O Projeto 230 começou há quatro anos. E começou com a visão de Francisco Cordeiro de Araújo: dar a conhecer aos portugueses os 230 deputados da Assembleia da República, entrevistando todos os deputados um a um. A ideia era que o povo soubesse quem estava por detrás de cada decisão ou proposta governamental.

Pela própria voz de Francisco o caminho que o trouxe até aqui não foi sem sobressaltos.

"Os 230 surgiu em 2020. Na altura, pensei nos vários desafios que considerava que as democracias em geral, e a nossa em particular, enfrentam e em possíveis soluções que lhes pudessem dar resposta através de um projeto cívico. Um dos maiores desafios que percebi que existia era a excessiva distância entre representantes e representados, sendo para mim grave que numa democracia representativa não se conheça quem nos representa e que grande parte de nós não conseguisse reconhecer um dúzia de deputados. Pessoalmente não conhecia nenhum e por isso pensei: " porque não procurar conhecê-los e dar-lhes a conhecer à população? Quem são? Qual o seu percurso? As suas ideias? O que fazem?", começa por revelar ao SAPO24, acrescentando depois quais foram os passos dados para alcançar os tais 230.

"Comecei a ligar para a Assembleia da República para tentar marcar entrevistas e procurei pessoas fora da minha bolha de amigos que pudessem concretizar comigo o projeto. Felizmente, o projeto teve algum mediatismo no início o que permitiu que em poucos meses já tivéssemos 50 voluntários independentes a trabalhar em diferentes projetos, para reforçar a literacia política e a participação, desde o digital, às escolas (Democracia nas Escolas), percorrendo o nosso país e indo além fronteiras", disse.

"Uma democracia representativa não pode prescindir de uma ligação entre cidadãos e deputados e o primeiro passo para um maior escrutínio e confiança é conhecer as pessoas e como desempenham a sua função"Francisco Cordeiro de Araújo

De facto, o projeto começou a recolher mediatismo junto da opinião pública e Francisco revela também as razões que o levaram a querer entrevistar os deputados que tomam as decisões pelos e para os portugueses.

"Uma democracia representativa não pode prescindir de uma ligação entre cidadãos e deputados e o primeiro passo para um maior escrutínio e confiança é conhecer as pessoas e como desempenham a sua função. Em menos de um ano, já tínhamos entrevistado cem deputados, ao mesmo tempo que entrevistávamos eurodeputados, fazíamos especiais sobre as presidenciais e autárquicas, e desenvolvíamos todos os outros projetos. As duas dissoluções e a pandemia foram nos dificultando o trabalho, mas nunca parámos, nem desistimos, porque sempre sentíamos por parte das pessoas que seguiam o nosso trabalho, que valia a pena darmos esse contributo cívico", afirmou, salientando também que "os deputados das duas anteriores legislaturas sempre tiveram grande abertura perante o nosso projeto e reconheceram a mais valia desse trabalho".

"É para nós importante termos tido sempre esse reconhecimento de isenção e dedicação por parte de todos os partidos, com e sem assento parlamentar, sobretudo numa altura em que o ambiente anda crispado e se foi perdendo a capacidade de diálogo. Os nossos seguidores também são o espelho dessa diversidade", diz.

"Sabemos que o trabalho mais importante do Parlamento se faz em comissões, por isso mais que tertúlias ou fóruns de retórica, precisávamos de juntar pessoas de diversas áreas e apelar à sua dedicação pela comunidade, mostrando que o mundo da política é complexo e não permite simplismos, mas que permite sim obter resultados que irão reforçar o sentimento de pertença"

O projeto inicial surgiu há quatro anos, com as tais entrevistas. Agora, surge um outro. As Comissões de Cidadãos. Afinal, o que são?

"Era uma ideia que já estava há alguns anos na gaveta, sempre quisermos criar mais ferramentas para uma participação cívica consistente e percebemos que este era o momento certo para avançar. O "aprofundamento da democracia participativa" é um imperativo constitucional que não deve ser letra morta. Não podemos esperar sempre que as respostas de maior abertura venham das instituições, como pragmáticos que somos sabemos que as soluções têm que partir também da sociedade civil.
Foi por isso que quisemos juntar 230 cidadãos independentes que pudessem não só refletir sobre o futuro do nosso país, mas ajudar a construí-lo. Sabemos que o trabalho mais importante do Parlamento se faz em comissões, por isso mais que tertúlias ou fóruns de retórica, precisávamos de juntar pessoas de diversas áreas e apelar à sua dedicação pela comunidade, mostrando que o mundo da política é complexo e não permite simplismos, mas que permite sim obter resultados que irão reforçar o sentimento de pertença", salienta.

projeto 230
Francisco Cordeiro de Araújo durante uma entrevista com Rui Tavares, líder do Livre

Uma ideia que, diga-se, está a recolher grande interesse por parte da população. O prazo para as fazer terminou no passado dia 20 e houve mais de 800 candidaturas. E o que o cidadão comum ganhará com estas Comissões?

"O povo português vai ter mais uma via de participação ativa, sem implicar a militância em partidos políticos. Em cada edição, 230 cidadãos comuns vão poder debater políticas públicas, inquirir especialistas e criar novas propostas, ao mesmo tempo que aprendem sobre o funcionamento parlamentar de forma ativa. Espero que o projeto não decorra de forma idílica, sob pena de ficarmos com um retrato errado da política e de ser um indício que não fomos ao fundos das questões. A Política faz-se de discordâncias, frustrações, diálogo, trabalho e de compromissos. Se queremos criar propostas bem estruturadas que apresentem soluções credíveis, não nos podemos contentar com análises superficiais, precisamos de ir em busca do conhecimento e de entendimentos. Essa poderá ser uma aprendizagem coletiva que nos possibilite reforçar o papel e a capacidade da sociedade civil.
Num mundo de imediatismo, é necessário também deixar claro que o maior sucesso da iniciativa será conseguir a sua consistência e realizar-se ano após anos, para que mais portugueses usufruam da mesma e que o seu trabalho se consolide", refere Francisco, que acredita também que algumas das leis criadas por essas Comissões irão ser analisadas pelo Parlamento.

"Se queremos criar propostas bem estruturadas que apresentem soluções credíveis, não nos podemos contentar com análises superficiais, precisamos de ir em busca do conhecimento e de entendimentos"

"Sim, acreditamos que haverá essa abertura. Mal anunciámos o projeto recebemos logo mensagens de vários deputados a disponibilizarem-se para colaborar e em breve teremos as primeiras reuniões", afirma, concluindo com a esperança de poder vir a reunir com o governo de Luís Montenegro.

"Em breve faremos esse pedido de reunião, alguns dos seus membros acompanham há algum tempo o nosso projeto e já estarão a par da iniciativa, mas é nossa intenção dar a conhecer em detalhe o que será este trabalho, até porque pretendemos que mais à frente as propostas aprovadas sejam também apresentadas ao Governo".

Refira-se que as áreas para estas Comissões estão compreendidas entre os Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas; Defesa Nacional; Assuntos Europeus; Orçamento e Finanças; Saúde; Educação e Ciência; Trabalho, Segurança Social e Inclusão; bem como Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto e cada cidadão podia candidatar-se até três comissões, embora só possa vir a integrar uma.

Ainda sem data definida, embora se aponte para o final do ano, haverá uma sessão presencial da Assembleia de Cidadãos para votar os 'projetos de Lei' a apresentar ao Parlamento.