“É especial, porque nunca tinha conhecido e já que a Marinha proporciona eu tinha que aproveitar, porque não sei quando venho outra vez”, começa por contar à Lusa o 1.º marinheiro Vando Duarte, 31 anos, português e filho de pais cabo-verdianos.

A família é das ilhas de Santo Antão, São Vicente e São Nicolau. Para Vando Duarte esta é a primeira vez na cidade da Praia e a segunda na terra dos pais, depois de há quatro anos ter visitado São Vicente.

O navio-escola Sagres atracou na cidade da Praia cerca das 08:30 locais (07:30 em Lisboa), quase uma hora antes do previsto, já com a bandeira de Cabo Verde içada, por entre as 10 velas redondas e 13 latinas, entretanto recolhidas.

“Faltam 18 bandeiras”, começa por brincar o comandante do navio-escola Sagres, António Maurício Camilo, em declarações à Lusa.

Ao todo serão içadas 20 bandeiras - além da portuguesa -, nos 23 portos em que o Sagres vai fazer escala, em 371 dias, numa viagem que se insere nas celebrações do quinto centenário da circum-navegação de Fernão de Magalhães, com passagem pelo Japão, para servir de casa de Portugal nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em julho.

“É uma viagem longa e, portanto, vai exigir muito às pessoas que estão embarcadas e ao próprio, navio, ao material. Nesse aspeto será um desafio permanente desde o primeiro ao último dia”, admite o comandante, enquanto prepara o navio.

créditos: FERNANDO DE PINA/LUSA

Até à partida, na quarta-feira, o Sagres vai estar aberto a visitas e às autoridades cabo-verdianas. A bordo do navio, Vando Duarte, ao serviço da Marinha portuguesa desde 2007, desempenha as funções de eletricista, numa equipa de mais cinco marinheiros.

“Tirando a família, que é o que custa mais, é o conhecimento que esta volta vai propiciar, conhecer sítios que eu não pensava em ir”, conta, sobre os desafios que ainda tem pela frente.

Quando regressar a Almada, previsivelmente em 10 de janeiro de 2021, a filha de Vando completará quatro dias depois dois anos de vida. Será o primeiro aniversário com o pai: “É o mais difícil”, admite.

A bordo encontram-se 142 elementos de guarnição, bem como 50 instruendos da Aporvela – Associação Portuguesa do Treino de Vela e dois investigadores do projeto SAIL, numa viagem que se insere nas celebrações do quinto centenário da circum-navegação de Fernão de Magalhães.

“Principalmente é dar-nos todos bem. Depois, tentamos sempre arranjar alguma coisa para fazer”, conta.

Nove dias depois de deixar Tenerife, o veleiro chegou hoje à capital cabo-verdiana praticamente sem usar os motores.

“Nesse aspeto foi excelente porque o vento estava, não só na boa direção, também com alguma intensidade e, portanto, permitiu que viéssemos quase sempre à vela de Tenerife até aqui à Praia. Daqui para a frente vai haver alturas em que vamos ter de andar muito mais a motor e há outras tiradas que são claramente favoráveis a que sejam feitas, em grande parte, à vela”, explicou António Maurício Camilo.

Entre a carga do navio-escola, há seis pipas que fazem a diferença. São vinhos generosos produzidos em Portugal, desde o moscatel de Setúbal aos de Oeiras e do Porto, e que também vão fazer a circum-navegação.

“Não é uma experiência inédita. Fazemos isso desde o ano 2000 e o que tentamos replicar é o chamado vinho ‘torna viagem’”, explica o comandante.

“Foi algo que se descobriu um bocado por acaso, quando se percebeu que o vinho que fazia a viagem não era consumido e depois regressava com características diferentes. Nomeadamente ficava muito melhor, ganhava qualidades”, acrescentou António Maurício Camilo.

No final da viagem, em janeiro de 2021, esta volta ao mundo dará origem, também, a um vinho especial.

“Vamos ver, daqui a um ano, quando regressarmos a Lisboa e as pipas forem abertas, se realmente se confirma mais uma vez que o vinho fica melhor”, contou.

A bordo do navio-escola seguem ainda 12 conjuntos de instrumentos, uma oferta do Exército português para a banda de música da Forças Armadas de Cabo Verde, além de 150 livros e vários conjuntos desportivos, a descarregar na Praia ao longo dos próximos dias.

“É uma forma de a Sagres levar algo aos portos que visita”, assume o comandante do histórico veleiro, construído em 1937 na Alemanha e ao serviço da Marinha portuguesa desde 08 de fevereiro de 1962.

Além do luso-cabo-verdiano Vando Duarte, o navio-escola conta na sua guarnição com marinheiros portugueses de outras ascendências, como de países de leste, sul-americanos ou outros países de língua portuguesa. Somando aos marinheiros de outras nacionalidades que serão embarcados durante a viagem, António Maurício aponta para mais de 20 nacionalidades a passar pelo navio, nesta circum-navegação.

“Um bocadinho à semelhança do que foi a armada de Magalhães, que tinha 12 nacionalidades diferentes à partida de Espanha”, rematou.

O navio-escola Sagres parte da Praia no dia 22 de janeiro, cruzando o Atlântico até chegar ao Brasil. É esperado no dia 10 de fevereiro no Rio de Janeiro.