O caso da exposição "Dissonâncias", com 87 obras de 48 artistas, em pintura, desenho, escultura, fotografia e instalação, que ocupa mais de metade das salas do museu, foi noticiado pelo jornal Público, com base no relato da diretora da instituição, Emília Ferreira.
A mostra, que deveria ter sido inaugurada em junho, depois de sucessivos adiamentos forçados pela pandemia da covid-19, e por problemas técnicos na montagem, com a falta de seis mil euros para os resolver, acabou por ficar de portas fechadas. E mesmo que os problemas não sejam resolvidos, não poderá ser visitada, porque há obras que têm de ser retiradas para salvaguarda da sua integridade, segundo o jornal.
A Lusa tentou contactar a diretora do MNAC, Emília Ferreira, mas até ao momento não obteve resposta.
Contactada pela agência Lusa, a presidente do Conselho Internacional dos Museus-Portugal (ICOM na sigla em inglês), Maria de Jesus Monge, considerou a situação em causa "muito grave, sobretudo numa altura de pandemia, em que as equipas dos museus estão a fazer um grande esforço para manter estes espaços abertos e a funcionar".
"Aparentemente há um desconforto por parte da tutela com esta exposição, porque contém maioritariamente doações dos próprios artistas", comentou Maria de Jesus Monge, acrescentando que "tem havido um anúncio de investimento do Ministério da Cultura em arte contemporânea, mas isso é posto em causa nesta mostra. O que se veria ali é a boa vontade dos artistas".
De acordo com o Público, a exposição "é composta exclusivamente por obras compradas pelo Estado ou doadas por colecionadores e artistas na última década", e inclui nove compradas com dinheiros públicos, de autores como Columbano Bordalo Pinheiro ou José Maçãs de Carvalho, "mas a esmagadora maioria do acervo de que é feita 'Dissonâncias', resulta de doações de artistas" como Ana Vidigal, Cristina Ataíde, Rodrigo Oliveira, Inês Norton, Pires Vieira, e de outras do Grupo de Amigos do museu ou de colecionadores privados, como Maria João Santos, Armando Cabral e Teresa Baldé.
Na opinião do presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), João Neto, "é uma situação grave, na medida em que as obras foram doadas, e os doadores devem merecer respeito pela tutela".
"Foi uma desatenção, um lapso estratégico, pois se o Ministério da Cultura tem vindo a comprar obras de arte contemporânea a artistas, deveria ter, no mínimo, consideração pelos artistas que não venderam – mas doaram - as suas obras a todos os portugueses, para ficarem num museu", sustentou o responsável, contactado pela Lusa.
Para João Neto, "são visíveis os problemas que a pandemia causou nas finanças do Estado, mas esta era uma das exposições que deveria realmente abrir”.
“É uma pena que o anúncio de centenas de milhares de euros investidos em arte contemporânea não tenha resolvido também esta situação", disse, referindo-se ao anúncio, em julho, da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre a aquisição de 65 novas obras por 500 mil euros, e um valor de 650 mil para novas aquisições em 2021.
A presidente do ICOM-Portugal, Maria de Jesus Monge, vai mais longe e diz que o que está em causa "não são dez mil euros que a exposição custa, mas é muito mais profundo, com repercussões a nível do concurso aberto para as direções de museus e monumentos, pois a pessoa que pretendem para o lugar não é a atual diretora".
A responsável referia-se aos concursos internacionais para seleção de direções de museus e monumentos nacionais, abertos em junho, e prolongado até 10 de agosto, devido a uma retificação no aviso concursal.
Um mês depois da abertura, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) viria a especificar, em Diário da República, a exigência de formação nas áreas de museologia, património, conservação e restauro, nos concursos, colocando, em vez de "formação pós-graduada nas áreas disciplinares relevantes ao cargo a prover", a exigência de "formação pós-graduada nas áreas disciplinares da Museologia, do Património e da Conservação e Restauro", no perfil a valorizar pelo júri.
Uma interpretação que o presidente da APOM não segue: "Quero crer que não tem nada a ver com a realização dos concursos internacionais, mas sim um erro estratégico da parte da tutela, que deveria até ter juntado a apresentação das novas obras de arte contemporânea adquiridas com a inauguração desta exposição", no MNAC.
"Não pode estar ligada aos concursos. Aí sim, seria muito grave", reiterou João Neto.
A Lusa pediu esclarecimentos à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), e aguarda resposta.
Ao jornal Público, que contactou este organismo, sobre a situação desta exposição, no MNAC, e dos projetores avariados, a DGPC respondeu: "No que concerne especificamente aos procedimentos de contratação pública referidos, informamos que a legislação aplicável exige uma tramitação que está a ser realizada em articulação com a direção do museu".
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