A Assembleia da República aprovou hoje a renovação do estado de emergência por mais oito dias, até 15 de janeiro, com votos favoráveis de PS e PSD, para permitir medidas de contenção da covid-19.
A deputada não inscrita Cristina Rodrigues também votou a favor. PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra, enquanto BE, CDS-PP e PAN se abstiveram.
Esta votação é igual à da anterior renovação estado de emergência, realizada no dia 17 de dezembro.
Este é o oitavo diploma do estado de emergência que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, submete ao parlamento no atual contexto de pandemia de covid-19 e o primeiro que abrange menos de 15 dias, o máximo que este quadro legal pode vigorar, sem prejuízo de eventuais renovações com o mesmo limite temporal.
De acordo com a Constituição, cabe ao Presidente da República decretar este quadro legal, que permite a suspensão do exercício de alguns direitos, liberdades e garantias, mas para isso tem de ouvir o Governo e de ter autorização da Assembleia da República.
O atual período do estado de emergência teve início às 00:00 de 24 de dezembro e termina às 23:59 desta quinta-feira, 07 de janeiro. Esta renovação terá efeitos a partir das 00:00 desta sexta-feira, 08 de janeiro, até às 23:59 de 15 de janeiro.
Entre 10 e 22 deste mês decorrerá a campanha oficial para as eleições presidenciais de dia 24.
"Mantendo-se a situação de calamidade pública provocada pela pandemia covid-19, e, não sendo possível realizar antes de meados de janeiro uma nova reunião com os especialistas com dados significativos da evolução daquela, torna-se necessário renovar o estado de emergência por uma semana, de 08 a 15 de janeiro, em termos idênticos aos que vigoram neste momento", escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, na exposição de motivos do diploma hoje aprovado.
Nas normas do diploma, o chefe de Estado especifica que a mobilização de trabalhadores só pode ser feita para apoiar as autoridades e serviços de saúde "na realização de inquéritos epidemiológicos, no rastreio de contactos e no seguimento de pessoas em vigilância ativa".
Por outro lado, mantém-se a norma segundo a qual "pode ser limitada a possibilidade de cessação dos vínculos laborais" no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas acrescenta-se que isso só é permitido "por período não superior à duração do estado de emergência e por necessidades imperiosas de serviço".
Além disso, no diploma refere-se agora que o Governo deve "continuar a prever mecanismos de apoio e proteção social, no quadro orçamental em vigor", na norma que permite "o encerramento total ou parcial de estabelecimentos, serviços, empresas ou meios de produção e impostas alterações ao respetivo regime ou horário de funcionamento".
Marcelo Rebelo de Sousa quis ainda frisar que, ao mencionar que "a violação do disposto na declaração do estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência", está somente a repetir aquilo que está previsto no Regime do estado de sítio e do estado de emergência.
Em Portugal já morreram mais de 7.300 doentes com covid-19 e foram contabilizados até agora mais de 440 mil casos de infeção com o novo coronavírus, de acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS).
Nas últimas 24 horas, registaram-se 10.027 novos casos de infeção, o número diário mais elevado em Portugal, e 91 mortes associadas a esta doença.
O que foi discutido no debate?
O BE anunciou no debate que voltaria a abster-se em relação à renovação do estado de emergência, enquanto o PSD reivindicou uma "posição responsável" de apoio ao Governo nesta matéria, embora acusando-o de estar numa situação "de calamidade".
No debate do pedido de autorização do Presidente da República para renovar o estado de emergência por mais oito dias, até 15 de janeiro, coube ao deputado do Bloco de Esquerda (BE) Moisés Ferreira a anunciar o sentido de voto do seu partido, declarando que "o BE irá abster-se nesta votação" - como fez nas quatro anteriores, em novembro e dezembro.
Moisés Ferreira defendeu que "o aumento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da capacidade de internamento desse mesmo SNS devia já ter sido preparado" e deve ser concretizado "de imediato", acompanhado por "medidas de apoio social e económico".
Antes, o deputado do PSD Hugo Carvalho tinha criticado os partidos que "não votam a favor, mas também não votam contra, abstém-se de tomar parte nesta solução ou noutra que pudessem apresentar como alternativa", alegando que procuram com isso "ganhos eleitorais".
"Sei que nem todos partilhamos do mesmo sentido de responsabilidade, que há quem lá fora exija medidas de combate à pandemia, mas venha depois para este plenário dificultar as condições em que o Governo as pode tomar", observou Hugo Carvalho, contrapondo que "o PSD mantém a posição responsável que teve desde o primeiro dia" apoiando o estado de emergência.
Contudo, o social-democrata aproveitou esta ocasião para acusar o Governo de estar numa situação "de calamidade".
"Dia após dia, ministro após ministro, caso após caso, o Governo desfaz a credibilidade dos seus membros e demonstra sucessivas deficiências na capacidade de liderar a Administração Pública. O Governo desbaratou a confiança que os portugueses em si depositaram. Escolheu segurar ministros em vez de segurar ministérios", apontou Hugo Carvalho.
Sem nomear nenhum ministro nem nenhum caso em concreto, o deputado do PSD considerou que "o Governo está neste estado por culpa própria", e não da oposição, e que o atual momento "exige muito mais" do executivo do PS chefiado por António Costa.
"O PSD não estará do lado da politiquice", acrescentou, reiterando que o seu partido continuará "do lado de Portugal, sem assobiar para o lado e, sobretudo, sem virar as costas às responsabilidades".
Por sua vez, o deputado do e vice-presidente da bancada do PS Pedro Delgado Alves sustentou que neste "momento fundamental" do combate à covid-19 é necessário manter o estado de emergência e que "o tempo não é ainda de aligeirar medidas, talvez até possa ser o inverso".
Os restantes partidos repetiram as posições contra ou de incerteza em relação à renovação do estado de emergência, desta vez por apenas oito dias, e criticaram "a inação" das Brigadas de Intervenção Rápida para apoiar os lares.
Apesar da diferença de posições, PCP, CDS-PP, PEV e PAN convergiram, no debate parlamentar, nas críticas à ineficácia no apoio aos lares com funcionários e idosos infetados, com as bancadas comunista e centrista a apontarem ao dedo à "inutilidade" das Brigadas de Intervenção Rápida constituídas pelo Governo para salvaguardar a prestação de cuidados a este segmento da população.
Pelo PCP, o líder parlamentar João Oliveira considerou que a “solução que o Governo criou das brigadas rápidas da Segurança Social é uma solução falida porque as brigadas rápidas não chegam para as encomendas” e a solução é a “bolsa de recrutamento de trabalhadores pela Segurança Social para reforço dos equipamentos sociais”, uma proposta que vai além dos lares e também prevê englobar creches e instituições de apoio a pessoas com deficiência.
A bancada centrista, através do deputado João Almeida, recordou que a ministra Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, tinha garantido que estas “brigadas rápidas iam resolver o problema”.
“Nós avisámos e agora constata-se. As brigadas não são rápidas, nem são eficazes e os idosos continuam nos lares a ter os mesmos problemas, como têm também aqueles que nesses lares prestam serviço e, obviamente, estão expostos também a esta dificuldade e lidar com a situação”, completou o deputado do CDS-PP.
Pelo PEV, Mariana Silva não centralizou as críticas nas Brigadas de Intervenção Rápida, mas sustentou que as notícias que vieram a público sobre surtos nos “inúmeros lares deste país” são a prova de que “o estado de emergência não trouxe as respostas necessárias”, razão pela qual “ao oitavo estado de emergência, se há coisa que fica provada é que não resolve nada”.
Já o porta-voz do PAN, André Silva, considerou que a pandemia colocou a descoberto a “fragilidade em que já viviam” os idosos nos lares, assim como o “estado de total abandono e desresponsabilização por parte do Estado nos últimos anos”.
O deputado sublinhou que era “injustificado e irresponsável” votar contra a renovação do estado de emergência, um “mecanismo juridicamente indispensável” para mitigar a propagação da covid-19, no mesmo dia em que o país contabilizou pela primeira vez mais de 10.000 infeções diárias.
O deputado único e presidente do Chega, André Ventura, observou que o executivo, liderado pelo socialista António Costa, “falhou aos portugueses na preparação daquela que seria a segunda vaga de covid-19” e que brevemente vai ser possível dizer que “falhou na preparação da tal terceira vaga que todos anunciam, mas que o Governo não quer ver”.
Aproveitando o clima de campanha eleitoral em que vai estar inserido o estado de emergência discutido e votado hoje, Ventura, também candidato presidencial, deixou um aviso ao primeiro-ministro, que marcou presença na reunião plenária: “Reze muito para que o dia 24 de janeiro não lhe traga um dissabor muito grande, porque se trouxer senhor primeiro-ministro, (…) o ministro da Administração Interna, a ministra da Justiça e a ministra da Saúde estarão de saída do Governo de Portugal, porque se não o fizer será o senhor que estará de saída do Governo.”
O deputado único e líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, disse que as alterações feitas ao diploma são “muito pouco” para alterar o voto contra a renovação do estado de emergência e que “estes decretos continuam a mostrar que o Estado põe a sua própria proteção jurídica à frente dos direitos e liberdades dos portugueses”.
Na sua intervenção, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira (ex-Livre) considerou “urgente combater com emergência uma onda de desânimo” que começa a surgir na população portuguesa, alertando para a exaustão e dificuldades na perceção de algumas medidas restritivas.
Katar Moreira advertiu ainda para a “falta de rendimentos”, os “salários miseráveis”, a “pobreza energética” e a necessidade de investimento no SNS, questões “muito antigas” que foram sendo adiadas por sucessivos governos de esquerda ou de direita.
Já Cristina Rodrigues (ex-PAN) considerou “fundamental a renovação do estado de emergência” tendo em conta o aumento considerável de novos casos, alegando que “não se trata de o banalizar, mas reconhecer que ainda o estamos a vivenciar”.
No entanto, a deputada não-inscrita disse não concordar com todas as restrições impostas, como o fecho da restauração e do comércio às 13 aos fins de semana e instando o governo a um “equilíbrio” entre a proteção da saúde e dos rendimentos.
Governo faz alusão a novo máximo de infeções para defender Estado de Emergência
O ministro da Administração Interna considerou hoje essencial a prorrogação do estado de emergência para a preservação da saúde coletiva, num momento em que se atingiram mais de 10 mil casos de infeção com o novo coronavírus.
Eduardo Cabrita falava no plenário da Assembleia da República, momentos antes de o parlamento ter aprovado o decreto presidencial para a renovação do estado de emergência por mais oito dias, até 15 de janeiro, com votos favoráveis de PS e PSD, tendo em vista permitir medidas de contenção da covid-19.
A deputada não inscrita Cristina Rodrigues também votou a favor. PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra, enquanto BE, CDS-PP e PAN se abstiveram.
Na sua intervenção, Eduardo Cabrita referiu que esta foi a quinta vez desde o início de novembro que a Assembleia da República apreciou um pedido de vigência de Estado de Emergência e defendeu que as medidas previstas para a contenção da epidemia de covid-19 são "difíceis, mas necessárias, adequadas, equilibradas e proporcionais".
No plano político, o titular da pasta da Administração Interna voltou a frisar que o decreto presidencial continua a ser viabilizado "por cerca de 90% dos deputados" da Assembleia da República.
Depois, Eduardo Cabrita respondeu a críticas ou reparos feitos por outras bancadas em relação à atuação do Governo no combate à covid-19, começando pela deputada do PEV Marina Silva e pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira.
"A dimensão pedagógica foi sempre aquela que o Governo quis para a intervenção das forças de segurança neste quadro tão especial. Em relação ao senhor deputado João Oliveira, digo-lhe que sim, as medidas são proporcionais, visando garantir que estamos unidos em torno dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em torno da defesa de que as novas gerações tenham direito à escola", referiu.
Já em relação à intervenção do deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira, o ministro da Administração Interna sustentou que o executivo "está mobilizado na defesa do SNS".
"As medidas que têm sido tomadas desde novembro têm permitido mobilizar todos em torno da salvaguarda da capacidade de resposta do SNS, baixando os níveis de incidência de cerca de mil casos por cem mil habitantes em novembro, com um pico de verificação de ocorrências no final desse mês, até aos dados que aqui há pouco apreciámos", disse.
Eduardo Cabrita considerou depois que o deputado do CDS-PP João Almeida revelara desatenção sobre a evolução da testagem em Portugal, contrapondo que até hoje já se realizaram cerca de 5,5 milhões de testes.
"Em 23 de dezembro passado, num só dia, foram realizados 58 mil testes - uma notável capacidade de resposta de todo o setor da saúde", advogou o membro do executivo, antes de também apontar que a democracia em Portugal "não está suspensa", numa alusão à pré-campanha que está a ser feita pelos seis candidatos à Presidência da República.
Mas, ao contrário de outros debates, o ministro da Administração Interna reagiu desta vez também a posições críticas do PSD - partido que com o PS votou favoravelmente a prorrogação do Estado de Emergência.
Após criticar o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, por não apresentar qualquer alternativa credível ao Estado de Emergência, Eduardo Cabrita manifestou-se "surpreendido por o deputado [social-democrata] Hugo Carvalho, de um partido que aprova o decreto do Presidente da República, defender a tese de que está de acordo com o Estado de Emergência mas em desacordo com as medidas".
"Diga-me o senhor deputado do PSD qual é o país do quadro da Europa democrática próxima em que as medidas restritivas da atividade económica são inferiores às nacionais? Sei que não vai ter a oportunidade de responder hoje, mas espero que até ao próximo debate consiga encontrar esse exemplo", desafiou o ministro da Administração Interna.
(Artigo atualizado às 17:47)
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