A intervenção pública de Victor Reis nas Jornadas da Habitação, uma iniciativa do núcleo territorial de Lisboa da Iniciativa Liberal, que decorreu ontem no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, começou com uma pergunta: "Acham que o governo apresentou este pacote para resolver os problemas da habitação ou para se vitimizar?" E deu a resposta: "É que tenho a certeza de que nada do que foi feito e dito e escrito é pensado para resolver o problema de falta, supostamente, de oferta de casas. Isto tudo é feito porque, é a convicção que adquiri por acompanhar esta área, chegaram à conclusão que não têm mesmo solução para isto. E então, toca de montar uma encenação".
Victor Reis é arquiteto, foi presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que tem como missão garantir a concretização, coordenação e monitorização da política nacional de habitação e dos programas definidos pelo governo para o sector, entre 2012 e 2017 e é também co-autor do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos “O mercado imobiliário em Portugal”.
Quando chegou ao IHRU, nomeado por Pedro Passos Coelho, a média das rendas de habitação social do IHRU era de cerca de 30 euros mensais. Quando saiu esse valor era da ordem dos 70 euros euros por mês, facto que ficou a dever-se apenas ao cumprimento da lei: actualização das rendas em função do rendimento do agregado familiar.
Choveram críticas e as obras anunciadas em 2015, que previam a reabilitação de todas as casas em mau estado nos então cerca de 1850 prédios detidos pelo IHRU a 100%, já não avançaram com o novo governo liderado por António Costa, apesar dos 18 milhões de euros parados, parte da receita da atividade destinada às obras nos bairros sociais, de acordo com declarações públicas do arquiteto.
Victor Reis relembra algumas metas do governo, como a de aumentar o parque público de habitação de 2% para 5% em dez anos. O anúncio foi feito em 2017 e falava em mais 170 mil casas. "Acho que não fizeram contas, porque se pusermos cada casa ao módico preço de 150 mil euros e se tivéssemos de produzir uma média para 170 mil em dez anos, são 17 mil por ano". E recorda o falhanço dos números quando Medina e Costa foram presidentes da câmara de Lisboa.
A promessa de construir 170 mil casas significaria um investimento de 2,5 mil milhões por ano. O PRR para cinco anos tem 2,7 mil milhões, dos quais só 1,6 mil milhões a fundo perdido
Além disso, continua, isto significaria um investimento de 2,5 mil milhões por ano. O PRR para cinco anos tem 2,7 mil milhões, dos quais só 1,6 mil milhões a fundo perdido. "E como entretanto já passaram cinco anos sobre a promessa de 2017, metade do prazo, se calhar o que eles nunca nos disseram foi quando o prazo começava a contar", porque "não se fez nem um décimo do que estava previsto por ano".
Daqui a uns anos, afirma, quando alguém voltar a perguntar como estamos de habitação, estaremos ainda pior. "A culpa há-de ser de Marcelo ou das câmara municipais, de Moedas e Rui Moreira não deixaram", que nada se fizesse. "Há-de haver "n" culpados, menos o governo, a começar pelos mauzões dos proprietários, que não deixaram que o arrendamento coercivo avançasse".
O ex-presidente do IHRU recorda ainda entraves como o fim do crédito bonificado, o facto de o sector da construção estar reduzido a menos de metade do que era em 2007, o que significa uma grande limitação na capacidade para construir casas, ou o problema demográfico. Neste ponto, discorda do deputado da IL, Carlos Guimarães Pinto: "Tenho um enorme receio de que se desatássemos a construir casas ficássemos com casas vazias". "Temos uma estatística que é curiosa: enquanto que na Europa 41% dos proprietários tem uma segunda habitação à renda, em Portugal isso só acontece com 13%", "quando 30% do parque habitacional não tem uso permanente, são 1,8 milhões de casas que são segunda habitação ou estão dadas como vagas", diz.
Essa famigerada, maldita, malandra Lei dos Despejos - Lei Cristas, como lhe chamam -, provocou uma inversão em Portugal. Nos sete anos que se seguiram, as casas arrendadas aumentaram em 140 mil, coisa nunca vista no passado
Victor Reis recorda que há 60 anos mais de 50% dos portugueses viviam em casas arrendadas. Em 2011, o peso do arrendamento caiu para baixo de 20%. "E há uma coisa fantástica, essa famigerada, maldita, malandra Lei dos Despejos - Lei Cristas, como lhe chamam -, provocou uma inversão em Portugal. Nos sete anos que se seguiram à informação disponível nos censos de 2011, as casas arrendadas aumentaram em 140 mil, coisa nunca vista no passado. É a primeira vez que temos uma verdadeira mudança, coisa de que o Partido Socialista não quer falar. Porque, como é evidente, ficcionaram esta coisa dos despejos para não mostrarem quão benéfica foi para a oferta habitacional a reforma de 2012".
"Temos uma situação séria de confiança no nosso mercado de arrendamento. Como em qualquer actividade económica, sem confiança não há investimento, não há oferta." Soluções? "O que me parece que devia ser a prioridade das prioridades em qualquer política de habitação é fazer tudo para que este stock habitacional que temos seja disponibilizado. Podia haver uma política de apoiar quem quer arrendar", sugere, dando o exemplo do Reino Unido, que tem uma medida que apoia quem quer comprar para arrendar. Como existe em Espanha, em França ou na Alemanha. "Somos a ovelha negra".
"Continuaremos a fracassar enquanto tivermos um governo que gera esta instabilidade legislativa, instabilidade fiscal, instabilidade legal, instabilidade política sobre aqueles que são os que disponibilizam casas. Porque isto é um pouco um governo armado ao pingarelho que são uns pelintras. Porque andam aqui a dizer que temos casas, vamos fazer casas, mas não têm nem vão fazer, é mentira. Depois ouvimos coisas como a ministra [da Habitação] dizer que as casas para o arrendamento coercivo eram mil".
A este propósito Victor Reis compara o que o governo está a fazer com a criança que queria esvaziar o mar e, para isso, ia enchendo o balde de água, que deitava num buraco que fez na areia. "A senhora ministra e o Dr. António Costa andam de balde na mão a tentar esvaziar o mar. Não dá para acreditar que as mil casinhas ou as 200 casinhas ou 42 casinhas vão influenciar o mercado [...] Não há realismo no que o governo anda a fazer."
No debate de ontem estiveram ainda presentes a investigadora Vera Gouveia de Barros, Carlos Guimarães Pinto, deputado da IL e vice-presidente da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, Carla Costa Reis, empresária do sector do alojamento local, e Pedro Antunes, empresário no segmento das residências universitárias. A moderação ficou a cargo de Jorge Marrão, presidente do Movimento Europa e Liberdade.
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