A notícia surgiu logo de manhã, ainda antes de se olhar para o habitual boletim diário que traz as novidades relativas ao novo coronavírus no país.

"Hoje ultrapassamos os 1.000 casos. Temos de estar muito bem preparados para o que se possa aproximar", disse António Lacerda Sales, numa cerimónia em Braga. Na altura, ainda não havia um número exato, uma vez que ainda estaria a ser contabilizado. Afinal, o processo tem de ser cuidadoso: é necessário recolher todos os dados indicados e fazer bem as contas. E quanto tempo demoramos a contar até mais de mil?

Por volta da hora de almoço surgia o número aguardado: 1.278 casos. Desde o início da pandemia, em março, este é o segundo maior número de casos de infeção. O maior foi em 10 de abril, registando-se 1.516 casos. Apenas numa outra situação se ultrapassou a barreira, mas por bastante menos: a 31 de março totalizaram-se 1.035 infetados, de acordo com os dados da DGS.

Mas olhemos para os valores que hoje nos são apresentados. O número de infeções é empurrado pela região do Norte, com 642 novos casos e cinco óbitos, seguida da região de Lisboa e Vale do Tejo, que soma 482 novos casos e três mortos. No total, o país viu hoje registadas 10 mortes.

Na prática, os mais de mil casos — além de sabermos que são de facto muitos — implicam outras questões. Quem mais percebe do assunto diz que o número, "não sendo surpreendente", não é um valor desejável "numa base diária".

À Agência Lusa, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, referiu que ultrapassar as mil infeções por dia "é uma barreira mais psicológica do que epidemiológica", uma vez que não há qualquer quantificação que coloque uma linha vermelha nos mil casos, ainda que reconheça que como base diária, possa vir a ser problemático, sobretudo para o trabalho de inquérito epidemiológico feito pelos médicos de saúde pública, que se queixam de falta de recursos para o volume de trabalho.

Além disso, está também em causa a capacidade de quebrar cadeias de transmissão, sendo cada vez mais difícil aos médicos "já muito assoberbados" garantir que são feitos todos os contactos nas vigilâncias ativas.

"Mesmo o inquérito epidemiológico, que é uma tarefa fundamental, em algumas unidades já tem ficado pendente de um dia para o outro. É muito difícil conseguir dar resposta de forma sistemática a este tipo de pressão e agora além deste avolumar dos casos os profissionais já estão numa situação de grande desgaste fruto do trabalho acumulado ao longo do tempo", disse Ricardo Mexia.

Os novos casos aumentam, mas a mortalidade mantém-se mais ou menos estável. Assim sendo, o que é preciso fazer? São necessárias novas medidas?

Perante o atual cenário, em que não se registou um agravamento da mortalidade e em que os serviços de saúde continuam a ter capacidade de resposta e de internamento a casos graves, Ricardo Mexia descarta a necessidade de novas medidas, como um novo confinamento, a ser adotado em alguns países — opção que o Governo tem vindo a descartar também, para bem da economia do país.

No fundo, é tudo uma questão de estratégia. No início, o confinamento foi necessário para se "ganhar tempo" perante uma pandemia para a qual ninguém estava preparado, assegurando meios de resposta e garantindo um número de casos suficientemente baixo para não se traduzir num afluxo incomportável aos serviços de saúde.

Mesmo assim, ao dia de hoje, há hospitais a queixarem-se. O presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Pisco, admitiu em declarações à agência Lusa que os hospitais Beatriz Ângelo (Loures) e Fernando Fonseca (Amadora) "estão com uma pressão muito grande".

A título de exemplo, sabe-se que o Beatriz Ângelo "está numa zona onde os números de covid são muito grandes" e tem estado a receber "mais de 140 doentes por dia" na sua área dedicada a casos de contágio pelo novo coronavírus. E pode não ficar por aqui: Luís Pisco antecipou que "dias mais complicados” na próxima semana são uma probabilidade.

Vamos traduzindo a pandemia em números, mas esses números representam pessoas. Assustamo-nos com os novos casos em números que demoram mais a contar, mas temos de olhar para o todo. Ricardo Mexia ajuda a fazer esse raciocínio. "Felizmente, a mortalidade está em números até comparáveis com o que tivemos em março/abril, quando tínhamos esta ordem de grandeza [por volta dos 1.000] de novos casos por dia", explicou.

Para controlar os mais de mil casos diários a palavra de ordem é só uma: prevenção. E cumprir regras será certamente mais simples do que fazer contas com números grandes.