Diário de quarentena por Patrícia Reis. Dia 14


Último dia de diário aqui no SAPO24. Irá fazer-me falta a escrita? Sem dúvida, mas alguém virá cumprir este registo dos dias mais estranhos deste milénio.

Nunca a solidão foi tão grande, nunca estivemos tão próximos artificialmente, graças à tecnologia. E nunca fomos tão iguais, homens, mulheres, crianças, de qualquer credo, de qualquer etnia. Com conta bancária de um dígito (sim, há pessoas que têm dois, cinco, sete euros) ou com conta bancária razoável ou mesmo milionária, o dinheiro não nos salvará. Podem argumentar que com dinheiro os cuidados médicos podem ser outros. De acordo. Mas o vírus quando se instala está-se manifestamente nas tintas para quem somos, o que lemos, fazemos, como gostamos de ter sexo, qual a nossa comida preferida, que banda de rock gostamos, como educamos os nossos filhos, todas as asneiras que fizemos, todas as bondades que conseguimos ter para com os outros. O vírus está-se nas tintas e isso faz com que sejamos todos iguais.

Há uma certa beleza nisso e nessa condição, com um sentido do humano, compilamos gestos de solidariedade. Somos porventura melhores. Os que são. Depois há os outros, mas esses já eram maus antes de tudo isto.

Os dias que vivemos mostram-nos como são importantes o afecto, a partilha, as relações. Partilhar música, peças de teatro, escrever folhetins, jogar com a família e voltar às cartas, dar graças por não estarmos sozinhos, eis a lição destes 14 dias. Oiço nas notícias e leio que a maior crise ainda está para chegar. Portugal soma mais de 40 mortos. Amanhã vou ter de ir à rua, fazer análises, não há outra razão para ir, apenas esta: médica. Confesso que receio sair da bolha. E receio que a bolha se estenda no tempo e que demoremos muito tempo, demasiado tempo, a repor uma certa normalidade.

Amanhã será o meu 15º dia de reclusão. Não posso mentir: estou bem. Espero que vocês também.