Numa longa mensagem enviada à Assembleia da República, divulgada no ‘site’ da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa justifica o veto ao decreto que teve origem numa iniciativa de um grupo de cidadãos, mas que acabou por ser transformada numa “lei singular”.
“Onde a iniciativa legislativa popular consagrara uma solução geral e abstrata, consigna o decreto ora apreciado uma solução concreta e individual. E concreta e individual porque aplicável a uma só situação de facto e a uma só entidade destinatária”, refere o Presidente da República na mensagem.
Apesar de estar autorizada, a farmácia do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, encontra-se encerrada deste dia 02 de abril, data em que terminou o contrato de exploração.
Na mensagem, o chefe de Estado recorda que a abertura de farmácias nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde foi autorizada em 2006, através de um decreto-lei alterado, posteriormente, em 2009.
O diploma de 2009 alargava a possibilidade da aplicação de tal regime a outros hospitais, mas, sobretudo, excluiu a exploração direta das farmácias pelos próprios hospitais, determinando a sua gestão por concessão.
Com base neste regime legal foram constituídas sete concessões, das quais apenas uma – cujo contrato caducaria em 01 de abril de 2019 – vigorava em 2016, ano em que o atual Governo revogou o decreto de 2009.
“Recentemente, três iniciativas legislativas debruçaram-se sobre a mesma matéria. Duas, de igual teor, visando repristinar, em termos gerais e abstratos, o regime de 2009 – uma iniciativa legislativa popular e um projeto de lei do PAN. Uma terceira – um projeto de lei do Bloco de Esquerda – propondo o fornecimento de medicamentos ao público por parte das farmácias hospitalares que abastecem os próprios serviços dos hospitais. Os dois projetos de lei, de iniciativa partidária, foram rejeitados”, recorda o Presidente da República na mensagem.
Assim, a iniciativa legislativa popular foi a única a subsistir. Diploma que, segundo o Presidente da República “tinha conteúdo geral e abstrato, isto é, ao repristinar o regime de 2009, fazia-o para um universo indeterminável de situações de facto e de entidades destinatárias”.
Contudo, o decreto da Assembleia da República – aprovado em março - que foi submetido a promulgação “alterou radicalmente o conteúdo da aludida iniciativa legislativa popular”, escreve o chefe de Estado, constatando que “limitou-se a repristinar o regime legal de 2009, para as farmácias hospitalares existentes à data de 1 de março de 2019, para efeitos da sua manutenção em funcionamento”, entre outros aspetos.
“O decreto em exame, pelo momento em que é aprovado e enviado para promulgação, não apenas se dirige a uma concessão concreta e a uma concessionária especifica existentes, permitindo a esta última exercer o direito de preferência em futura concessão – nos termos do regime de 2009 –, como repõe em vigor concessão caducada, desse modo garantindo o exercício do citado direito de preferência”, lê-se na mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa ao parlamento.
O Presidente da República conclui, assim, que “tudo o que fica dito quer dizer que o Decreto da AR. Nº. 290/XIII, pela sua singularidade, suscita várias interrogações, de ordem social, e, portanto, política, […] e cuja dilucidação é essencial ao juízo sobre ele formulável”.
Na mensagem, Marcelo Rebelo de Sousa deixa várias interrogações, questionando, entre outras matérias, a razão por que “exclui a gestão direta da farmácia concreta, a que se dirige, pelo próprio hospital, em vez de escolher concessionar essa gestão”.
“Da resposta às interrogações enunciadas decorre a suficiência ou insuficiência da fundamentação política para uma lei singular, consagrando um regime obviamente excecional”, salienta.
Há cerca de uma semana, um movimento de 49 farmácias comunitárias tinha enviado uma carta ao Presidente da República solicitando que impedisse a reabertura da farmácia do Hospital Beatriz Ângelo, alegando não existir “qualquer razão de facto para reabrir em Loures uma farmácia com um regime de exceção à lei que se aplica a todas as farmácias e a todos os hospitais públicos de Portugal".
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