Há pelo menos cinco gerações que em São Mamede, no lugar do Meio, freguesia de Areosa, os vizinhos são todos família. A história que a memória de João, de 84 anos, alcança começa com os “Cabritos”, alcunha dos pais da sogra Ibéria que criavam animais. Os oito filhos deram-lhe nove netos, um bisneto, e “mais dois a caminho”.
O acesso ao “paraíso dos Mamedes”, como também é conhecido o sítio da prole de João, faz-se por uma estrada sinuosa, íngreme e “esganada” (estreita). A Rua de São Mamede perde o nome quando circunda a capela do padroeiro para se chamar Rua das Casas, onde moram os filhos. A seguir é a Rua Tia Ibéria, homenagem da comissão de festas à sogra de João Fernandes pela cedência dos terrenos onde está situada a capela e o parque de merendas.
Cerca de sete quilómetros separam aquele lugar na serra da cidade de Viana do Castelo e dali avista-se a veiga e o mar. Encontrar sinal de rede móvel é que é tarefa quase impossível.
“Parece que estamos noutro mundo, verdade?”, questiona, acrescentando: “Tão perto e tão longe do resto do mundo”.
Em redor da capela, além da casa de João e de Palmira, de 77 anos, espalham-se as habitações de quatro dos oito filhos, que vai sinalizando com a bengala de madeira. Tudo reabilitações de casas antigas, explica o idoso, porque em zona protegida não são autorizadas construções de raiz.
Em permanência, a povoação tem cerca de duas dezenas de habitantes. Sete são filhos de João. Dos nove netos, só um vive na terra, com os avôs. Os outros estão fora, a estudar ou trabalhar. Àqueles juntam-se primos e outros familiares.
“Em 1948, quando vim para aqui os moços novos tratavam de fugir porque não tinham trabalho. Hoje, a gente nova continua a fugir daqui. Não veem futuro pela frente”, lamentou, temendo que venha a ser “pior” com as gerações seguintes.
João Fernandes chegou àquelas paragens com 13 anos. Abalou de Arcozelo, em Ponte de Lima, para trabalhar na agricultura, mas o “patrão” trocou-lhe as voltas e quis fazer dele pastor.
“Não gostava de guardar as ovelhas e as vacas no monte. Queria uma vida com futuro”, explicou, contando que a ambição o fez “descer” ao lugar de Povoença, na mesma freguesia, e ali passou a trabalhar no campo.
Em 1959, com 24 anos, o “amor” por Palmira, de 17, determinou o regresso a São Mamede e “já lá vão 60 anos”.
Foi “dos poucos a casar na capela de São Mamede” por ser caro: “Pagava-se muito. Eu ganhava por mês 180 escudos (90 cêntimos) e paguei 300 (1,50 euros) para casar na capela. Imagine só o dinheirão que não era. Ainda tive de pagar o carro de praça ao padre para vir cá acima”, disse, sorrindo.
Hoje tem “casas e propriedades”, património que construiu com a “vida escrava” do campo e mais 24 anos a “montar andaimes” nos estaleiros navais de Viana do Castelo.
“Em 1970 já tinha seis filhos e o dinheiro que tirava da lavoura não chegava. Fui para os estaleiros ganhar 48 escudos por dia (24 cêntimos). Era um dinheirão. Mas nunca larguei a lavoura e os animais”, afirmou.
Daqueles tempos sente “saudades do ambiente de amizade e entreajuda”: “Tínhamos necessidade uns dos outros, tanto na lavoura como para irmos às festas das freguesias vizinhas. Partíamos em grupo, monte fora. Era uma alegria. Cantávamos e dançávamos pelo caminho. Hoje o ambiente não é o que era. Não há entreajuda, cada um faz a sua vida”, explicou.
Sente falta “dessa vizinhança” porque a idade “já pesa e tem de continuar a lavrar as terras e a ter rebanho por causa do filho que não aprendeu profissão”.
Às lides diárias junta-se a “missão” de guarda florestal. “São Mamede” está “sempre de serviço” para “dar o alerta assim que vislumbra fumo suspeito ou malandros” nas redondezas.
Os incêndios preocupam-no “todo o ano” não vá o “inferno de 2005″ voltar a assombrar aquelas paragens: “Foi um susto muito grande. O fogo chegou perto do coberto onde guardo os animais. Foi o cabo dos trabalhos”, desabafou.
Só troca o “silêncio” de São Mamede “uma vez por ano, por uma boa razão”. As festas em honra do padroeiro, também conhecidas por festas do mel por serem iniciadas pelos apicultores da freguesia, atraem “milhares” de romeiros.
Em agosto, a pacatez do lugar é interrompida por três dias de festa, famosa pela gastronomia e onde não faltam tocadores de concertina e cantadores ao desafio.
Por Andrea Cruz (texto) e Arménio Belo (fotos), Lusa
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