À medida que os votos são contados, Joe Biden parece ter um pé dentro da Casa Branca - o que quer dizer que Donald Trump tem um pé do lado de fora da residência oficial do presidente dos Estados Unidos. E foi mesmo a partir da Casa Branca que Donald Trump se dirigiu aos norte-americanos na noite desta quinta-feira (já madrugada em Portugal) para falar dos resultados das presidenciais.

Ao falar, sem provas, de manipulação no escrutínio da eleição, dizendo por exemplo que os oficiais das eleições na Pensilvânia e Detroit tentaram banir os observadores dos locais de contagem de votos, três canais de televisão - ABC, CBS e MSNBC - interromperam a transmissão do discurso cerca de meio minuto depois de começar.

"O que o Presidente dos Estados Unidos está a dizer não é, em grande parte, verdade. E não vamos permitir que continue", disse o pivô da CNBC Shepard Smith (que pertence ao mesmo grupo da NBC), que contextualizou, de seguida, todos os pontos do discurso.

A CNN e a PBS não interromperam a transmissão, mas desmontaram o discurso a partir dos oráculos.

O The Guardian compilou as acusações de Trump e apresentou os factos, que espelham a verdade.

As provas que Trump disse ter

"Estamos a ouvir histórias que são histórias de terror... Acreditamos que vai haver muita contestação judicial porque temos muitas provas", disse Trump.

O presidente dos EUA disse ter provas quando aponta o dedo aos problemas no sistema de voto e de contagem, mas não apresentou nenhuma que justificasse, nem descreveu que tipo de problema encontrou nestes sistemas. O The Guardian refere que, na verdade, o processo de contagem dos votos tem ocorrido, na sua maioria, sem problemas em todo o país.

Uma das principais queixas de Trump é de que a contagem dos votos está a estender-se para lá do dia oficial de eleições. O jornal desmonta esta afirmação: nenhuma eleição presidencial teve, até hoje, todos os votos contados no mesmo dia, e não há lei que obrigue a que assim seja. O que se tem verificado é um processo mais lento que o normal, já que, devido à situação pandémica, o número de boletins enviados por correio aumentou.

Para além disso, não só vários estados tiveram de se ajustar para um envio sem precedentes de votos por correspondência, como alguns autorizam a contagem dos votos enviados no mesmo dia das eleições, mesmo que cheguem três dias depois (Pensilvânia) ou com até nove dias de atraso (Carolina do Norte), o que motivou o atual arrastar das contagens.

Votos legais vs. votos ilegais 

"Se contarem os votos legais, ganho facilmente. Se contarem os votos ilegais, eles podem tentar roubar-nos a eleição", disse Donald Trump.

A publicação britânica escreve que esta afirmação não tem qualquer fundamento, já que nem os funcionários de campanha de Trump nem os oficiais das eleições identificaram um número substancial de votos "ilegais" — muito menos em número suficiente para arruinar uma vitória de Trump.

Donald Trump tem-se referido aos votos por correspondência como "ilegais", mas esta modalidade de voto foi posta em prática de acordo com as regras de cada estado e, nalguns casos, essas regras foram adaptadas pelos oficiais para que os eleitores conseguissem votar em contexto de pandemia de Covid-19.

Estados-chave

"Estamos a ganhar todos os lugares-chave, por bastante até", disse, ainda sobre a legalidade da votação, queixando-se sobre ações que enfraquecem a sua liderança em "corridas" importantes, em certos estados.

As reviravoltas na liderança de determinados estados é explicada não por movimentos ilegais ou desonestos, mas sim pela maneira como a contagem de votos é feita em cada estado.

Trump começou a contagem dos votos em vantagem nos estados da Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Geórgia — e agora vê a sua liderança perder folgo. Tal justifica-se porque os votos por correspondência costumam ser os últimos a ser contados e sabe-se que essa porção de votos tendem a ser a favor do candidato democrata, Biden. Ao serem contados em último lugar, há espaço, matematicamente, para uma reviravolta.

Pensilvânia

"Na Pensilvânia, os democratas permitiram que os boletins de voto fossem recebidos três dias após a eleição", disse, acrescentando que a permissão vai para além desses três dias e que "eles [os oficiais] estão a contar os [boletins] sem carimbo do correio ou qualquer identificação".

O The Guardian vai aos factos e explica que o Supremo Tribunal ordenou que os boletins preenchidos antes do final do dia das eleições, dia 3 de novembro, pudessem ser recebidos até três dias depois e, em seguida, contados. No entanto, o Supremo pode rever este assunto mais tarde. E, claro, vários outros estados para além da Pensilvânia permitiram que os eleitores exercessem o seu poder de voto através da correspondência.

Observadores impedidos 

"Os democratas da Pensilvânia foram ao Supremo Tribunal para tentar banir os nossos [republicanos] observadores... Eles não querem ninguém lá [nos locais de contagem]. Não querem que ninguém os observe enquanto estão a contar os votos", afirmou Trump.

A publicação britânica escreve que ninguém tentou proibir os observadores (que representam democratas e republicanos) e que os democratas não tentaram impedir que os representantes republicanos pudessem observar o processo de contagem de votos. O assunto, escreve o The Guardian, focava-se em quão perto os representantes dos partidos podiam estar dos funcionários que processam os votos. A campanha de Trump já tinha ganhado, em Tribunal, a possibilidade de os seus observadores estarem ainda mais perto. Segundo a CNBC, a distância era de cerca de 3,5 metros (12 feet) e passou a ser para metade, ou seja, já poderiam estar a 1,8 metros (6 feet), ou seja, não só não foram banidos como têm permissão para observar de mais perto.

"Foi negado à nossa campanha o acesso para observar a contagem em Detroit", disse, ainda em relação à contagem de votos - desta vez no estado do Michigan.

Os votos por correio foram contados num centro de convenções na baixa da cidade, onde 134 quadros foram montados. A funcionária judicial da cidade, Janice Winfrey, disse ao The Guardian que cada partido tem direito a um observador por quadro. Disse ainda que não recaiu sob a sua atenção observadores republicanos serem removidos do local, mas referiu que alguns foram "muito agressivos, a tentar intimidar os funcionários" que processam os votos. Já Mark Brewer, ex-presidente do partido democrático no Michigan, disse que o acesso foi controlado no local e algumas pessoas de ambos os partidos não puderam entrar, devido a restrições motivadas pela Covid-19.

Geórgia

“O sistema eleitoral na Geórgia é dirigido por democratas”, afirmou, numa altura em que a Geórgia é um estado muito importante nas contas (e onde Biden lidera, segundo a CNN, desde a manhã desta sexta-feira).

As eleições neste estado são, na verdade, supervisionadas por um republicano: o Secretário de Estado, Brad Raffensperger.

"O tribunal federal [United States Court of Appeals for the Eleventh Circuit] decidiu que na Geórgia os votos deviam chegar até ao dia das eleições. E não chegaram. Votos estão a chegar depois do dia de eleições".

Apesar de este tribunal de recurso com jurisdição no estado da Geórgia ter decidido que os votos tinham de estar entregues até às 19h00 do dia de eleições (3 de novembro) para serem contados, foi feita uma exceção para os boletins dos militares americanos que se encontrassem no estrangeiro — e que podiam ser recebidos até às 17h00 desta sexta-feira e ainda assim serem contados. Desta forma, os votos na Geórgia ainda estão a ser contados.

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