Diário de quarentena, por Patrícia Reis. Dia 2


Tenho a sensação de que estou atrasada, mas depois percebo que não, tenho o tempo que quiser porque, afinal, não vou sair de casa. Tomo o pequeno-almoço e vejo emails. Há um trabalho que talvez requeira um acompanhamento presencial. Hesito e depois escrevo: se assim for prefiro não fazer o trabalho. Sim, prefiro perder dinheiro.

Uma grande amiga liga-me para saber se está tudo na forma do costume, expressão que a minha bisavó usava amiúde (amiúde também fazia parte do seu vocabulário). Está em casa com duas crianças pequenas e não consegue trabalhar. Tem o computador ligado e exaspera-se com os pedidos de atenção por parte das crianças. “Pior ainda é que o mais velho acha que se o computador está ligado então pode ver desenhos animados. Não sei como lhe explicar que preciso de trabalhar”.

Falamos da escola estar fechada, dos pais viverem no Alentejo. Ela diz-me que já pensou em sair de Lisboa, na verdade até seria bom ir ver os pais, mas tem reuniões por skype e tem papéis que ainda precisa de ir buscar à empresa para a qual trabalha. Não me fala do ordenado, eu tenho receio de perguntar.

Volto aos emails. Não tenho duas crianças pequenas a atrapalhar mas sinto que não estou no ritmo certo. Trabalhar a partir de casa é uma ilusão? Não pode ser. Concentro-me, saio das redes sociais, não quero saber de notícias nas próximas horas. Um amigo liga a propor um almoço, ri-se quando lhe digo que estou em isolamento profilático.

Penso: podes rir à vontade, entre isto e correr riscos, prefiro isto. Não me sinto ridícula por estar em casa, sinto-me segura. Para o enervar, a este meu amigo descontraído, envio-lhe um artigo de um especialista inglês. Com dados concretos, muitos números, curvas e alertas sensatos. Tem duas hipóteses, ou lê ou continua a rir. Até lhe ser possível rir.