Manuel Silva desloca-se no Santuário essencialmente entre dois pontos: a Capelinha das Aparições e o acesso à sacristia, nas traseiras do local. Encostado ao muro, antes do terço das 21h30, vai falando com pessoas que passam. A identificação enquanto voluntário, de colete azul e cartão ao peito, traz dessas coisas.
Há 18 anos que tem essa função. E tudo começou quase por acaso. “Eu vim aqui à reza do terço e convidaram-me para levar o andor. Depois, a partir daí, aconteceu talvez um toque no íntimo da minha pessoa e continuamente, quando vinha a Fátima, comecei a ser cada vez mais reconhecido”, começa por contar com orgulho.
“Umas vezes convidavam-me e outras apresentava-me para ver se era preciso algo, como levar o andor ou levar a cruz, o que aconteceu durante um ano. Depois perguntaram-me se queria fazer parte dos voluntários do Santuário”, recorda.
“Nessa altura, era um sonho tornado realidade, porque, para já, desde tenra idade sou devoto de Nossa Senhora, e ficar em casa a ver televisão ou ir para o café… podia aproveitar o tempo de outra forma”, atira Manuel.
Mas não é só uma questão de passar o tempo. Ser voluntário é mais do que isso — “toda a gente pode ser voluntário, mas nem todos servem para ser voluntário”. E Manuel não tem dúvidas quanto à justificação desta frase.
“Para mim, fazer parte do grupo de voluntários do Santuário é fazer isto por amor — porque só se compreende quando fazemos as coisas por amor. Se não fosse por vontade própria e por amor a Nossa Senhora era impossível eu deslocar-me todos os dias durante oito meses a Fátima, por ano. Começo no domingo de Páscoa e vou até ao fim de novembro. Faço 60 quilómetros por dia, moro em Torres Novas. Não há palavras para descrever o sentimento interior que a pessoa tem de servir Nossa Senhora. E não se pode servir Nossa Senhora sem servir Jesus, porque não se pode separar nem a mãe do filho, nem o filho da mãe”, explica.
Para o seu trabalho voluntário, Manuel sabe falar várias línguas: “francês, inglês, espanhol e um bocado de italiano”. Deram-lhe jeito quando foi responsável pelo acolhimento dos padres, o que o levou a “ficar com amigos em todo o mundo”, que voltam de vez em quando e ainda se lembram de quem os recebeu.
‘É como se fosse Nossa Senhora que me está a pedir e eu venho aqui para rezar e não aceito levar o andor?’
E também dá jeito na atual função que desempenha: dirigir a cruz luminosa que encabeça as procissões de velas e orientar os grupos que levam o andor.
Sobre esta última tarefa tem muito para contar. “Tenho muitas histórias bonitas. Podia nomear muitas. Ainda há pouco tempo fui pedir a um senhor para levar o andor de Nossa Senhora e ele disse-me redondamente que não. Eu agradeci-lhe: ‘obrigado, Nossa Senhora agradece na mesma’ e dirigi-me já a outra pessoa. Mas o senhor reconsiderou e veio ter comigo: ‘então mas é como se fosse Nossa Senhora que me está a pedir e eu venho aqui para rezar e não aceito levar o andor?’. No final, o homem despediu-se de mim em lágrimas, depois de ter levado Nossa Senhora”, começa por recordar. “Tenho visto aqui muitas pessoas que ao princípio parece que são céticas em relação a tudo e depois acabam por ficar chocadas, por ficarem tocadas”.
Os peregrinos que levam o andor podem surgir de duas formas: através de grupos inscritos e convidados na hora. Mas nem sempre é fácil dizer sim. “Alguns têm receio de levar o andor porque pesa à volta de 50 quilos por pessoa. Há quem tenha medo de não conseguir. Mas se há uma pessoa que diz que não, outras querem logo. Às vezes nem temos de procurar, vêm-se oferecer, chegam-se à frente. Às vezes veem estar a falar com uma pessoa, percebem para o que é e apresentam-se também”, diz.
Todavia, não são apenas os crentes que chegam a Fátima. E Manuel tem uma história que o marca particularmente. “Lembro-me também de um italiano que aqui chegou. O guia turístico tinha inscrito quatro homens para levar o andor e um deles veio simplesmente por curiosidade, não tinha nada a ver com religião. Ele levou o andor, mas sem qualquer emoção, sem nada. No final, os colegas tiveram de o amparar, porque ele soluçava de todas as formas. O homem praticamente não se conseguia ter de pé. No fim foi para o hotel e durante a noite não conseguia dormir e quando deu por ele estava aqui no Santuário. Isto contado depois pelos colegas e por ele mesmo”, recorda emocionado.
E se pensarmos que as pessoas que levam o andor nunca mais voltam a ver Manuel, este faz questão de dizer que não é bem assim e conta o que aconteceu com um casal com quem se cruzou, também eles italianos. E, pelo meio, testemunham-se mais milagres.
“Vieram a Fátima desiludidos porque os médicos lhes tinham dito que não podiam ter filhos. Estiveram aqui por alguns dias e convidei o homem para levar o andor, por acaso. E então soube que eles vinham com o pedido de terem filhos, pelo menos um. Passado um ano, apresentaram-se diante de mim, por grande surpresa, com dois filhos: um filho e uma filha. Voltaram para agradecer a Nossa Senhora e vieram apresentar-se diante de mim, para contar o que tinha acontecido”, afirma.
Além dos milagres que vê nos outros, Manuel também tem de olhar para a própria vida. “Para mim, o maior milagre é ser casado há 42 anos. Rezo o terço com a minha esposa, todos os dias, graças a Deus. Fazemos as nossas orações todos os dias, de manhã e à noite. Acho que é este o grande segredo da nossa união”, frisa.
"Eu poderia estar muito bem financeiramente, porque fui emigrante no Canadá, mas uma das razões por que não voltei para lá foi por me ter aproximado aqui de Fátima. Graças a Deus tenho uma família com muita paz, os meus filhos já têm 40, 37 e 33 anos. Se existem famílias felizes e unidas, eu faço parte dessas. Esse tem sido o maior milagre da minha vida e de vir a Fátima. Se não viesse por amor, se não visse que de facto a minha vida se transformava, não valia a pena”, garante Manuel, enquanto vê a esposa, também voluntária, a passar por perto.
Este ano, o serviço de voluntariado tem sido diferente. Recorda principalmente o mês de maio, que foi como nunca tinha visto. “Não é fácil ver aí um mar de gente e um mar de luzes e de repente não há nada, fica tudo vazio. Isto tem um mar de gente desde os primeiros dias e depois vemos um Santuário que acolhe milhões por ano simplesmente sem nada, despido de si mesmo. Não é fácil, mas creio que, pela graça de Deus, as coisas hão de voltar ao que eram”, remata.
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