“O que se nota, como pano de fundo, é uma falta de crença na representatividade do sistema, incluindo os partidos e as próprias eleições. Mas, até agora, não surge alternativa”, referiu, na homenagem promovida pelo primeiro-ministro em São Bento para assinalar os 40 anos do VII Governo Constitucional, o segundo da Aliança Democrática (AD) (PSD, CDS e PPM), e que foi liderado por Pinto Balsemão.
Na sua intervenção, o militante número 1 do PSD centrou-se em duas causas que têm sido centrais no seu pensamento: a defesa do papel “cada vez mais relevante” dos meios de comunicação social e a necessidade de encontrar “caminhos novos” para o exercício da democracia.
“Sei que, como estamos, com a democracia que temos no presente, não conseguiremos transpô-la, adaptá-la, mantê-la viva e atuante no futuro”, alertou.
Para o antigo primeiro-ministro, é essencial que as decisões que podem salvar e dinamizar a sociedade “sejam tomadas a tempo e, sobretudo, executadas sem atrasos nem desvios pseudo-justificados pelos conservadores de todos os quadrantes, por desculpas formais e adiamentos mesquinhos”.
“Pensemos, por exemplo, nas eternas e suicidariamente adiadas revisões da lei eleitoral portuguesa”, afirmou, poucas semanas depois de o PSD ter apresentado uma nova proposta sobre esta matéria.
Com o líder do PSD, Rui Rio, na primeira fila, Pinto Balsemão referiu-se na sua intervenção a outro social-democrata, que assistiu à homenagem na última fila, o eurodeputado Paulo Rangel, citando o seu pensamento sobre a forma como a tecnologia obriga a repensar a democracia liberal.
No capítulo dedicado aos media, Balsemão deu um exemplo ligado ao antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates para demonstrar a importância da credibilidade da informação.
“A história da licenciatura de José Sócrates esteve uma semana num site, mas só foi notícia depois de publicada no Público e no Expresso”, referiu.
Pinto Balsemão começou por agradecer a “iniciativa tão amável” de António Costa, mas disse aceitar esta homenagem mais com um significado de apreço e menos de veneração.
“Ser respeitável é ser respeitado, mas é também ser respeitador. Dos outros, das instituições, das ideias com que não concordamos”, frisou.
Entre os alertas que deixou sobre o funcionamento da democracia, Pinto Balsemão incluiu as ameaças à liberdade e privacidade “em nome da segurança” e o surgimento de “novos poderes”, não eleitos, como os mercados ou os grande detentores de dados.
“Por outro lado, e mesmo sem sairmos da Europa, é visível o êxito de partidos recém-nascidos (ou renascidos) que reivindicam o nacionalismo, a discriminação dos estrangeiros, o racismo puro e duro (…) Podemos ser tolerantes com os intolerantes?”, questionou.
Para o antigo chefe de Governo, as ameaças à democracia tornam “a dimensão ética cada vez mais importante”, bem como os valores em que considera assentar a social-democracia: “liberdade, igualdade e solidariedade”.
“A corrupção está cada vez mais presente na avaliação do sistema. Uma corrupção que, em muitos casos, o próprio sistema oculta e até protege. Por que razão ainda existem tantos paraísos fiscais?”, questionou
O VII Governo Constitucional – o primeiro de dois liderados por Pinto Balsemão - tomou posse em 9 de janeiro de 1981, após a morte do líder do PSD e primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, tendo terminado o seu mandato em 4 de setembro do mesmo ano.
Francisco Pinto Balsemão liderou depois o VIII Governo Constitucional, que durou até 09 de junho de 1983 – executivo que incluiu no cargo de vice-primeiro-ministro o então líder do CDS, Freitas do Amaral, que não fez parte do anterior, o VII, por opção pessoal; e em que o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desempenhou as funções de ministro dos Assuntos Parlamentares.
Balsemão repetiria jantar de Natal com Marcelo se Presidente "estivesse sozinho"
Francisco Pinto Balsemão recordou hoje um jantar de Natal que passou com a sua mulher e Marcelo Rebelo de Sousa em São Bento quando era primeiro-ministro, situação que admitiu repetir, se o Presidente da República "estivesse sozinho".
Questionado se fez as pazes com Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deixa críticas no seu livro "Memórias", e que esteve presente no início desta homenagem, o fundador do PSD e presidente do grupo Impresa respondeu: "Estivemos à conversa. Não estávamos em guerra. Sempre nos falámos".
Balsemão acrescentou que a conversa com o chefe de Estado no interior do Palacete de São Bento antes desta cerimónia "correu muito bem" e referiu que a sua mulher, Mercedes Balsemão, lembrou "os poucos tempos" que passaram nesta residência oficial, quando estavam com obras em casa.
"O doutor Marcelo Rebelo de Sousa veio aqui um Natal jantar connosco. Estava sozinho, veio jantar connosco", recordou o antigo primeiro-ministro, que chefiou o VII e o VIII governos constitucionais, entre 1981 e 1983.
Interrogado se voltaria a jantar com o atual Presidente da República num próximo Natal, Balsemão respondeu: "Se ele estivesse sozinho, com certeza".
O fundador do Expresso e presidente do grupo Impresa declarou-se "contente" e "muito agradecido" por esta homenagem promovida pelo primeiro-ministro, António Costa.
O Presidente da República chegou pouco antes das 17:00 e esteve reunido numa sala do Palacete de São Bento com Francisco Pinto Balsemão e a sua mulher, Mercedes Balsemão, com o antigo presidente do Governo Regional dos Açores Mota Amaral, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa.
Perto das 17:10, saíram do interior edifício, um por um, para os jardins de São Bento. Marcelo Rebelo de Sousa aproximou-se então de Balsemão, falou-lhe ao ouvido e retirou-se logo de seguida – como tinha feito em julho de 2016, numa cerimónia semelhante, no mesmo local, para assinalar os 40 anos I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares.
Marcelo Rebelo de Sousa fez parte do VIII Governo Constitucional, o segundo chefiado por Balsemão, como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e ministro dos Assuntos Parlamentares.
Em entrevista a Fátima Campos Ferreira para o programa da RTP "Primeira Pessoa", transmitida em 30 de agosto, a propósito do seu livro "Memórias", editado pela Porto Editora, Francisco Pinto Balsemão disse não ter esquecido a saída de Marcelo Rebelo de Sousa do seu segundo Governo "na semana imediatamente às eleições autárquicas".
"Apresentou a demissão, ficou de não dizer nada, e disse – tão simples como isso", declarou. "Essa parte eu não posso perdoar", acrescentou Balsemão. Questionado sobre o estilo de atuação de Marcelo Rebelo de Sousa no meio político, respondeu: "Por que é que o escorpião da lenda mata a rã?".
(Notícia atualizada às 20h25)
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