Na casa de Francisco Gouveia, em Vila Nova, a cerca de cinco quilómetros da sede de concelho, Miranda do Corvo, no distrito de Coimbra, o ensino à distância transformou um problema já antigo de acesso a internet de fibra numa dor de cabeça ainda maior.
Com filhos de 13, oito e cinco anos de idade, tem sido “um desafio colocá-los ao mesmo tempo” a assistir às aulas, contou à Lusa Francisco.
“Temos alturas em que não conseguimos, mais quando está mau tempo. Grande parte dos dias são quebras na transmissão da imagem e do som”, relatou, salientando que há alturas de temporal em que podem chegar a estar dez dias sem sinal de internet ou de televisão.
Depois de ter estado em lista de espera para ter um ponto de ligação ao telefone, a sua luta agora é pelo acesso à fibra ótica, que está a 500 metros da sua casa. “Parou ali”, notou.
“Eventualmente isto vai causar entraves. Estamos todos ligados à internet, estamos todos dependentes do digital, cada vez mais”, criticou Francisco.
O presidente da Câmara de Miranda do Corvo salienta que este é um problema não apenas do seu concelho mas de “boa parte do interior” do país, que “se tem vindo a arrastar há alguns anos e que tem sido mais visível com os efeitos da pandemia.
Naquela autarquia, com o confinamento, as queixas passaram a ser diárias, constatou.
“Se queremos um país sustentável a todos os níveis e na era da transição digital é fundamental este reequilíbrio, caso contrário vamos continuar a assistir a um êxodo rural”, alertou, considerando que uma boa cobertura de internet de qualidade poderá também tornar mais fácil a atração de empresas e pessoas para esses concelhos.
De acordo com a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), a cobertura de redes de serviços de alta velocidade é de 85,8% na região Norte, 83,9% no Centro e 71% no Alentejo e no Algarve, sendo superior a 99% na Área Metropolitana (AM) de Lisboa.
Já no que toca à penetração dessas redes (as famílias que subscrevem serviços de alta velocidade), o Centro (60,5%) e o Alentejo (51%) estão abaixo do resto do território continental, em que apenas na AM de Lisboa é superior a 80% (89,2%).
Anabela Bacalhau, professora do 1.º ciclo em Coimbra, a morar em Meroucinhos, em Miranda do Corvo, sofre por antecipação face aos problemas de cobertura.
“A angústia durante a noite de saber se as coisas vão correr bem ou não [no dia seguinte] já não nos deixa descansar devidamente”, salientou.
O ecrã congela enquanto está a dar aulas, não consegue partilhar vídeos, a chamada vai abaixo e todos os dias tem que avisar os alunos, do 1.º ano, que se a professora “sair da sala já volta”.
“Tentamos que todos tenham as mesmas oportunidades, sei que as famílias fazem todos os esforços para tornar isto mais leve - que isto é pesado -, mas depois há estes constrangimentos que não dependem das famílias, dos agrupamentos, das câmaras”, alertou, sublinhando a necessidade de se garantir o acesso à internet a todas as crianças, eliminando muros que existem devido à fraca cobertura ou a falta de meios financeiros.
Também o seu filho de 18 anos, André Dias, a estudar Biologia na Universidade de Coimbra, tem sentido alguma ansiedade face à fraca qualidade da internet.
“Os meus professores foram muito claros que se fôssemos abaixo, se houvesse alguma interferência, podíamos chumbar [no exame]. Eu estava ansioso e, quando entrego o trabalho, 15 minutos depois a internet realmente falhou. O meu coração quase que explodia”, contou.
A situação de Daniela Ventura, estudante de 20 anos a viver numa localidade da freguesia de Semide, também em Miranda do Corvo, é ainda mais complicada.
A internet é tão fraca que nem sempre consegue assistir às aulas e acaba a pedir aos colegas do curso de Economia para lhe gravarem as aulas, que depois demora dias para descarregar em formato vídeo.
Já quando são exames, desloca-se a casa de familiares, no concelho vizinho da Lousã, para garantir que consegue acompanhar a avaliação sem a possibilidade da internet ir abaixo.
“Não tenho vontade de continuar a viver aqui. Isto força as pessoas a saírem”, comentou.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.
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