As conclusões constam do relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), que a agência Lusa teve hoje acesso.
O primeiro incidente aconteceu na noite de 27 de abril de 2021, quando um Boeing 737-400, de carga, operado pela ASL Airlines Belgium, iniciou a descolagem no aeroporto do Porto, no momento em que um veículo 'follow-me', “devidamente autorizado a realizar a inspeção da pista, apercebeu-se de uma luz brilhante e questionou a torre sobre a presença de alguma aeronave a alinhar na pista”.
Um “evento semelhante” ocorreu no aeroporto de Ponta Delgada em 13 de maio deste ano, que "resultou no borrego” (abortar uma aterragem) de um A321 da TAP, quando a tripulação se apercebeu “nos últimos instantes da presença de uma carrinha de manutenção na pista, também esta previamente autorizada” pelo Controlo de Tráfego Aéreo.
“A investigação aos dois eventos constatou que as barreiras implementadas pela organização para suprir falhas dos operadores neste tipo de situação, nomeadamente ao nível de procedimentos operacionais para a identificação de pista ocupada, eram pouco fiáveis, tendo em cada situação o acidente apenas sido evitado por acasos excecionais, fora do sistema ATS [Serviço de Tráfego Aéreo]”, diz o GPIAAF.
Os investigadores identificaram “deficiências ao nível da gestão do pessoal e dos turnos de trabalho, que criaram condições organizacionais latentes contribuintes para os eventos”.
“Tais deficiências ficaram evidentes pelo inadequado cumprimento dos requisitos regulamentares e por lacunas na liderança e cultura de segurança operacional nos setores envolvidos da organização, nomeadamente quanto a monitorização interna e controlo de processos”, salienta este organismo.
O GPIAAF concluiu que houve a “prática sistémica” de manipulação dos registos das presenças de controladores na torre dos dois aeroportos, assim como “arranjos de conveniência para os envolvidos”, incluindo “supervisores e chefe de torre” de controlo.
Este organismo alerta para os riscos que esta situação acarreta a vários níveis, nomeadamente na fadiga e nos tempos de descanso.
“Tal sistema resulta em informação inteiramente inválida para a monitorização e análise de aspetos como a gestão dos turnos, adequação das dotações à carga de trabalho, fadiga e cumprimento dos tempos de descanso e de trabalho regulamentados”, frisa a investigação.
Quanto ao aeroporto do Porto, O GPIAAF constatou que, aquando do incidente, o “controlador de serviço trabalhava sozinho e ininterruptamente sem qualquer descanso, durante cerca de quatro horas, atuando como controlador de aeródromo e de aproximação”.
Segundo a investigação, o controlador aéreo estava “a trabalhar em sessão continua sem interrupções por um período prolongado de tempo, num ambiente tedioso e de baixa atividade”, acrescentando que, quando autorizou a descolagem do avião de carga, “não estava ciente, por esquecimento, da presença” da viatura de inspeção na pista.
O GPIAAF refere também que “não pode ser totalmente descartada” a “existência de fontes de distração na torre de controlo (como o uso do telemóvel, televisão ou conversas na chegada do controlador 2)”.
Este organismo fala na inexistência de “um sistema de alerta independente da ação humana”, acrescentando que “os procedimentos existentes de auxílio de memória do controlador, dadas as circunstâncias, eram ineficazes para indicar a presença do veículo ‘follow-me’, previamente autorizado a permanecer na pista”.
A investigação refere que “o exercício das prerrogativas dos supervisores na gestão tática das suas equipas, assentava em procedimentos ambíguos, pelo que, na prática, a composição das equipas era realizada independentemente das dotações aprovadas para o período considerado, sem material de referência e análise de risco de apoio à decisão”.
O GPIAAF concluiu ainda pela “não deteção sistémica do incumprimento dos períodos máximos de serviço sem interrupção por parte dos controladores e seus supervisores”, assim como pela ausência de reuniões de revisão de segurança da estrutura de gestão da NAV Portugal, “associada a uma ausência consistente de fornecimento formal de informação de segurança ao administrador responsável”, o que afetava “significativamente a capacidade da equipa de liderança” da NAV Portugal.
O GPIAAF dá ainda conta da existência de uma “cultura de silo” – colaboradores trabalham isoladamente e não comunicam para um objetivo comum - na liderança das torres de controlo e respetivos órgãos.
Este organismo afirma também que a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), enquanto regulador, não detetou “as deficiências na organização e sistema de gestão” da NAV Portugal, na implementação de requisitos emanados pela União Europeia.
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