Os esforços dos laboratórios farmacêuticos o nível mundial foram redirecionados nos últimos meses para encontrar um medicamento (e uma vacina) para tratar a doença provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Uma resposta poderá chegar ainda em 2020, antes de fazer um ano desde o anúncio do primeiro caso, a 31 de dezembro de 2019, na China. Em menos de quatro meses, o vírus que provoca problemas respiratórios graves pôs a maior parte do mundo em suspenso, com as populações fechadas em casa para evitar a propagação. No total, já se contabilizam mais de 2,3 milhões de casos de infecção, quase 165 mil mortos e cerca de 525 mil pessoas consideradas curadas. Em Portugal, à data de publicação deste artigo, há mais de 20 mil casos confirmados, mais de 700 vítimas mortais e acima de 600 casos de recuperação.

Fomos conhecer os medicamentos mais promissores: quando foram criados e para que fins, porque são considerados promissores, em que ponto estão as investigações e quais são os próximos passos.

Para encontrar as respostas às nossas questões, falámos com vários especialistas e instituições, incluindo a Gilead, empresa norte-americana responsável por aquele que é considerado por alguns como o medicamento mais promissor. O Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento em Portugal) disponibilizou-se para ajudar no esclarecimento de dúvidas, mas acabou por não responder atempadamente às nossas questões.

Este guia está organizado em torno dos seguintes tópicos:

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?

O combate à pandemia implica conseguir conter a propagação do vírus e tratar das pessoas infetadas. Isto faz-se a vários níveis e em diferentes momentos. Os medicamentos entram nesta escala. Vamos lá por exclusão de partes.

Numa primeira fase, surgem as medidas de isolamento social e a realização dos testes de diagnóstico. No longo prazo, espera-se a chegada de uma vacina, que permita levarmos uma vida livre de confinamento e sem risco para a saúde pública.

Enquanto isso, no médio prazo, importa ir tratando as pessoas que ficam doentes.

Destas, sabe-se, até ao momento, que a maioria das pessoas, cerca de 80%, apenas tem sintomas ligeiros. Essas são tratadas com paracetamol, “caso tenham febre”, não havendo “indicação para fazer mais nada neste momento”, explica Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.

O grupo remanescente, que representa 20% do total, é constituído por pessoas que têm quadros clínicos mais complicados, precisando de ser internadas. “Os casos mais severos precisam de estar em Unidades de Cuidados Intensivos e uma parte deles, infelizmente, acaba por morrer”, continua o epidemiologista.

É aqui que entram os medicamentos que estão a ser testados: são uma possível resposta para as pessoas que estão hospitalizadas com sintomas mais severos da doença. Estes “protocolos terapêuticos são exclusivamente hospitalares”, esclarece o médico.

Ou seja, não estamos a falar de medicamentos que possam ser receitados pelo médico e comprados na farmácia para toma em casa visando o tratamento da Covid-19. Os possíveis medicamentos em investigação são, pelo menos para já, para utilização em contexto hospitalar.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?

Desde que é identificada uma necessidade até que um medicamento chegue ao doente, estas são, de forma resumida, as etapas percorridas:

- Investigação pré-clínica para o desenvolvimento de um medicamento que se aplique à doença em causa;

- Três ou quatro fases de ensaios clínicos, para testar a eficácia e a segurança do fármaco, e que acontecem com um número cada vez maior de pessoas;

- Aprovação pelas entidades reguladoras;

- Produção e distribuição (venda ou doação) do medicamento por parte das empresas farmacêuticas que o desenvolveram.

Os passos são semelhantes aos necessários para a criação de uma vacina (saiba mais aqui sobre a corrida às vacinas para a Covid-19).

A grande diferença entre os medicamentos e as vacinas, em relação ao tempo necessário até chegarem à população no caso da Covid-19, é que a vacina precisa de ser feita de origem e os medicamentos que estão a ser testados já existiam para outras doenças.

Ou seja, o seu desenvolvimento, a aprovação e principalmente a produção serão muito mais céleres. No fundo, simplificando o que é bastante complexo, é “só” preciso confirmar que os medicamentos são eficazes para esta doença.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


3. Uma esperança com “alerta amarelo”

Antes de mais, os especialistas alertam: os medicamentos não são a solução para a pandemia. Os medicamentos servem essencialmente para tratar as pessoas já infetadas — e o que se pretende é evitar que as pessoas cheguem a ficar doentes. Por outro lado, é arriscado depositar nestes fármacos a esperança da cura porque os antivirais têm “uma taxa de sucesso variável consoante o paciente”, lembra David Cristina, biólogo de formação que nos ajudou a entender algumas questões mais técnicas sobre os fármacos (o cientista é também diretor de investimento em Portugal do grupo chinês Fosun; o grupo não se encontra envolvido no desenvolvimento de medicamentos para a Covid-19 em Portugal). Além disso, estes medicamentos muitas vezes têm efeitos secundários consideráveis e podem mesmo levar à morte.

Dito isto, os medicamentos não deixam de ser um campo de grande investimento nesta fase, por parte quer dos laboratórios da indústria farmacêutica, quer dos governos e organizações mundiais. Há vários motivos para isso.

A maioria são medicamentos que já existem — foram desenvolvidos para outras doenças — e, por isso, poderão ser postos a circular mais rápido, assim que se prove a sua segurança e eficácia para a Covid-19.

Um outro motivo de aposta nos medicamentos é o facto de poderem salvar a vida das pessoas em que a doença se manifesta de forma mais severa.

Além disso, contribuem para que os doentes estejam menos tempo em tratamento, logo para que as camas dos hospitais fiquem vagas mais rápido e possam receber novos doentes.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?

Os vírus são microrganismos compostos por um núcleo com o material genético que pode ser de dois tipos: RNA (ácido ribonucleico) ou DNA (ácido desoxirribonucleico). Os coronavírus são um grupo de vírus de genoma de RNA.

Alguns vírus, como é o caso do novo coronavírus (SARS-CoV-2), estão envolvidos num “envelope lipídico, que pode facilitar a entrada do vírus na célula hospedeira”, explica a Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) em declarações ao SAPO24. É aqui que ganha sentido a tão repetida importância da lavagem das mãos: o sabão destrói esta camada de gordura, matando o vírus.

Como é que o vírus entra nas nossas células? Através das proteínas que tem na camada externa. Depois de entrar, as células humanas seguem as instruções do vírus para replicar o RNA viral - o vírus não tem capacidade para se replicar sozinho.

Assim, “os medicamentos antivirais podem atuar através de diferentes mecanismos”, esclarece a Apifarma: pela “prevenção da entrada do vírus; pela inibição de ligação do vírus à superfície celular; pelo bloqueio da replicação RNA/DNA na célula; pela inibição da saída/libertação do vírus da célula”; entre outros.

Um “antivírico ideal” deverá ter capacidade para “penetrar na célula”; “possuir largo espetro”, ou seja, ser eficaz contra vários vírus; “possuir potência suficiente para a inibição completa da replicação vírica”; “não conduzir ao desenvolvimento de resistências”; “exibir toxicidade mínima para a célula hospedeira”; “não interferir com os mecanismos normais de defesa celular”; “não suprimir o processo normal de desenvolvimento de imunidade activa do hospedeiro”, explica a Apifarma.

Isto seria a solução ideal para um anti-viral, algo que dificulte a vida ao vírus dentro do corpo humano, que reforce as nossas defesas, sem ter qualquer contraindicação. É isto que os laboratórios farmacêuticos procuram, sendo que na prática o mais provável será sempre terem de fazer algum tipo de compromisso entre vantagens e potenciais contraindicações, cabendo aos médicos, depois de todo o processo de investigação e aprovação concluído, a decisão final face ao contexto de cada paciente.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


5. Os três principais candidatos: porquê estes?

Dezenas de medicamentos estão em estudo para a Covid-19 em todo o mundo. A Agência Europeia do Medicamento, por exemplo, tem interagido com várias empresas responsáveis pelo desenvolvimento de cerca de 40 opções terapêuticas, diz a Apifarma.

No entanto, há três que se destacam: o remdesivir, um antiviral criado para combater o ébola; a cloroquina e a hidroxicloroquina, medicamentos usados contra a malária; e a dupla ritonavir/lopinavir, usada para o VIH.

Grandes ensaios clínicos para testar medicamentos contra a Covid-19

  • A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou, em meados de março, um mega ensaio clínico onde avalia o potencial de três terapêuticas em particular: o remdesivir, a cloroquina e a hidroxicloroquina, e a combinação ritonavir/lopinavir. O “Solidarity”, como é chamado, procura reduzir em 80% os habitualmente longos períodos de testes, explica a organização no site. “Ao envolver doentes de múltiplos países”, ultrapassa a dificuldade de “chegar a provas científicas robustas”, o que acontece quando são realizados “vários pequenos ensaios”. A 8 de abril, mais de 90 países estavam a participar no “Solidarity”, anunciou a OMS.
  • Um outro ensaio clínico de escala multinacional está a ser desenvolvido na Europa, sob a coordenação do francês INSERM (Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale; Instituto Nacional da Saúde e da Investigação Médica). Este ensaio tem o nome de “Discovery”, foi lançado a 22 de março, e testa os mesmos tratamentos. Está previsto que inclua 3200 pacientes europeus, incluindo países como a Bélgica, os Países Baixos, Luxemburgo, Reino Unido, Alemanha e Espanha.
  • Também o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças da União Africana (CDC África) anunciou pelo menos quatro ensaios clínicos registados nos Estados Unidos para serem feitos em África. Três deles propõe-se estudar as vantagens daqueles três medicamentos.

Os três fazem parte dos maiores ensaios clínicos em curso, incluindo o "Solidarity" da Organização Mundial de Saúde (ver caixa ao lado), já deram alguns sinais de poderem ser eficazes no tratamento desta doença e poderão ser fabricados em larga escala e postos a circular com maior rapidez.

No entanto, nem todos se encontram na mesma situação. O remdesivir, apontado por alguns como o mais promissor, nunca chegou ao final do processo de aprovação e está sob patente até 2035, ou seja, ainda tem de ser autorizado e só pode ser produzido pela empresa que o desenvolveu, a Gilead. Por sua vez, a cloroquina e a hidroxicloroquina e a dupla ritonavir/lopinavir já foram aprovados para outras doenças (têm a chamada Autorização de Introdução no Mercado - A.I.M.), já não estão sob patente, têm versões genéricas e podem ser produzidos por várias farmacêuticas.

Uma norma de 23 de março da Direção-Geral da Saúde portuguesa reconhece as recomendações relativas a estas três terapêuticas e admite que possa ser equacionada a sua utilização quer em enfermaria quer nas Unidades de Cuidados Intensivos, de acordo com critérios específicos e “com juízo clínico”.

Conheçamos, agora, em maior detalhe cada um destes medicamentos promissores.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


6. Remdesivir. Está no topo dos “mais promissores” mas é o único que ainda não foi aprovado

créditos: Ulrich Perrey / POOL / AFP

Breve história do medicamento

O remdesivir começou a ser desenvolvido em 2009, sendo mais conhecido por ter sido testado para o combate ao surto do ébola em África em 2014. Embora tenha sido usado nalguns contextos experimentais e tenha demonstrado ser seguro, acabou por nunca chegar ao final dos ensaios clínicos. É, por isso, ao contrário dos outros candidatos, um medicamento experimental e ainda sob patente. A empresa que o desenvolveu e produz é a Gilead, uma farmacêutica norte-americana, sediada na Califórnia, com representação em Portugal. O remdesivir é uma molécula de grandes dimensões que tem por objectivo interferir no processos químicos virais, “enquanto o vírus se tenta replicar”, explica David Cristina.

Porque é considerado promissor

O remdesivir tem vindo a ser testado para outros vírus, incluindo o SARS-CoV (coronavírus detetado na China em 2002) e o MERS-CoV (identificado na Arábia Saudita em 2012). Os estudos com animais e com células humanas em laboratório, feitos em parceria com as universidades norte-americanas da Carolina do Norte e de Vanderbilt (Nashville, Tennessee), revelaram que o medicamento era eficaz para aqueles dois coronavírus. Isto sugere que o medicamento pode ser também eficaz contra o novo coronavírus.

Em janeiro deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmava que o remdesivir era considerado “o candidato mais promissor” por ser um antiviral com um “espetro alargado” — isto é, por funcionar com vários tipos de vírus —, pelos resultados alcançados até ao momento e por já ter provado amplamente a sua segurança. 

Dos medicamentos incluídos no mega ensaio clínico da OMS, o remdesivir é o que “tem o maior potencial de vir a ser usado em contexto clínico”, em particular por poder ser usado em doses elevadas sem risco de excesso de toxicidade, considera Jiang Shibo, investigador da Universidade de Fudan (Xangai, China), citado pela Science, uma prestigiada revista científica.

Em que ponto estamos

Falámos com a representação da Gilead em Portugal que esclareceu ao SAPO24 que “está a apoiar múltiplos ensaios clínicos para avaliar a segurança e eficácia do remdesivir como um tratamento potencial para a COVID-19”. “Alguns destes ensaios foram desenhados e estão a ser implementados pela Gilead, outros são dirigidos por outras entidades, um pouco por todo o mundo”, diz a farmacêutica nas respostas que nos enviou por email.

Os primeiros resultados dos ensaios clínicos mais estruturados são esperados no final deste mês de abril, “o que poderá levar a uma aprovação antes do final do ano”, explica David Cristina.

Entretanto, os dados preliminares da administração pontual do remdesivir nalguns doentes têm sido mistos: nalguns casos os pacientes manifestaram melhorias ao fim de pouco tempo, noutros não se verificaram diferenças entre doentes que tomaram o medicamento e os que não tomaram.

Fora dos ensaios clínicos, e através de um programa de uso compassivo (“utilização do medicamento em situações clínicas verdadeiramente excecionais, para as quais não existem ainda quaisquer alternativas terapêuticas disponíveis, e quando o médico considere adequado/indispensável a sua utilização”, define a Gilead), o remdesivir está a ser disponibilizado pela empresa para tratar doentes em estado crítico em todo o mundo, tendo havido nas últimas semanas um “aumento exponencial dos pedidos de uso compassivo” na Europa e nos EUA.

“Para que um fornecimento nestas circunstâncias possa ocorrer, as Autoridades Regulamentares têm também de autorizar a sua utilização excecional”, lembra a Gilead.

A 6 de abril o Infarmed informou que já tinha autorizado três pedidos de utilização.

Próximos passos

“Se se provar que o remdesivir é seguro e eficaz no tratamento da COVID-19, estamos completamente empenhados em tornar o remdesivir disponível e acessível a governos e doentes de todo o mundo”, garante a empresa.

Tendo em conta que “o processo de fabrico é complexo e intensivo, em termos de tempo, recursos e matérias-primas escassas”, admite a Gilead, a empresa está a “construir um consórcio geograficamente variado de empresas farmacêuticas e químicas para trabalhar em conjunto de forma coordenada”, de forma a conseguir aumentar o “ritmo de produção”. “Até ao momento conseguimos melhorias do processo que encurtaram o prazo de fabrico de 9-12 meses para apenas 6-8 meses”, informou.

A Gilead decidiu aumentar a produção do remdesivir “antes mesmo de saber se é eficaz e seguro”, de modo a ter oferta “disponível face a eventuais necessidades futuras”, explicou a empresa. “Desde janeiro de 2020 aumentámos 30 vezes a produção e esperamos que até final deste ano tenha sido disponibilizado um milhão de tratamentos”, detalhou.


Índice

1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia

créditos: Gerard Julien / AFP

Breve história do medicamento

A cloroquina é uma molécula antiga, desenvolvida nos anos 50 para tratar malária. Um dos seus derivados é a hidroxicloroquina (comercializada com o nome “Plaquenil”). Ambas são “indicadas na prevenção e tratamento da malária e de doenças autoimunes”, como a “artrite reumatoide” e o “lúpus eritematoso”, indica o Infarmed numa nota divulgada em março.

“Há uma larga experiência na utilização destes dois fármacos nas indicações aprovadas e, como tal, conhece-se muito bem o seu perfil de segurança”, lembra o Infarmed, dando o exemplo da toma há décadas da cloroquina como profilaxia por parte dos “europeus que visitam áreas geográficas endémicas da malária”.

Os cientistas acreditam que estas moléculas podem ser eficaz contra o novo coronavírus por várias vias: “como prevenção da entrada do vírus na célula”, ao interferirem com os recetores que o vírus usa para se ligar à célula; como “prevenção da sua replicação”; e “finalmente atuando ao nível da contenção da resposta imunitária responsável pelo agravamento da doença”, explica o Infarmed.

Porque é considerado promissor (e alguns riscos)

Com base na atividade autoimune das duas terapêuticas começou-se “a pensar no seu uso no tratamento de infeções por coronavírus, tendo a cloroquina sido usada também na epidemia da SARS [em 2002] e do vírus Zika [2015-2016]”, descreve o Infarmed.

A polémica em torno da cloroquina e seu derivado

A palavra não é fácil de dizer, mas tem estado nas bocas do mundo: hidroxicloroquina. Quem lhe tem dado mais projeção ultimamente é Trump, mas um importante “pontapé de saída” para que o fármaco ganhasse esta popularidade foi dado do lado de cá do oceano, em França.

Didier Raoult é um cientista francês, da Faculdade de Medicina de Marselha, especialista em doenças infecciosas. O microbiólogo assinou vários artigos científicos a defender estes fármacos como a solução terapêutica para a Covid-19 (aqui, por exemplo), com base em investigações feitas na China. No entanto, os estudos de Raoult são muito criticados pelas fragilidades metodológicas que apresentam, incluindo as pequenas amostras de pacientes. Raoult tem rejeitado as críticas, falando em “ditadura” das metodologias. O Presidente francês, Emmanuel Macron, foi a Marselha a 9 de abril para visitar o cientista. A publicação Science refere-se ao investigador como uma figura controversa e politicamente bem relacionada.

Donald Trump também tem sido um defensor acérrimo da hidroxicloroquina, referindo-se a ela em várias conferências de imprensa. Os argumentos são de que este medicamento tem mostrado bons resultados em diversas ocasiões no tratamento da Covid-19 e que não há nada a perder em administrá-lo. Muitos especialistas discordam, não só porque os casos conhecidos são pontuais, sendo necessário esperar por resultados mais robustos, como também porque os efeitos secundários acarretam riscos graves, nomeadamente de complicações cardíacas. O caso chegou mesmo a dar origem a uma discussão na sala de crise na Casa Branca.

Alguns resultados preliminares parecem indicar que “a cloroquina reduz a febre”, melhora os resultados “imagiológicos do pulmão” e “atrasa a progressão da doença”, resume o Infarmed.

Estes fármacos receberam recentemente uma atenção muito grande na esfera pública. No entanto, esta projeção está envolta numa grande controvérsia (ver caixa ao lado).

Para que o medicamento seja eficaz, pode ser necessária a administração de doses elevadas, havendo perigo de excesso de toxicidade. Este medicamento também tem demonstrado que pode ter efeitos secundários graves, incluindo problemas de coração e perda de visão. Nos EUA, um homem morreu por se ter automedicado com uma forma de cloroquina usada para tratar peixes. Entretanto, foi detetada a existência de embalagens falsificadas de cloroquina no mercado português, alertou também o Infarmed.

Em que ponto estamos

Embora haja vários ensaios clínicos em curso, ainda não há resultados oficiais e robustos que determinem a eficácia e segurança destes fármacos para a Covid-19.

Ainda assim, está a ser defendida a “sua utilização em doentes graves com coronavírus, devendo, no entanto, ser considerado o perfil de toxicidade (cardíaca e oftalmológica) em doentes suscetíveis”, indica o Infarmed numa noutra nota. 

“O uso de hidroxicloroquina pode ser uma melhor abordagem terapêutica na Covid-19 “, descreve o Infarmed, por aparentemente “ter uma atividade antiviral mais potente” e por apresentar “menos efeitos secundários, nomeadamente a nível ocular”, e por não estar “contraindicado em mulheres grávidas”, adianta o Instituto.

“A cloroquina tem igualmente tido um aumento significativo de atenção nos países como um agente profilático [reduz o risco de desenvolvimento da doença perante uma exposição ao vírus] para além do potencial efeito curativo”, acrescenta. “Estão a ser planeados estudos a longo prazo em profissionais de saúde” no sentido de “suportar uma decisão sobre seu possível papel” profilático.

Próximos passos

As empresas produtoras destes medicamentos já anunciaram que estão empenhadas em disponibilizar estes medicamentos em larga escala, logo que seja comprovada a sua eficácia para a Covid-19.

O laboratório francês Sanofi, por exemplo, informou, a 10 de abril, que doou 100 milhões de doses de hidroxicloroquina a 50 países para o tratamento de doentes com Covid-19. A farmacêutica diz que tem estado a aumentar “o número de pedidos por parte dos governos de vários países”. Nesse sentido, prevê aumentar a capacidade de produção em 50% e planeia quadriplicá-la até ao verão.

A Novartis, empresa farmacêutica suíça, também se comprometeu a oferecer até 130 milhões de doses de hidroxicloroquina. E a multinacional Teva, uma das maiores farmacêuticas mundiais dedicada a medicamentos genéricos, sediada em Israel, garantiu que doaria 16 milhões de doses de hidroxicloroquina aos hospitais norte-americanos.

O Infarmed informou que, em Portugal, “no âmbito do tratamento da COVID-19, estão a ser adquiridas centralmente mais embalagens [de hidroxicloroquina], sendo a distribuição assegurada pelo Laboratório Militar”.


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1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH


8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH

créditos: Geoff Robins / AFP

Breve história do medicamento

A combinação destes dois medicamentos foi inicialmente desenvolvida para tratar as infecções do VIH (o vírus da SIDA), mas tem demonstrado ser eficaz contra outros vírus.

A medicação foi aprovada em 2000, nos Estados Unidos, e é vendida com o nome comercial Kaletra. Os medicamentos são dados em conjunto porque o ritonavir prolonga o tempo durante o qual o lopinavir consegue manter o seu efeito - sem a combinação seria demasiado curto.

Porque é considerado promissor

“Os dados pré-clínicos disponíveis e alguma experiência no contexto da MERS  sugerem que [esta terapêutica] pode trazer algum grau de benefício clínico e tem potencial para ser investigada, em particular em casos severos” da Covid-19, explica a OMS. Nesse sentido, foi considerada uma boa opção para “entrar rapidamente em ensaios clínicos”, acrescenta na nota publicada em janeiro. A combinação destes dois fármacos inibe “as proteases do vírus da SIDA”, uma enzima importante que quebra uma longa cadeia de proteínas, “limitando a capacidade reprodutiva do vírus”, explica David Cristina.

Em que ponto estamos

“Embora haja sinais de experiências em laboratório de que esta combinação pode ser eficaz contra a Covid-19, os estudos feitos até ao momento em pacientes foram inconclusivos”, explica a OMS, havendo casos em que não se verificaram diferenças entre os pacientes a quem foi foram administrados estes medicamentos e os doentes que não receberam qualquer tratamento. É o caso de um estudo publicado a 18 de março por um grupo de investigadores chineses e que envolveu 199 pacientes.

Os ensaios clínicos para provar a eficácia destas drogas no tratamento da Covid-19 ainda estão a decorrer. Alguns resultados são esperados entre junho e agosto deste ano.

O Infarmed informou que estes fármacos “estão a ser abastecidos aos hospitais para as necessidades de tratamento dos seus doentes”.

O mega ensaio clínico da OMS também considera um tratamento que combina a dupla ritonavir/lopinavir com o interferon-beta, uma molécula que regula as inflamações no organismo.

O Infarmed informou em março que este medicamento se encontrava em reforço de stock nacional no âmbito da Reserva Estratégica de Medicamentos.

(Artigo atualizado às 9h51)

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