Brian Warner, de nome artístico Marilyn Manson, estreou-se em disco em 1994, com “Portrait of an American Family”, ao qual se seguiu “Antichrist Superstar”, álbum que vendeu mais de sete milhões de cópias.

O nome escolhido, um mix de Marilyn Monroe e Charles Manson, carrega em si o dualismo da cultura norte-americana. Ou pelo menos assim acredita o músico de 52 anos, que já atuou várias vezes em Portugal, a última das quais em junho de 2018 no Campo Pequeno, em Lisboa, para apresentar ao vivo o seu 10º. disco, “Heaven Upside Down” (depois deste já foi editado "We Are Chaos", em 2020).

No entanto, a carreira do artista que talvez muitos conheçam apenas pelas versões de "Personal Jesus" (Depeche Mode) ou de "Sweet Dreams" (Eurythmics), poderia não ter sequer chegado ao novo milénio.

O calendário marcava o dia 20 de abril, de 1999, quando em Littleton, no estado do Colorado, dois estudantes, Eric Harris e Dylan Klebold, abriram fogo no liceu de Columbine e mataram doze estudantes e um professor. O trágico evento viria a ensombrar a carreira de Marilyn Manson depois de a imprensa ter escrito que os dois jovens, que se suicidaram na sequência do massacre, eram fãs do músico — e não eram.

As letras e a estética teriam inspirado aqueles atos? A sociedade, ainda sem redes sociais, acabaria por 'culpar' Manson como autor moral do massacre e a dúvida ficou. Sobretudo para muitos pais, que temiam que os seus filhos seguissem pelos mesmos caminhos ao ouvir temas como "Irresponsible Hate Anthem" ou "Tourniquet".

Em 2017, numa bizarra entrevista ao jornal britânico The Guardian [bizarra porque o jornalista, a quem apalpou os testículos, foi surpreendido por Manson com uma arma falsa], o músico revelou que a associação da sua música e do seu nome ao massacre de Columbine lhe destruiu a sua carreira.

"Se [os autores do massacre] tivessem comprado os meus discos, tinha-lhes corrido melhor. Algumas pessoas culparam-me pelos tiroteios nas escolas. Acho que os meus números de vendas são baixos, espero que com este disco ["Heaven Upside Down"] subam. Isto vai ser uma ótima citação para vocês. Mas, sinceramente, a era de Columbine destruiu a minha carreira por completo, naquela altura", disse a Alexis Petridis.

Quase 22 anos passados desde Columbine e quatro desde esta entrevista, certo é que a carreira de Manson não terminou. Isso não será tão certo, no entanto, depois das acusações tornadas públicas na passada segunda-feira.

Os abusos

Há vários anos que recaem sobre Marilyn Manson suspeitas de abuso sexual. Em 2018, a atriz Evan Rachel Wood, que integrou, entre outros, o elenco da série “Westworld”, contou, durante uma audiência perante o Comité de Assuntos Judiciais da Câmara dos Representantes, que tinha sido vítima de abusos físicos e psicológicos e também que tinha sido violada várias vezes. Sem, no entanto, revelar a identidade do agressor.

O nome foi revelado esta segunda-feira numa publicação na sua rede social Instagram: “Brian Warner, também conhecido pelo mundo como Marilyn Manson”.

A atriz contou que o músico a começou “a aliciar” quando era ainda adolescente e “abusou horrivelmente” dela “durante anos”. Rachel Wood teve um relacionamento com Marilyn Manson que acabou em 2010, já com um noivado anunciado.

Também através de publicações partilhadas na segunda-feira no Instagram, outras quatro mulheres acusaram o artista norte-americano de abusos sexuais, manipulação, assédio sexual, maus-tratos e ameaças. Algumas das mulheres que dizem que foram violadas pelo artista revelaram que eram antigas 'groupies', e retrataram uma personagem sedutora, manipuladora, que as amarrava, ameaçava e obrigava ao consumo de drogas.

Manson reagiu dias depois, pela mesma via. “Obviamente, a minha arte e a minha vida têm sido ímanes para a controvérsia, mas estas alegações recentes sobre mim são distorções horríveis da realidade”, lê-se numa publicação do artista no Instagram. Na mensagem o cantor garante que os seus “relacionamentos íntimos foram sempre inteiramente consensuais, com parceiros com pensamento semelhante”. “Não obstante como – e porquê – outros estão agora a escolher deturpar o passado, essa é a verdade”, defendeu. 

créditos: EPA/FACUNDO ARRIZABALAGA

Todos sabiam?

Uma senadora do estado da Califórnia, Susan Rubio, já pediu que Marilyn Manson seja investigado pelo FBI. O músico já foi, entretanto, despedido da sua editora discográfica (a Loma Vista), da agência que o representava (a CAA, a mesma de Cristiano Ronaldo ou Beyoncé), e será apagado de duas séries televisivas em que participara recentemente ("American Gods", onde desempenhava o papel de vocalista de uma banda de death metal chamada Blood Death, e "Creepshow", uma série de terror).

"Tudo o que disseram é verdade", já veio dizer Wes Borland numa entrevista ao podcast "Space Zebra". O guitarrista, que fez parte da banda de Marilyn Manson entre 2008 e 2009, garante que todas as acusações contra Manson são verdadeiras e conta o que testemunhou nos nove meses em que conviveu de perto com o artista.

Também Trent Reznor emitiu um comunicado onde volta a abordar um trecho da autobiografia de Manson, em que o artista conta como ele próprio e Reznor abusaram física e sexualmente de uma mulher embriagada nos anos 90. "Ao longo dos anos, fui bem explícito em relação à minha aversão por Manson enquanto pessoa. Cortei laços com ele há 25 anos", escreve Reznor. "Tal como disse então, essa citação da biografia dele é uma mentira total. Senti-me enfurecido e ofendido quando saiu, e assim me mantenho hoje", acrescentou.

O vocalista dos Nine Inch Nails e principal responsável pela ascensão da carreira de Marilyn Manson, tendo-o contratato para a sua editora, a Nothing Records, e produzido o álbum "Portrait of an American Family", diz que Manson tornou-se "um palhaço triste".

As reações são desta semana, mas as acusações não.

A Pitchfork, publicação especializada em música, fez um levantamento de alguns momentos em que Marilyn Manson, na sua vida pessoal, já manifestava uma série comportamentos inapropriados.

Na sua autobiografia, "The Long Hard Road Out of Hell" (1998), o artista partilhou vários casos de encontros pouco consensuais com mulheres. O livro retrata Manson “geralmente maltratando uma ou mais mulheres por página”, escreveu à data o jornalista musical Jim Derogatis no "Chicago Reader". No capítulo “Meating the Fans / Meat and Greet", Manson conta que cobriu uma fã surda com pedaços de carne, antes de vários membros da banda terem relações sexuais com ela e de Manson e um outro músico urinarem sobre a mulher.

Em novembro do mesmo ano, o editor da revista "Spin" acusou Marilyn Manson de ter ameaçado matá-lo na sequência de uma discussão sobre uma capa. Anos mais tarde, o músico confirmou à Rolling Stone que pôs "uma arma na boca" do jornalista e o caso acabou 'resolvido' fora dos tribunais.

Em 2002, Marilyn Manson é processado pela mãe de uma mulher a quem alegadamente deu drogas, antes de a mesma morrer num acidente de carro (e também aqui as partes chegaram a um acordo extra judicial). Um ano antes, em 2001, foi alvo de dois processos movidos por parte de dois seguranças de concertos (em Detroit e Minneapolis), que o acusavam de roçar a sua genitália nas suas cabeças.

Já em 2009, numa altura em que ainda namorava com Evan Rachel Wood, o artista confessou à Spin que tinha fantasias sobre "esmagar o crânio dela com um martelo". Estas declarações foram desvalorizadas pelos seus representantes ao longo dos anos (que defendiam que muitas das suas declarações são feitas pela "personagem" Marilyn Manson  e não pela pessoa "Brian Warner"). No final do ano passado, Marilyn Manson chegou mesmo a abandonar uma entrevista por lhe perguntarem sobre os boatos sobre abuso sexual.

Em 2018, Marilyn Manson foi acusado pela atriz Charlyne Yi de assédio, durante uma visita do músico aos estúdios onde se gravou a série de televisão "House", na qual Yi participou. No Twitter, a atriz alegou que Marilyn Manson "assediou todas as mulheres que ali estavam", tendo feito também comentários racistas.

Como nota de rodapé, em 2017 Marilyn Manson despediu o seu baixista de longa data, Jeordie White - mais conhecido pelo nome artístico de Twiggy Ramirez -, acusado pela ex-namorada de violação. A demissão foi pública cinco dias depois de a vocalista da banda Jack Off Jill, Jessicka Addams, ter avançado com as denúncias de abuso sexual contra Jeordie White, aquando da relação amorosa entre os dois, na década de 1990. A cantora revelou, via Facebook, que Jeordie White ameaçou estrangulá-la, levando-a a gritar "não" tão alto que os seus colegas de quarto chegaram a intervir.

Nesse mesmo ano, Manson foi questionado, em entrevista ao canal britânico "Channel 4", sobre os casos de assédio e abuso sexual na indústria do entretenimento. As denúncias começaram com o produtor Harvey Weinstein, acusado por dezenas de mulheres de abuso, assédio e até mesmo violação (uma dessas mulheres foi Rose McGowan, antiga namorada sua). "Não quero que Hollywood se torne numa coisa que impede filmes de serem feitos - e não estou a desrespeitar quem fez as alegações. Se tens algo a dizer deves dizê-lo, antes de mais, à polícia e não aos jornais. É o que eu faria", respondeu então.

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