Lia-se na capa do jornal I de quinta-feira: “Elefante Branco tem autorização do tribunal para estar aberto até às 4 da manhã". O tema faria correr tinta nos dias seguintes, naturalmente pelo contraste com os horários que, desde que começou o período de desconfinamento, não permitem, no caso da restauração, que nenhum estabelecimento receba novos clientes a partir da meia-noite e que obrigam ao encerramento até à uma da manhã.
Aberto desde o dia 28 de maio, o Elefante Branco, à semelhança de outros estabelecimentos, voltou a abrir portas fazendo uso de um dos CAE (Código de Atividade Económica) que detém, o de restaurante, para além do de night club, e mediante uma série de adaptações no espaço que a gerência especificou ao SAPO24. “Procedemos à anulação da pista, tínhamos 198 lugares, neste momento temos 90, todas as mesas têm distanciamento de dois metros, os clientes para entrarem têm de ter máscara colocada e é-lhes medida a temperatura. Só podem tirar a máscara depois de estarem sentados. Quando vão e vêm da casa de banho têm de ter máscara também", explica Luís Torres, proprietário do estabelecimento, acerca das mudanças efetuadas e provocadas pelos novos tempos.
Segundo o gerente, a história do Elefante Branco, que nos últimos dois dias tem sido tema na imprensa, está mal contada. O estabelecimento noturno nunca esteve e não está equiparado a café e pastelaria e desde que reabriu nunca esteve cingido a esse horário. Mas a luta, afirma Luís Torres, não é só por eles, engloba todos os estabelecimentos.
“O Elefante não está a trabalhar como night club. Algumas casas têm trocado o CAE para poderem sair da zona de discoteca ou de bar e passarem a restaurante, mas o Elefante já tem uma cozinha que tomara muitos restaurantes terem. O Elefante é conhecido pelo bom bife que faz e há trinta anos que faz bifes”, sublinha.
Na ementa do restaurante o bife sobressai, é o único prato presente na secção das carnes. Pode vir grelhado, à portuguesa ou à casa, com natas trufadas e cogumelos. Já pastéis de nata, nem vê-los. Nos ‘snacks’, só há tostas, prego, pica-pau e gambas.
A providência cautelar tem um motivo maior do que lutar contra a limitação horária causada pela equiparação das antigas discotecas ou bares que passaram a operar como cafés ou pastelarias - até porque, conforme explica o gerente, não é essa a situação do Elefante Branco. O que a gerência do espaço questiona é a razão pela qual o estabelecimento - e outros que seguiram a mesma via - tendo licença de restauração e tendo a possibilidade de estar aberto até às 4 da manhã por também ter CAE de bar e discoteca, é obrigado a mandar os clientes embora a partir da uma da manhã (prevalecendo a regra aprovada para o atual período de pandemia aos estabelecimentos que são apenas restaurantes).
“Se nós mantemos o distanciamento até à uma da manhã, considero que, pela boa saúde mental da população que tem necessidade de ter alguma forma de escape, um cliente [deve] poder vir a um restaurante como o nosso, ou outros, e usufruir do licenciamento que têm. Nós temos uma licença até às quatro da manhã, as marisqueiras até às duas, o caso do Galeto, por exemplo, até às três. Porque é que a marisqueira, que tem a licença até às duas horas, há de meter os clientes à uma hora na rua, se garante o cumprimento das regras? Não é por uma hora que o vírus fica mais grave, não se alteram os pressupostos e por isso devia ser possível cumprir os horários. Foi nessa situação que nós interpusemos a providência cautelar”, explica Luís.
O que aconteceu a seguir? O tribunal administrativo e fiscal de Lisboa admitiu a providência cautelar contra a decisão do Governo, passando o Elefante Branco a poder funcionar até às 04h00. Segundo o proprietário do estabelecimento, a juíza aceitou a providência cautelar, deu 10 dias ao Conselho de Ministros para se pronunciar, o que não aconteceu e desencadeou a suspensão da medida de limitação de horários. “É óbvio que depois o senhor primeiro-ministro foi a correr para fazer uma declaração de saúde pública", diz. O que sabemos é que 24 horas depois, o Conselho de Ministros aprovou uma medida que suspende a providência.
"Se fosse uma lei da Assembleia da República, nós teríamos que aceitá-la, agora isto é uma resolução do Conselho de Ministros, vale o que vale. Aqueles senhores estão lá hoje, amanhã podem não estar e há quem defenda outras teses”, protesta.
Luís garante que se for preciso, fecha o estabelecimento durante 24 horas, mas em troca pede que o Estado cumpra com as suas funções pagando, por exemplo, dois meses de lay-off que este diz estarem atraso.
Esta sexta-feira, o Elefante Branco vai funcionar no seu horário normal, fechando à meia-noite a porta e permitindo que os clientes fiquem dentro do espaço até à uma da manhã. Nas 24 horas em que podia estar aberto até às quatro, o estabelecimento fechou a porta a novos clientes à uma da manhã e a caixa pouco para lá das duas.
“O facto de nós querermos ter os clientes cá dentro até às quatro tem a ver um pouco com o tipo de clientes que cá temos. Eu não quero que as pessoas venham para aqui para se embebedar, quero que as pessoas venham jantar, ouvir música, conversar uns com os outros... até tenho alguém a tocar saxofone. De certa forma, o Elefante é uma válvula de escape para outros problemas sociais do país”, diz aludindo às consequências do confinamento na saúde mental e nas relações. "Se não morrem da doença, morrem da cura e estamos a caminhar a passos largos para uns quantos morrerem da cura".
O proprietário diz ainda que é defensor da reabertura das discotecas e bares, não nos modelos a que sempre estivemos habituados, mas com lugares sentados, lotação e distanciamento controlados. “Não é para dançar”, diz, mas pelo bem da saúde, para evitar, por exemplo, que os mais jovens vão “ao supermercado a um quarto para as oito comprar duas grades de cerveja, seis garrafas de gin” e depois vão partilhar estas bebidas num espaço onde não há rigor na higiene e não são garantidas medidas de prevenção.
Sobre a providência cautelar, resta aguardar. Qualquer que seja a primeira decisão da justiça, Luís antecipa um recurso. Mantém a sua ideia fixa. Não vê diferença entre fechar o estabelecimento à uma, duas ou três horas da manhã. Diz que não percebe porque é que os estádios não estão a receber público e o primeiro-ministro vai a concertos. “É esta dualidade de critérios que faz confusão às pessoas”, sublinha. E é contra a dualidade que promete voltar à carga com uma associação que promete fundar caso não se veja luz ao fundo do túnel sobre o tema.
Comentários