“A Alice vai a Portugal conhecer os avós, mas nas primeiras duas semanas vamos ficar sozinhos em quarentena"

 Os avós da Alice desesperam por conhecer e pegar na bebé, mas os pais Susana e Rui estão determinados em reduzir o risco de contágio com covid-19 quando forem de férias de Londres, onde vivem, para Portugal este verão.

“A Alice vai a Portugal conhecer os avós, mas nas primeiras duas semanas vamos ficar sozinhos em quarentena. Talvez possamos encontrar-nos numa esplanada, mas eles vão ter de usar máscaras e não vão poder pegar-lhe ao colo”, contou Susana Lino à agência Lusa.

Estas são as condições que se impuseram para poderem passar férias em Portugal em agosto, porque querem apresentar a criança à família, mas não querem correr riscos nem colocar ninguém em perigo.

“É um bocado chato, eles estão ansiosos por pegar na Alice”, confia esta lisboeta, profissional do setor financeiro a viver na capital britânica há quase quatro anos.

Diana Gomes regressou no passado domingo de Portugal com a Victoria, de cinco meses, e o marido, Francisco Costa. "Tínhamos inicialmente pensado ir no final de março mas claro, tivemos que adiar esses planos. Optámos por ir em junho porque nos pareceu que a situação estava a acalmar tanto cá como lá e para aproveitar a 'janela de oportunidade' antes de possíveis novas vagas”, disse à Lusa.

A decisão ponderada e “difícil” devido ao receio de serem contagiados durante a viagem e infetar os familiares e ponderada, por isso só compraram os bilhetes de avião duas semanas antes, garantindo que a criança ia com as vacinas em dia.

"A viagem em si foi mais complicada porque as máscaras não são confortáveis quando se tem um bebé constantemente ao colo, e há aquele receio de tocar em superfícies tanto no táxi como no aeroporto e a preocupação de estar constantemente a desinfectar ou lavar as mãos”, descreveu.

Com Diana licença de maternidade e o marido temporariamente em layoff, puderam ficar mais tempo e cumprir a quarentena de duas semanas obrigatória no regresso ao Reino Unido, perspetiva que também não demoveu Sara Godinho e Ricardo Correia.

Este casal parte este fim-de-semana para Lisboa incertos se vão ter de ficar em isolamento quando voltarem a Londres, mas estão dispostos a arriscar para poderem apresentar a Alice, de seis meses, aos avós septuagenários e octogenários.

"Os meus pais ainda a viram logo quando ela nasceu, mas os pais do Ricardo não a conhecem. No início [da pandemia] ainda pensámos ir para Portugal porque parecia que a situação lá estava mais controlada, mas o nosso filho ainda estava na escola”, contou Godinho, lisboeta e consultora de sustentabilidade ligada à arquitetura.

O período de confinamento desde março num apartamento em Londres com a Alice e o irmão Filipe, de cinco anos, enquanto Ricardo continuou a trabalhar remotamente para uma plataforma de viagens, também contribuíram para o desejo de passar parte do verão em Portugal.

Quando chegarem a Lisboa, estão decididos ficar em isolamento, para evitar infetar os familiares caso sejam contagiados durante a viagem, mas depois vão ter mais apoio familiar, mais espaço incluindo um jardim privado.

“Mas não sabemos se vamos poder ver todas as pessoas que gostaríamos. Talvez possamos encontrar-nos ao ar livre e em esplanadas”, admite Ricardo, conformado com o "novo normal” criado pela pandemia covid-19.

Com 290 mil infetados e perto de 45 mil mortos, o Reino Unido tem mais vítimas mortais que Portugal (1.654) e mais casos (46.221). No país vivem perto de 300 mil portugueses.

"Temos muitas saudades da família, das idas ao teatro, ao cinema, tudo o que aqui na Suíça nunca fazemos”

“Os portugueses têm medo de perder os seus trabalhos, no caso de ficarem bloqueados em Portugal. E a maioria não quer correr esse risco”, explica o Nuno dos Santos, Presidente da Associação de Apoio à Comunidade Portuguesa na Suíça (AACP).

Se por um lado a grande maioria dos portugueses residentes na Suíça se mostra preocupada com os riscos e evolução da pandemia, por outro há quem não abdique dos velhos costumes de passar férias em Portugal, movidos pela saudade de quem lá os espera.

“Temos voo marcado para meados de julho, compramos os bilhetes após o confinamento, quando tudo parecia estar estável. Temos muitas saudades da família, das idas ao teatro, ao cinema, tudo o que aqui na Suíça nunca fazemos”, afirma Mariana Mendes natural de Lisboa, residente na cidade de Nyon, na Suíça Francesa.

A emigrante Lisboeta, mãe de dois filhos, confessa à agência Lusa que, este ano, a família vai para Portugal para ficar durante um mês.

“O meu marido está desde março em teletrabalho, temos cumprido à risca as medidas de prevenção e passado o tempo todo em casa. Estamos todos a precisar de espairecer e ir para junto da nossa família, obviamente que continuando a cumprir com as medidas necessárias ao combate do coronavírus”, concluiu.

Segundo o presidente da AACP, o motivo de apreensão dos portugueses estará ligado ao receio de um possível fecho das fronteiras ou a uma imposição de quarentena que os obrigaria a ficar em território português, caso o vírus se prolifere de forma repentina em Portugal.

Além das preocupações com a proliferação do vírus em Portugal, o dirigente acrescenta ainda que os portugueses se têm queixado da “falta de comunicação e informação” relativamente às medidas adotadas em Portugal assim como as recomendações que devem ser tomadas em conta pelos emigrantes que pretendem viajar.

“Oiço regularmente pessoas a queixarem-se da falta de empatia por parte do governo português”, afirma o presidente, salientando que “a única preocupação que existe por parte dos nossos deputados em Portugal é a diminuição das remessas dos emigrantes e das consequências que essas trarão para o turismo em Portugal”.

“Preocupem-se com os emigrantes e não com o dinheiro deles”, implora o dirigente associativo deixando transparecer a sua indignação face à posição dos deputados portugueses no que toca à diáspora portuguesa.

Manuel Marques, presidente da Associação dos Portugueses de Nyon, concorda com Nuno dos Santos: “Apesar da saudade, as pessoas não querem ir a Portugal para não porem em risco as suas famílias, principalmente os mais vulneráreis [os mais velhos]. Até porque na Suíça o porte de máscara não é obrigatório. Nunca se sabe o que levamos daqui”.

As consequências da pandemia têm-se feito sentir em todo o mundo, a Suíça não é exceção.

Face aos danos provocados pelo coronavírus, a maioria das empresas fazem os possíveis para recuperar dos prejuízos financeiros deixados pela pandemia.

“Este ano, só tenho duas semanas de férias, quando sempre tive três semanas no verão. A minha empresa está a aumentar o volume de trabalho para compensar todo o tempo em que estivemos parados. Este ano, não vou a Portugal”, afirma Manuel Marques, que para além de presidente da Associação dos Portugueses de Nyon, é operário numa empresa de construção na Suíça Francesa.

Com 32 mil infetados e dois mil mortos, a Suíça tem mais vítimas mortais que Portugal (1.654) mas menos casos (46.221). No país vivem perto de 300 mil portugueses.

“Há alguma insegurança porque Portugal diz uma coisa, os outros países dizem outra"

A decisão não é fácil, assume José Loureiro, um dos conselheiros das Comunidades portuguesas eleito pelo círculo de Estugarda. A mãe, com 87 anos, e a irmã, quase com 60, esperam-no, como cada ano, em Portugal, mas o medo e a incerteza podem condicionar a viagem.

“Tenho este mês para resolver, com a minha família, se vamos ou não. Estou preocupado principalmente por causa dos aeroportos”, confessou, em declarações à agência Lusa, assumindo que as dúvidas são transversais aos portugueses com quem tem contacto.

“Algumas ainda estão indecisas, outras já cancelaram ou adiaram as viagens. São muitas as incertezas neste momento, muitas dúvidas, e as pessoas não querem correr o risco porque estão sujeitas à possibilidade de, no regresso de Portugal, serem obrigados a ficar em quarentena. Esse é um ponto fundamental porque essas duas semanas não serão depois pagas pelas entidades patronais”, salientou José Loureiro.

Maria do Céu Romarigo, vice-presidente da Associação Portuguesa de Gütersloh, no estado federado da Renânia do Norte-Vestefália, o mais populoso da Alemanha, admite que este ano também não vai ao país de origem. Talvez no próximo ano, “se tudo correr bem”.

“A maior parte dos portugueses com quem tenho contacto não vai a Portugal. É o meu caso, não dá para arriscar. Tenho-me resguardado mais porque sou diabética, e tenho medo de, no caminho, poder ficar infetada”, assumiu.

Gütersloh foi uma das duas localidades que voltou ao confinamento em junho, depois de um surto com mais de 1.500 trabalhadores numa fábrica de carne.

“O meu irmão já foi de carro, correu tudo bem, ele fez o teste antes de ir e está tudo bem. Recebeu o resultado já em Portugal, numa aplicação de telemóvel, até lá esteve dois dias em casa, em confinamento”, contou à agência Lusa.

Também Luís Pacheco vai prescindir das habituais férias em Portugal. A viver em Hamburgo, o presidente da Associação Luso Hanseática, admite ter falado com a família, que concordou.

“Muitos já têm alguma idade e acham que pode ser perigoso, especialmente com a viagem de avião”, explicou, acrescentando que vários portugueses com quem contactou já foram ou ainda vão de carro, mas há muitos que “admitem ter medo de uma possível segunda vaga do vírus” e optaram por ficar.

Manuel Campos, presidente do GRI-DPA Grupo de Reflexão e Intervenção da Diáspora Portuguesa na Alemanha, assume só ter medo do medo, e não do vírus.

Em declarações à agência Lusa durante umas férias no Algarve, revelou que “várias pessoas estão com receio de vir por causa das notícias, porque têm aparecido surtos em algumas zonas”, ressalvando que “muitos já fizeram a viagem quando a fronteira com Espanha reabriu”.

Com o regresso adiado, avisou também que “muitos voos que saem da Alemanha estão a ser constantemente cancelados e a datas alteradas”, apelando às pessoas para se informarem o mais possível.

Conselho partilhado por Alfredo Stoffel, um dos conselheiros das comunidades portuguesas na Alemanha eleito pelo círculo de Dusseldorf, Hamburgo e Berlim.

“Há alguma insegurança porque Portugal diz uma coisa, os outros países dizem outra. É importante que as pessoas se informem junto dos serviços da embaixada ou dos consulados gerais da área de jurisdição. É importante perceberem as condicionantes que podem enfrentar caso decidam ir de carro, tanto na viagem de ida como de regresso”, avisou.

Em declarações à Lusa, assumiu que, apesar dos receios, são muitos os portugueses que continuam a planear as suas viagens, tanto de carro, como de avião, “sabendo que as fronteiras estão abertas, vão tentar ir”.

Com 200 mil infetados e 9 mil mortos, a Alemanha tem mais vítimas mortais que Portugal e mais casos. No país vivem perto de 150 mil portugueses.

* Reportagens de  Bruno Manteigas (Reino Unido), Vanessa Santos (Suíça) e Joana Sousa Dias (Alemanhã), da Agência Lusa