“Foi o maior cagaço que apanhei durante toda a conspiração, foi a certa altura o perigo de o golpe ser feito e de muitos dos nossos — porque a estrutura ainda não estava bem formada — entrarem nesse golpe convencidos de que estavam a entrar no nosso golpe”, confessou à Lusa o coronel Vasco Lourenço, que preside à Associação 25 de Abril, onde decorreu a entrevista cuja primeira parte hoje se divulga.

“Logo a seguir à Caparica [reunião realizada em 05 de dezembro de 1973], somos surpreendidos com a tentativa de golpe da extrema-direita de Kaúlza de Arriaga, que nos tentou aliciar, tivemos de responder a isso (…) tivemos de reagir a uma tentativa da extrema-direita, que aparece a tentar fazer um golpe”, lembrou.

Os capitães caminhavam na construção de um plano que conduziria à revolução de 25 de Abril de 1974 e começavam a pensar na elaboração de um programa político que permitisse passar à fase seguinte, a democracia. O programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) viria a ser aprovado mais tarde.

O incidente entraria para a gíria militar como “a kaulzada”. O movimento dos capitães prosseguiu o caminho que havia iniciado.

“Houve esse perigo, conseguimos ultrapassar a tentativa de golpe da extrema-direita do Kaúlza de Arriaga e depois fomo-nos consolidando, fomos resistindo à tentativa de compra que o poder nos fez”, afirmou Vasco Lourenço, referindo-se à reação do regime à contestação de natureza corporativa que os militares estavam a assumir.

“Porque o poder, perante a nossa reação aos decretos [sobre as Forças Armadas] tentou comprar-nos, apesar de sabermos que o Marcello Caetano terá dito ´cuidado com os capitães, que são suficientemente novos para se deixarem comprar´”, recordou Vasco Lourenço, à época capitão.

“Eles fizeram três tentativas para nos comprar. Primeiro, anularam os decretos, os tais decretos de natureza corporativa que serviram de base ao espoletar da contestação, promoveram 200 oficiais ali em novembro, dezembro, a maior parte deles capitães, e depois fizeram o maior aumento da história que alguma vez se fez aos militares”, acrescentou.

Vasco Lourenço, 81 anos, lembra-se que ganhava quatro contos e quinhentos [escudos] e “de repente” passou a receber sete contos e quinhentos. “Fizeram esse aumento de vencimento, fundamentalmente, para dois postos, capitães e coronéis, que eram os que eles mais temiam”, disse.

“Tivemos de lutar contra isso (…) e lançamos a palavra de ordem ´Não nos compram com aumentos de vencimentos. Nós não vamos desistir. Não é com aumentos de vencimentos que nos compram”, referiu Vasco Lourenço, para quem da conspiração ao golpe foi “um caminhar rápido, mas seguro”.

Oficial, político, revolucionário, assim se define na internet o perfil do capitão de abril que costuma equipar a preparação do golpe a uma gestação que durou menos de nove meses.

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, as unidades comandadas pelos capitães saíram todas à mesma hora para depor o regime e dar início a um período que ficaria conhecido como PREC — Processo Revolucionário em Curso.

AH // ZO

Lusa/fim