“É uma pena, era uma referência. É a melhor esplanada do bairro”, comenta à Lusa Helena Fernanda, 61 anos, filha de jornaleiros do bairro e que, do quiosque em frente, viu nascer a Biarritz, a partir do espaço de uma antiga fábrica de lãs, no topo da Avenida da Igreja.
Depois do fecho da pastelaria Sul América, em 2016, o encerramento da Biarritz acontece numa altura em que o comércio de Alvalade dá sinais de revitalização, patentes, por exemplo, no renascimento dos centros comerciais de Alvalade e Roma, e na abertura de diversos novos negócios.
“Alvalade tem sido vítima positiva do deslocamento dos lisboetas do centro histórico”, disse à Lusa o presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, José António Borges (PS).
A ligação estreita com a comunidade, uma “relação de geografia sentimental dos alvaladenses com o seu comércio”, é outra das explicações de José António Borges, que sublinha outra especificidade: as lojas de Alvalade não só se mantêm como tendem a permanecer na mesma família.
É o caso da Biarritz, fundada por um conjunto de sócios, entre os quais Leopoldo Roque Silva. Nos anos 1970, entram na sociedade os irmãos Rui e Olímpio Roque Silva, saem os restantes sócios, e a pastelaria permanece naquela família até ao encerramento, altura em que era gerida por Miguel e Pedro Roque Silva, filhos de Rui Roque Silva.
No início dos anos 1990, a pastelaria sofre obras, “inovadoras para a altura”, com a criação de “duas zonas separadas, uma para exposição e outra zona de consumo”, quando as pastelarias em Lisboa eram só “espelhos, azulejos e inox”, contou à Lusa Miguel Roque Silva.
“Não foi fácil tomar a decisão de fechar. É preciso ter coragem para acabar com uma casa conhecida internacionalmente, que era um ponto de encontro em Lisboa”, disse o filho de Rui Roque Silva, atribuindo o seu encerramento a “um conjunto de fatores”.
A crise económica do início da década provocou um decréscimo de clientes, ao mesmo tempo que o IVA da restauração aumentou, e as condições exigidas à cozinha já não podiam ser satisfeitas no espaço disponível, apontou, acrescentando que ainda tentou, sem sucesso, a expansão para “a casa da porteira”.
“Aqui em Alvalade a experiência que temos é que é menos por causa da pressão urbanística ou de rendas do que motivos de gestão. Politicamente, a questão é menos dolorosa do que noutras zonas da cidade”, sustenta o presidente da Junta de Alvalade.
“Temos muita pena que algumas lojas históricas estejam a fechar, mas é muito residual neste momento, não é uma coisa que apareça como uma epidemia no bairro”, vincou.
O autarca revelou que a cadeia de cervejarias portuguesa que tomará conta do espaço vai manter o nome Biarritz, que continuará igualmente a estar inscrito na calçada portuguesa em frente, o que aconteceu por iniciativa dos novos proprietários, até porque a pastelaria não estava protegida por qualquer classificação, como a de loja com história.
Contactada pela Lusa, a Portugália confirmou que o espaço será uma das suas cervejarias, mas escusou-se a fornecer outras informações.
No quiosque em frente, Helena anseia por nova vida: “Não perdi muitos clientes, os meus clientes são habituais, mas no inverno escurece muito cedo, não quero estar aqui sozinha”.
Helena exibe recortes antigos com célebres clientes que partilhou com a Biarritz, como o antigo presidente da Câmara de Sintra Fernando Seara e evoca memórias de outros, como os autarcas da capital Santana Lopes e Carmona Rodrigues, e até do antigo presidente do Conselho Marcelo Caetano, a quem entregava o jornal em casa, ainda criança.
Pelas mesas da Biarritz passaram também o divulgador do jazz Luís Villas Boas, a cantora e atriz Simone de Oliveira e o escritor José Cardoso Pires.
Lá dentro, sem qualquer traço da antiga pastelaria, as obras para o que será a nova Biarritz já começaram.
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