, enquanto cidadão, de a nossa democracia nunca ter podido, no plano jurisdicional, carrear dados probatórios bastantes para se provar se Camarate foi acidente ou foi crime", acrescentou.
O Presidente da República recordou que na queda do avião Cessna sobre Camarate em 04 de dezembro de 1980 "pereceram, além de Francisco Sá Carneiro, Snu Abecassis, Adelino Amaro da Costa, Maria Manuela Amaro da Costa, António Patrício Gouveia, Alfredo de Sousa e Jorge de Albuquerque".
"A derradeira decisão judicial elenca razões para não poder ser provado que tenha havido crime, mas também considera não haver prova bastante para concluir que tenha havido acidente", referiu.
Quanto ao traço positivo, declarou: "Francisco Sá Carneiro teve muitas, mas mesmo muitas vezes razão antes do tempo. Ao querer acelerar uma democracia civil, ao querer acelerar um regime económico de mercado mais europeu e menos ligado ao tempo revolucionário, ao querer mais Europa mais cedo".
Nesta intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa descreveu Sá Carneiro como "uma irrequieta e inquieta força da natureza" e "um homem de coragem", com quem teve uma amizade desde o final dos anos 60 que guarda com "indizível saudade".
Sobre o período após o 25 de Abril de 1974, apontou-o como e "um dos pais civis" da democracia portuguesa e "referência histórica por natureza" da fundação do Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde Partido Social Democrata (PSD), "defrontado com uma verdadeira aventura interna".
Segundo o Presidente da República, Sá Carneiro foi "o autor de um partido tido por impossível, inviável, sem espaço político à nascença, sem internacional a apadrinhar, sem aparente lugar possível entre a revolução a contrarrevolução radicalizadas, entre as esquerdas múltiplas e o centro-direita e a direita democráticas a construírem-se, entre o Movimento das Forças Armadas (MFA) e a sociedade civil, entre o Partido Socialista (PS) hegemónico e tudo o mais em constante redefinição".
"Entre 1974 e 1979 foi uma saga com duas cisões dramáticas, e por cada uma delas um caminho a reiniciar. E depois a construção da Aliança Democrática (AD) e o exercício do Governo e da reforma de Portugal", resumiu.
O chefe de Estado terminou o seu discurso assinalando que "todos os sucessivos presidentes homenagearam Francisco Sá Carneiro". No seu entender, existe uma "unanimidade na gratidão a quem, em menos de seis anos de vida em democracia, a marcou, de modo indelével".
"Não morreu nem morrerá a sua memória e o seu exemplo", afirmou.
Marcelo Rebelo Sousa, Rui Rio, e o presidente líder da JSD, Alexandre Poço, prefaciam o livro sobre Sá Carneiro hoje lançado, que reúne 40 testemunhos, incluindo de Francisco Pinto Balsemão, Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Paulo Portas, Manuela Ferreira Leite, Adriano Moreira, Pedro Mexia ou Maria João Avillez.
Nesta sessão estiveram também presentes, entre outros, os antigos presidentes do CDS-PP Paulo Portas e José Ribeiro e Castro.
Rio convicto que Sá Carneiro teria voltado à política perante atual “degradação do regime
O presidente do PSD, Rui Rio, afirmou hoje ter a convicção de que Francisco Sá Carneiro, se não tivesse morrido em 1980, teria voltado à política ativa perante a atual “degradação do regime”, e elogiou a sua coragem e frontalidade.
“A minha convicção é que hoje, perante essa degradação do regime, que era o tema dele, acabaria por voltar à política e Portugal acabaria por voltar a ter esse ativo”, afirmou Rui Rio, numa intervenção na apresentação do livro “40 anos, 40 testemunhos sobre Sá Carneiro”, no Grémio Literário.
“Penso que hoje estão aqui na prática duas pessoas: o Presidente da República e o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Hoje é até mais importante o professor Marcelo Rebelo de Sousa pelo seu trajeto com Sá Carneiro”, referiu Rui Rio.
O presidente do PSD, o primeiro a discursar na cerimónia por ter de sair para votar no parlamento a renovação do estado de emergência, começou por reiterar que aderiu ao partido de Sá Carneiro mais do que ao então PPD.
“Eu em maio de 1974, fui com Francisco Sá Carneiro e iria com ele para onde ele fosse”, frisou.
O presidente do PSD salientou que a “vida curta, mas intensa” de Sá Carneiro, que morreu aos 46 anos, foi sempre de “luta contra a ditadura”, primeiro de direita contra Salazar e Marcello Caetano, e depois de esquerda, contra o PCP.
“Muitas vezes coloco a questão se o dr. Sá Carneiro continuaria na política”, disse, recordando que faleceu dias antes de umas eleições presidenciais em que o seu candidato, o general Soares Carneiro, seria derrotado.
Se a tragédia de Camarate não tivesse acontecido, teorizou depois Rui Rio, Francisco Sá Carneiro “ter-se-ia demitido de primeiro-ministro, como disse que faria”, o que o obrigaria a “não estar na política durante muitos anos”.
“Mas, depois da adesão à então CEE [em 1986] veria Sá Carneiro como uma reserva da política nacional pelo menos durante o fim dos anos 80 e o início dos anos 90”, afirmou.
E voltaria à política ativa, questionou-se e respondeu Rui Rio: “A minha convicção é que ele voltaria, se olharmos à situação para o qual o regime evoluiu, pelo desgaste que o tempo infligiu no regime, em vivemos numa democracia formal, mas muito empobrecida do ponto de vista substantivo.
Para Rio, “o descrédito das instituições, a degradação dos princípio éticos, a força dos poderes fáticos - da preponderância das minorias face à maioria -, a crescente hipocrisia do politicamente correto, a degradação da justiça” são temas que “atraíam Sá Carneiro para a política”.
“Sá Carneiro tinha coragem, era frontal, tinha convicção, era coerente e era rigoroso. E tinha credibilidade, que para mim é o somatório de três fatores: coragem, seriedade e competência”, afirmou.
Tal como já tinha referido esta semana na apresentação de um outro livro com discursos de Sá Carneiro, Rui Rio apontou o fundador do PSD como o seu “farol antes do 25 de Abril”, pelo trabalho que desenvolveu enquanto deputado, ainda no tempo da chamada ‘ala liberal’ da União Nacional, então partido único.
“Eu acho que foi mais relevante a ação de Sá Carneiro na ala liberal na sensibilização da sociedade portuguesa para a democracia do que outros oposicionistas, até mais pesados, mas que estavam no exílio e não interagiam assim tanto com o povo português”, defendeu.
O líder da JSD, Alexandre Poço, que organizou a recolha e compilação dos 40 testemunhos em livro, destacou o “respeito que todos os líderes do PSD sempre tiveram pelo legado” de Sá Carneiro.
“Foi um militante inigualável, um estadista que marcou para sempre a democracia em que vivemos”, referiu.
O também deputado explicou que esta homenagem “espelha a vontade que as ideias” do fundador do PSD “inspirem uma nova geração em Portugal”
“Como seria Portugal se a tragédia de Camarate não tivesse levado Francisco Sá Carneiro? (…) A revolta imaginada por mim em Francisco Sá Carneiro perante a situação presente deve ser o mote para a nossa ação. Sejamos capazes de mobilizar a nossa geração para os desafios do futuro, em todas as áreas, a começar pela política”, apelou Alexandre Poço.
Em 04 de dezembro de 1980, Francisco Sá Carneiro, então primeiro-ministro, e Adelino Amaro da Costa, ministro da Defesa, morreram na queda do avião Cessna quando partiram de Lisboa para um comício de campanha no Porto, assim como a tripulação e restante comitiva: Snu Abecassis, Manuela Amaro da Costa, António Patrício Gouveia, Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa.
(Artigo atualizado às 17:06)
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