A 18 de abril, cerca de 40 pessoas invadiram o quartel dos Bombeiros Voluntários de Monforte, no distrito de Portalegre, exigindo que uma criança fosse socorrida.
Ao SAPO24, Gonçalo Lagem, presidente da Câmara Municipal, explica que "um grupo de cidadãos de etnia cigana, com uma criança que supostamente teria perdido os sentidos, em vez de acionar o 112, como seria normal, decidiu ir para o quartel dos bombeiros pedir socorro".
Contudo, as instalações dos bombeiros daquela vila alentejana, como de tantos outros locais pelo país, estão de portas encerradas devido à pandemia da covid-19, por questões de segurança. Além disso, antes de prestarem qualquer tipo de socorro, os bombeiros têm de se preparar com equipamento de proteção individual, o que demora mais algum tempo do que o habitual. "As medidas implementadas no quartel dos bombeiros são transversais a qualquer população, o atendimento está apertado, tem de ser através do 112, convém sempre que seja", precisou.
Encontrando as portas do quartel fechadas e devido à "procura desesperada de socorro para a criança", o grupo decidiu "fazer pressão", conta o presidente da Câmara. "Bateram às portas, deram murros e pontapés. Alarmaram o corpo de bombeiros que lá estava, que está a trabalhar em espelho: trabalha semanalmente uma equipa e trocam na outra semana. Inclusive havia lá duas raparigas que ficaram em pânico, bloquearam completamente. Ficaram todos super assustados. Houve essa pressão, esta forma de atuação, de intimidar e de querer a todo o custo que abrissem", relembra.
Apesar do sucedido, o autarca garante que nunca esteve em causa o socorro à criança, que apresenta "problemas congénitos", sendo "normal" a mesma ser socorrida pelos bombeiros.
A Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) reagiu à invasão. De acordo com uma nota divulgada a 21 de abril, o presidente da LBP, Jaime Marta Soares, enviou uma carta ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual considera como "uma atitude intolerável e abusiva" a invasão ao quartel daquela corporação do distrito de Portalegre, que fez "uso da força e da intimidação".
Na missiva enviada ao chefe de Estado, o presidente da LBP refere que o grupo de pessoas "entrou de forma intempestiva e brutal" nas instalações da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Monforte.
"Lamentavelmente, os ataques a quartéis de bombeiros e a bombeiros voltaram a acontecer e desta vez em Monforte, a propósito do transporte de um doente em plena crise da pandemia covid-19", refere Jaime Marta Soares na carta, lembrando que "os bombeiros, como é amplamente reconhecido, nunca olharam a cor, credo religioso, partido político, ou qualquer etnia para transporte de doentes urgentes ou não urgentes que deles necessitam". Jaime Marta Soares realçou ainda que "atos desta relevância, levados a efeito contra os bombeiros por grupos organizados de origem devidamente identificada, têm-se repetido em diversos locais".
Os problemas não são de hoje, mas a invasão ao quartel foi decisiva para Monforte avançar com o reforço da segurança na vila alentejana, estando a ser estudada a introdução de um sistema de videovigilância.
"O problema é muito mais profundo"
Não foi a primeira situação do género em Monforte. "Já tinham ocorrido outros episódios no Natal passado e no verão, durante a festa, também houve aqui episódios de violência. Houve também agressões a um GNR e a um proprietário de um bar, de um restaurante", frisou Gonçalo Lagem. "O problema é muito mais profundo do que a invasão do quartel dos bombeiros, que foi apenas o mote para tomarmos providências mais profundas e com maior eficácia", garante.
Querendo diminuir este tipo de ocorrências, o município entrou em contacto com o Ministério da Administração Interna [MAI], acreditando que "o problema só se resolve se houver diretrizes corajosas de cima para baixo".
"Tivemos de tomar medidas, solicitámos uma reunião ao secretário da Administração Interna e, na sequência dessa reunião de ontem [28 de abril], conseguimos a autorização especial para a captação de imagens exteriores. Essas imagens são provas factuais e podem ser utilizadas em tribunal, são válidas e autorizadas", explica o presidente da Câmara Municipal.
Em comunicado divulgado, o MAI explica que foi feita uma "avaliação da situação" de segurança em Monforte, tendo ambas as partes "assumido o compromisso de aprofundamento de uma metodologia de trabalho integrada", que conduza a uma "intervenção alargada" ao nível da segurança e da inclusão social no concelho.
Desta forma, será celebrado um contrato local de segurança, entre o MAI e a autarquia, e que envolverá várias entidades com competências na área da segurança, habitação, segurança social e mediação, bem como representantes das instituições e da comunidade locais.
Os contratos locais de segurança são, segundo o Governo, "um instrumento privilegiado para colocar em prática a cooperação institucional à escala local entre administração central, autarquias e parceiros locais, em interação com a comunidade, com vista à redução de vulnerabilidades sociais, prevenção da delinquência juvenil e eliminação dos fatores criminógenos que contribuem para as taxas de criminalidade identificadas nas áreas de intervenção".
Além disso, ambas as partes acordaram também a preparação e instalação de um sistema de videovigilância na localidade, num processo a ser instruído pela GNR e que contará com o apoio da Câmara Municipal.
Manter a segurança, sem discriminações
"É mais um esforço que vamos fazer tendo em vista a integração harmoniosa da etnia cigana na sociedade, porque não lhes desejamos mal", justifica Gonçalo Lagem. "O esforço empenhado nos últimos anos e os recursos que estão afetos ao trabalho diário com as famílias de etnia cigana têm sido manifestamente infrutíferos e é essa a realidade que temos de mudar".
"A sociedade está saturada de contribuir através do seu esforço, do empenho de recursos humanos, de recursos financeiros, de apoios sociais de diversa ordem e os resultados não estão a ser os esperados. Portanto, é mais uma tentativa de conseguimos melhores condições. O contrato local de segurança que conseguimos não fala só de segurança — tem a participação de diversas entidades na implementação das diferentes medidas ao nível da habitação, da educação, da segurança social, de apoios sociais, da segurança. É mais uma tentativa de ver se conseguimos dar a volta à questão", acrescentou.
"A nossa justiça não tem estado a penalizar em conformidade com aquilo que são os comportamentos errantes e desviantes e se todas estas entidades cumprirem com as suas obrigações de certeza que vamos chegar a bom porto", sinaliza.
Todavia, o presidente mostra-se preocupado com o facto de os episódios estarem relacionados a um grupo étnico com alguma relevância na região — existem cerca de 300 pessoas de etnia cigana no concelho e, só em Monforte, estão cerca de 190 —, não querendo que as medidas sejam vistas como discriminação.
"É um assunto delicado, temos de estar a escolher as palavras para poder prestar declarações. O que é certo é que o sentimento generalizado das pessoas e do esforço que fazem todos os dias tem de ser refletido no comportamento daquelas que ainda continuam a ter carências. E eu reconheço que [as pessoas de etnia cigana] ainda continuam a ter carências, o que é certo é que há 30 ou 40 anos para cá tem vindo a ser feito um esforço consecutivo para suprimir essas carências e não tem havido do outro lado um reconhecimento disso", diz.
"Cabe-me, como presidente da Câmara, promover a harmonia, sem conflito e sem questões de discriminação, para não se gerarem movimentos radicalistas e às vezes até violentos de parte a parte. É preciso promover a paz e a diplomacia, promover boas relações interpessoais entre todos, para que não aconteça algo de mais grave", afirma Gongalo Lagem.
Quanto a datas, o presidente da Câmara garante que durante a próxima semana começam já as reuniões para dar seguimento ao processo, juntamente com a GNR e com a Administração Interna.
"O secretário de estado da Administração, Dr. Antero Luís, ficou consciente de que estas medidas têm de ter aplicação imediata. Eu fiquei muito agradado com a disponibilidade e com a prontidão demonstrada".
Desta forma, o sistema de videovigilância será instalado na freguesia de Monforte, em locais estratégicos. "Competirá à própria GNR, mediante os lugares mais problemáticos e onde a recolha de imagens possa ser mais útil, decidir qual será essa estratégia, com a contribuição do município. As câmaras ficarão, por exemplo, no centro histórico. Convém também acautelar património histórico, arquitetónico e cultural, que é alvo de vandalização constante. Tudo o que é património público compete a todos preservar e conservar, este património tem de estar defendido", diz.
Gonçalo Lagem refere ainda que "as câmaras de videovigilância têm um poder dissuasor que pode ser frutífero e são uma mais-valia para evitar comportamentos errantes e prevaricações e também dão algum conforto ao comércio local".
"Há cerca de 15 ou 20 anos para cá, os estabelecimentos comerciais estão a encerrar portas às seis ou sete da tarde, com medo de distúrbios, com medo de agressões. Para evitarem problemas encerram as portas e isto não pode acontecer. As pessoas dependem do seu negócio e da prosperidade da sua atividade para colocarem comida em cima da mesa para os filhos. Isto não pode acontecer em Monforte. Ninguém está a prestar um bom serviço se isto é uma realidade. Vamos fazer mais um esforço, vamos despender e concentrar todas as nossas energias para que consigamos fazer algo e mudar esta realidade", reflete. "Os casos são graves. Cada vez que é posta em causa a integridade e a segurança dos cidadãos do concelho de Monforte tudo é grave".
Sobre a atuação da GNR, o presidente da Câmara diz que, "apesar de reconhecer o esforço, a dedicação, o empenho dos militares, o que acontece é que perante uma atuação rápida e eficaz da GNR, as coisas depois a nível da justiça não têm consequência, ou seja, há uma impunidade e até algum receio às vezes por parte da autoridade em exercer determinadas ações".
Quanto à reação da população à nova medida de videovigilância e à sua eficácia, Gonçalo Lagem refere que "as pessoas estão ainda muito renitentes relativamente a esta problemática, porque há uma proteção desmedida [para a etnia cigana] que não existe para o cidadão comum. As pessoas estão muito céticas. Ainda assim, é mais um passo. Foi mais uma história, é mais uma conquista".
"A maior parte das pessoas comporta-se como cidadãos cumpridores, honrados e trabalhadores, portanto penso que não trará qualquer tipo de conflito estarem a ser filmados, tipo Big Brother ou assim. Nada disso. As pessoas assumem que é para seu próprio bem, para a sua segurança, conforto e bem-estar", diz.
"Não podemos mais viver nesta incerteza, nesta insegurança, neste medo, neste receio", remata.
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