"Para uma melhor compreensão da questão é necessário identificar num mapa da Península a posição estratégica das cidades portuguesa de Elvas (a Oeste) e castelhana de Badajoz (a Leste). Para apoiar a importância estratégica da primeira e neutralizar a da segunda, os monarcas portugueses reforçaram, a partir de então, duas posições fortificadas:o Castelo de Campo Maior e o Castelo de Olivença".
A recomendação de olharmos para o mapa que podemos ler na Wikipedia é bastante útil para estimular a nossa imaginação sobre o que foram os tempos da definição dos reinos de Portugal e Castela e, antes disso, a Reconquista Cristâ da Península Ibérica da qual resulta uma primeira soberania de Castela sobre Olivença. Afonso IX de Leão conquistou Badajoz em 1230 e pela ajuda nas batalhas fez uma doação aos cavaleiros da Ordem do Templo dos domínios de Burguillos e de Alconchel que seria onde, em 1256, se estabelecia a Comenda de Olivença. Anos mais tarde, já no reinado de Afonso X de Castela, é assinada a Convenção de Badajoz (1267), que define as fronteiras da raia entre Castela e de Portugal e, nessa versão dos mapas, Olivença é castelhana.
Passam-se mais uns anos e no reinado de D. Dinis, o soberano português tira partido de uma conjuntura fragilizada na corte de Castela e de novos avanços muçulmanos para recuperar domínios e, em 1297, é assinado o Tratado de Alcanizes - Olivença é, pela primeira vez, "oficialmente" portuguesa.
Nos séculos seguintes, a posição fronteiriça privilegiada de Olivença - à semelhança de outras localidades, como Campo Maior, Arronches e Juromenha, para citar algumas - foi reforçada com várias estruturas militares que visavam, precisamente, o reforço da linha de defesa da fronteira portuguesa. Até que, a 19 de junho de 1580, Olivença cai no quadro da investida castelhana sobre a coroa portuguesa que daria início à dinastia dos Filipes. E assim permaneceu até até ser devolvida a Portugal após a restauração da indpendència, pelo Tratado de Lisboa de 1668.
A 20 de maio de 1801, e no quadro de uma guerra alargada à escala europeia e que opunha a França de Napoleão, à qual Espanha se aliara, à Inglaterra, país com o qual Portugal mantinha já então uma aliança histórica, Olivença é tomada pelo exército castelhano, bem como outras localidades da raia naquela que ficou conhecida como Guerra das Laranjas. Portugal encontrava-se então entre a espada e a parede e sem meios para evitar uma invasão que se afigurava incontornável desde fevereiro desse ano com um ultimato espanhol. Dezoito dias depois da entrada das tropas castelhanas, Portugal assinava dois tratados, o de Badajoz, com Espanha, e o de Madrid, com França em que cedia ás pretensões dos invasores e, também, cedia Olivença.
A violação da paz entre os dois países implicava a nulidade do Tratado de Badajoz. Que foi o que veio a acontecer quando Espanha e a França assinaram o Tratado de Fontainebleau que previa a divisão de Portugal em três partes e da qual resultou a ocupação meses depois.
Em 1814, Napoleão Bonaparte é derrotado e, entre esse ano e 1815, reune-se o Congresso de Viena em que oito potências europeias - Portugal incluído - redefinem as fronteiras da Europa pós-napoleónica. Em 1817, Espanha ratifica o Tratado de Viena em que se compromete com a devolução de Olivença a Portugal, mas sem estabelecer os moldes em que tal aconteceria.
Francisco Pereira Coutinho, professor na Nova Law School, escreve, em artigo publicado no Expresso em junho deste ano, que "do outro lado da fronteira, o título jurídico sobre Olivença baseia-se, no essencial, numa dupla linha argumentativa. Primeiro, o artigo 105.º da Ata Final do Congresso de Viena (1815), que alude à restituição a Portugal do território cedido a Espanha pelo Tratado de Badajoz (1801) na sequência da Guerra das Laranjas, constitui uma obrigação de meios e não de resultado. Apenas requer que as partes iniciem negociações tendentes à devolução de Olivença. Espanha considera ter cumprido essa obrigação de boa-fé, tendo inclusivamente negociado a troca de Olivença pela Banda Oriental/Província Cisplatina (atual Uruguai), tomada aos espanhóis, por D. João IV, em 1817. Segundo, ainda que não se reconheça a validade do título jurídico resultante de conquista baseado no Tratado de Badajoz, Espanha invoca a aquisição de Olivença por prescrição aquisitiva (usucapião). Considera que exerce, há mais de dois séculos, uma posse pública, contínua e pacífica sobre o território."
E assim chegamos a 14 de setembro, dia em que o Grupo de Amigos de Olivença recordou a "ferida no âmago da nossa soberania" e o alcaide de Olivença afirmou que discursos que procuram “separar através das fronteiras, no século XXI, foram mais do que esquecidos e pertencem a séculos passados”. Isto tudo depois das declarações do ministro enquanto presidente do CDS/PP e das críticas do líder da oposição, Pedro Nuno Santos, que classificou como “inusitado que um ministro da Defesa faça uma declaração com esse peso". Olivença, a fazer história há 800 anos.
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