Em fevereiro o país ficou a conhecer Ricardo Robles. Até então desconhecido da maioria, o líder do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa nos últimos quatro anos foi o escolhido pelo partido liderado para por Catarina Martins para lutar pela presidência da capital.
A presidência é o objetivo último de todas as candidaturas, mas na prática cada partido ou movimento conhece bem as forças e as fraquezas, as suas e as dos outros. O que faz com que, mais do que apenas visar a conquista da presidência, se estabeleçam as balizas do que é um bom e um mau resultado. E o que é um bom resultado para o Bloco? Duas coisas. Primeiro, um lugar de vereação. Depois, colocar um fim na maioria absoluta de que Fernando Medina dispõe.
O rosto de Robles invadiu as ruas de Lisboa e o candidato dos olhos azuis, como tanta gente lhe chamou quando falava com as pessoas nas ações de campanha e arruadas, pediu uma “cidade partilhada”. E, se as sondagens estiverem certas, a cidade ouviu-o.
Envergando as bandeiras da habitação, transportes e transparência, o candidato bloquista diz que acertou na ‘mouche’ nos temas centrais da sua candidatura. Foram estes os temas que levou para a rua e aos quais as pessoas responderam, diz o próprio ao SAPO24. “Olharem para o Bloco como a candidatura que pode responder aos problemas, aos quais não foram dadas respostas nos últimos 10 anos, de maiorias absolutas do PS em Lisboa, é um ponto muito positivo e que nos anima muito na última semana”.
Reclamando uma cidade que deve ser devolvida aos lisboetas, Robles diz que o PS tem construído uma cidade “pela chaminé” e que os últimos anos de maioria absoluta não têm sido benéficos para os munícipes. “O poder absoluto convive muito mal com a transparência”, sublinha.
Com a sondagem da Universidade Católica para o JN, a atribuir 8% das intenções de voto dos lisboetas a Ricardo Robles, o Bloco pode estar à beira de uma votação histórica na capital. E a isso, o candidato bloquista diz que veio para ficar, que é isso que o difere dos outros candidatos, que não é o candidato que se “evapora para afirmar a sua candidatura legislativa”.
Já estamos a entrar nos últimos dias de campanha. Qual é o balanço que faz destas duas semanas oficiais?
Para mim a campanha começou há sete meses, em fevereiro. Agora é um bocadinho o acelerar em termos de iniciativas públicas, mas a campanha decorreu durante todos estes meses. O balanço é muito positivo. Escolhemos algumas prioridades, que definimos logo no início da campanha, como a habitação, os transportes e a transparência, e temos notado que têm sido esses os temas escolhidos quando foram feitos debates na televisão e têm sido esses os temas que Fernando Medina tem tentado escolher.
Acertaram na 'mouche'.
Sim (risos). Acho que as prioridades do Bloco foram bem escolhidas.
E na rua, o que é que as pessoas lhe têm dito? Na televisão vê-se algumas pessoas a meterem-se consigo como o "candidato dos olhos azuis".
Tenho recebido muita simpatia das pessoas. Algumas vezes as pessoas fazem comentários por causa da cor dos meus olhos e sobretudo por causa dos outdoors que estão na rua, mas têm sido sempre mensagens simpáticas. Acho que as pessoas estão a receber bem a campanha e as nossas propostas. Desse ponto de vista, do contacto com as pessoas, tem sido muito favorável.
“O poder absoluto do PS em Lisboa com a mesma equipa, a dizer que vai tratar do mais importante (…) vai voltar a privilegiar a lógica do urbanismo dos negócios, dos negócios mal explicados em termos de transparência na cidade”.
É desta que o Bloco de Esquerda vai conseguir o lugar de vereação que tem fugido há vários anos e que há quatro anos fugiu por apenas 52 votos?
Os dados que temos de sondagens, e o que temos da sensibilidade e contacto na rua, apontam para isso. As pessoas vêm ter connosco e vêm ter comigo para me contar sobre as suas dificuldades. Vêm-me contar os seus problemas de habitação, os mais velhos dizem-nos que estão a ser pressionados para sair, os mais novos não conseguem encontrar casa no centro a preços razoáveis, pelo menos para os seus salários. A questão dos transportes, a dificuldade que é circular na cidade... Olharem para o Bloco como a candidatura que pode responder a estes problemas, aos quais não foram dadas respostas nos últimos 10 anos, de maiorias absolutas do PS em Lisboa, é um ponto muito positivo e que nos anima muito na última semana.
A campanha do PS é a do "agora é que é", como o Ricardo tem dito?
O candidato Fernando Medina apresentou-se um bocadinho a ele próprio como o "agora é que é". Em 2007 e em 2009 prometeram creches para Lisboa. Não o fizeram e agora é que vão tratar das creches. Prometeram habitação a custos acessíveis e agora é que a vão tratar quando agravaram o problema e o acesso à habitação em Lisboa. Sobre os transportes, encolheram sempre os ombros e disseram que não tinham nenhuma responsabilidade, mas agora é que vão tratar. É um bocadinho a candidatura que pede uma nova maioria absoluta para voltar a fazer o que não fez.
"As pessoas sabem que o candidato do Bloco de Esquerda, no dia 2, vai estar na Câmara Municipal de Lisboa. No dia 2 não desaparece, não se evapora para afirmar a sua candidatura legislativa".
Então é isso que será uma vitória do Bloco nestas eleições? Conseguir um lugar na vereação e impedir a maioria absoluta?
Sim, estamos a poucos dias das eleições, no dia 1 de outubro, e o que temos em cima da mesa é isso: se voltamos a ter uma maioria absoluta ou não. O poder absoluto do PS em Lisboa com a mesma equipa, a dizer que vai tratar do mais importante - da habitação, das creches, das escolas, do espaço público - com uma maioria absoluta. As garantias são muito poucas ou nulas. Medina vai voltar a privilegiar a lógica do urbanismo dos negócios, dos negócios mal explicados em termos de transparência na cidade... Há pouco fomos visitar uma escola que continua a precisar de obras, que tem uma biblioteca fechada, porque não tem auxiliares, tem um espaço de recreio que não pode ser usado, porque não existem pessoas para olhar pelas crianças.
Está a dizer que Medina privilegia uma Lisboa que não é para os lisboetas?
Vai continuar a privilegiar tudo, menos o que é importante para as pessoas, aquilo que faz disto uma cidade. Ou seja, gente a viver aqui e gente que se pode movimentar para o trabalho, para a escola, para a universidade e vai continuar a não ter soluções. Eu acho que essa é que é a grande decisão do dia 1: se temos uma maioria absoluta que se volta a esquecer disto ou se pelo contrário podemos ter o Bloco de Esquerda na Câmara a pôr estes assuntos na ordem do dia.
O Ricardo tem um passado reivindicativo quer em associações estudantis, quer na presença em alguns protestos mais mediáticos - esteve em Génova em 2001 nos protestos contra a reunião do G8, quando o jovem manifestante Carlo Giuliani foi morto -, na Assembleia Municipal manteve esses estatuto. No entanto parece que é talvez o candidato com menos notoriedade, pelo menos antes da campanha. Isso causou dificuldades?
Eu tive um mandato de quatro anos na Assembleia Municipal (AM). Não há muito destaque no trabalho feito na AM, que é um órgão muito importante de fiscalização da cidade. Mas a campanha permitiu-nos essa visibilidade. Portanto, hoje, essa simpatia que recebemos na rua mostra que há essa diferença de reconhecimento do trabalho do Bloco feito em Lisboa. Mas há sobretudo uma grande vantagem: as pessoas sabem que o candidato do Bloco de Esquerda, no dia 2, vai estar na Câmara Municipal de Lisboa. No dia 2 não desaparece, não se evapora para afirmar a sua candidatura legislativa.
Há alguma outra que sofra esse risco?
A da candidata Assunção Cristas que vai assumir outros cargos políticos noutras zonas que não a de Lisboa. A candidatura do Bloco é para tratar dos problemas de Lisboa e é para ficar em Lisboa e eu acho que os lisboetas vão valorizar isso. Sabem que há dificuldades que têm de ser vencidas e que só podem ser vencidas por quem cá está, por quem lê os dossiers, por quem faz contas para apresentar propostas e assume responsabilidades. Lisboa não pode ser um trampolim, Lisboa não pode ser uma montra para afirmação política ou pessoal.
"As pessoas reconhecem que a sua vida está a mudar, que foi resgatada a esperança porque não houve uma maioria absoluta do PS no país. Em 2015 houve essa mudança, há uma alteração de paradigma. Houve sempre a chantagem da maioria absoluta no país e agora demonstrámos o contrário. Ruiu essa ilusão."
O Ricardo tem isso mesmo no cartaz: "um mandato por inteiro". A Câmara foi um trampolim para António Costa e vê isso a acontecer com mais algum candidato, ou só em Assunção Cristas?
A história diz-nos isso, que as candidaturas a Lisboa são usadas como um trampolim, como uma afirmação política pessoal ou partidária de liderança ou de tentativa de aceder à liderança. A candidatura do BE não serve para isso, serve para resolver os problemas de Lisboa e dos lisboetas, serve para se dedicar à cidade. As pessoas dizem-me isso na rua, "não se esqueça de nós". Depois é preciso estar cá. Cá ficar. E eu tenho garantido às pessoas que não me vou embora, vou assumir o mandato por inteiro, é isso que diz o nosso cartaz e é isso que faremos.
Na comunicação social tem-se falado muito num entendimento pós-eleitoral entre o BE e o PS, o Ricardo já disse que Lisboa merece uma solução governativa como a do país. Rendeu-se ao modelo da geringonça?
Eu acho que as pessoas reconhecem que a sua vida está a mudar, que foi resgatada a esperança porque não houve uma maioria absoluta do PS no país. Em 2015 houve essa mudança, há uma alteração de paradigma. Houve sempre a chantagem da maioria absoluta no país e agora demonstrámos o contrário. Ruiu essa ilusão. Não são as maiorias absolutas, é a convergência política, são os compromissos políticos em que todos podem participar.
Uma política de consensos?
Uma política de esquerda, de compromisso político em que assumimos compromissos com as pessoas e tentamos melhorar as suas vidas. E em em Lisboa, os últimos oito anos de maioria absoluta indicam isso mesmo: foram esquecidas as prioridades. Em Lisboa precisamos não de uma maioria absoluta, mas de compromissos sérios para uma viragem à esquerda.
Estamos aqui no Intendente que foi uma área que foi recentemente recuperada e que foi uma das bandeiras ainda do mandato de António Costa. O que lhe apraz dizer sobre a mudança aqui feita?
A requalificação do espaço público é uma mudança importante na cidade e há zonas da cidade mais bonitas, mais agradáveis, mais confortáveis para passear. Isso é uma boa notícia. Mas depois temos outros problemas. Atrás de si está a decorrer uma obra que era para ser uma residência universitária. António Costa assumiu esse compromisso, seriam dezenas de quartos que tanta falta fazem à cidade. E tanta falta faz ter jovens estudantes a viver no centro da cidade. Mas desengane-se quem acha que vai ser assim. Está ali uma tela afixada nesse mesmo edifício que diz "condomínio de luxo". Serão apartamentos a 500, 600, 800 mil euros. E isto não é fazer uma cidade partilhada, é fazer uma cidade guetizada onde reservamos os melhores espaços de Lisboa, aqueles que requalificamos com investimento público para ser usufruído apenas por alguns. Não é esse o modelo de cidade que defendemos. Defendemos uma cidade requalificada em que todos podem usufruir e que não expulsamos quem cá vive para criar um gueto de endinheirados.
É uma obra feita para os lisboetas que acabou por ser absorvida pelo turismo e pelo modelo governativo de Medina que há pouco falava?
A questão do turismo é que nós temos de preparar a cidade. E Fernando Medina nos últimos anos não quis saber de regras para o turismo. Isso é mau para quem cá vive, mas também é mau para o próprio turismo. Porque quando prejudicamos a cidade, prejudicamos os lisboetas, os expulsamos da cidade, quando criamos maus transportes públicos sobrelotados em que não confiamos, quem nos visita também sai prejudicado porque não pode circular na cidade, porque vem visitar uma cidade montra onde não existem pessoas.
Uma cidade para inglês ver?
É uma cidade para turista ver, mas o que um turista quer ver é uma cidade com pessoas, com a sua cultura, com o seu património, com os seus hábitos diários. Aquilo que marca a identidade das cidades são as pessoas e não montras.
O 'alfacinha' é uma espécie em vias de extinção?
Eu temo que sim. Em algumas zonas dos bairros históricos já temos mais indústria hoteleira, alojamento local, do que temos residentes e isso é um problema muito grave na cidade de Lisboa. E por isso é que defendemos propostas muito claras sobre a regulamentação do turismo em Lisboa.
Tais como?
Primeiro, a indústria hoteleira tem de se dissipar pela cidade. Manuel Salgado, vereador do urbanismo que tem mandado nas decisões mais importantes da cidade, disse num debate, há poucas semanas na Assembleia Municipal, que licenciou 33 novos hotéis na baixa lisboeta, 150 mil metros quadrados. Isto eram espaços que serviam de habitação antes, que serviam de comércio local. Criámos uma densidade de oferta de hotelaria que expulsa as pessoas do centro da cidade. Isso é uma política errada. Não podemos fazê-lo, temos de limitar a abertura de novas unidades hoteleiras.
"Nos debates, Fernando Medina tem ficado muito crispado com o BE porque nós lhe dizemos que ele está a fazer uma parceria público privada. E ele fica crispado porque sabe que é verdade. O que ele está a fazer é entregar património municipal a fundos imobiliários privados".
E depois temos o alojamento local.
Sim, os últimos dados dizem-nos que no primeiro semestre de 2017 registaram-se mais 2700 unidades de alojamento local em Lisboa. Isto é uma drenagem de fogos que serviam de habitação para a indústria hoteleira. Temos de distinguir o que é alojamento local do que é turismo habitacional. Se tiver uma casa e tiver um quarto vago e quiser receber turistas, isto é alojamento local. Se na sua casa, sai durante os meses de verão e vai para casa dos seus pais ou vai para um sítio diferente do de Lisboa, e arrenda, isso é alojamento local. Ou seja, está a disponibilizar a casa onde vive sempre algum período do ano para ser utilizado. Outra coisa é uma indústria que adquire 10 apartamentos, prédios inteiros e que cativa esse recurso essencial que são casas para habitar para a indústria hoteleira. E essa tem de ser tratada com regras próprias, licenciamento próprio e sobretudo quotas. Não podemos ter a freguesia de Santa Maria Maior sequestrada pelo alojamento local. Uma em cada cinco casas de habitação já está no alojamento local. Estes eram dados de alguns meses atrás, agora poderá ser mais.
E por último, o que os lisboetas não aceitam é que a taxa turística, que o ano passado foram 15 milhões de euros, seja gerida pelos donos dos hotéis. Esta é uma receita do município, tem de ser o município a decidir o que faz com estes milhões de euros.
E para onde a quer canalizar?
O compromisso do BE é que seja aplicada para adquirir habitação que possa ser arrendada a custos controlados. Se a cidade está sob uma pressão turística grande e se parte dessa pressão se reflete na crise de habitação, da disponibilidade de habitação, então vamos pôr o município, como se faz noutras capitais europeias que estão a passar pelo mesmo, a adquirir casas para que sejam disponibilizadas a custos controlados, ou seja, dizer a quem está a ser expulso "nós temos uma alternativa, nós temos aqui casas para vocês, podem viver em Lisboa".
Se for eleito vereador conta com o governo para rever a lei do arrendamento?
Muitas destas medidas têm de ter o suporte legislativo adequado, seja no alojamento local, seja no próprio apoio da promoção de habitação municipal e, com certeza que aí nos estamos a apresentar na AR com o Bloco de Esquerda, e temos de fazer essa pressão junto do Governo.
O que acha do programa de rendas acessíveis apresentada por Medina?
Nos debates, Fernando Medina tem ficado muito crispado com o BE porque nós lhe dizemos que ele está a fazer uma parceria público privada. E ele fica crispado porque sabe que é verdade. O que ele está a fazer é entregar património municipal a fundos imobiliários privados que ficam com 30% de todas as casas, 2500 casas. [Os fundos] constroem e reabilitam, e depois ficam com as rendas durante 20, 25, 35 anos. Portanto, quando eu e Fernando Medina tivermos 70 anos essas casas serão património municipal. Esta é uma estratégia errada, é absurda. Os portugueses estão escaldados com as parcerias público privadas. Foram nas auto estradas, nas pontes, nos hospitais, no SIRESP e agora vamos à habitação? A habitação tem de ser uma prioridade da política pública, garantir que há casas para todos.
Mas o que é que o Bloco apresenta concretamente como alternativa?
O BE fez as contas e apresentou um programa alternativo. Ou seja, através de um programa de recuperação ou construção, o que tiver de ser, 7500 casas. São 560 milhões de euros que nós financiamos anualmente, 140 milhões de euros por ano, da seguinte forma: 30 milhões da taxa turística, 50 milhões do fundo de estabilização financeira da segurança social, 50 milhões do financiamento bancário e 10 milhões de cooperativas habitacionais.
"Estamos a construir Lisboa pela chaminé. Temos de ir às fundações. E as fundações de uma cidade partilhada, que pode ser usufruída por todos, tem que ter bons transportes públicos em que as pessoas possam confiar."
Voltando ao Intendente. Esta foi uma das grandes obras de António Costa, as obras deste ano no eixo central foram a bandeira de Medina. O que acha da requalificação?
Essas obras tornaram a cidade mais bonita naquela zona. Os passeios estão mais confortáveis, temos um incremento de ciclovias que pela primeira vez começam a ser funcionais. Ou seja, as pessoas utilizam-nas para ir para o trabalho, para a escola, para a universidade.
Mas o problema destas obras, se lá for agora, é que vai passar muito tempo fechado dentro do carro. Porque não conseguiu resolver o problema do carro. Porquê? Porque não há alternativa. É preciso transportes públicos de qualidade na cidade de Lisboa.
Mas concorda que esse é o caminho para uma grande cidade europeia. Uma cidade com cada vez menos carros?
Eu acho que se está a construir a casa ao contrário. Primeiro temos de garantir alternativas, bons transportes públicos e depois resolver o problema da entrada de carros, em Lisboa.
Medina está a construir Lisboa pelo teto?
Diria até que estamos a construir Lisboa pela chaminé. Temos de ir às fundações. E as fundações de uma cidade partilhada, que pode ser usufruída por todos, tem que ter bons transportes públicos em que as pessoas possam confiar. Se marcámos este encontro agora, e vocês vieram de outra parte da cidade, era bom saber que quando se metem no metro, quando se metem no autocarro da Carris, chegam a tempo. E julgo que neste momento não podem confiar nisso de maneira nenhuma. Eu pelo menos não confio. Tento utilizado muito mais o metro, também uso a Carris, e a maior parte das vezes sou defraudado nas minhas expectativas de chegar a tempo aos locais. E assim os lisboetas também. Reflexo disso é que no último semestre, a Carris, foi o único grande operador do país de transportes públicos que continuou a perder passageiros. Foram 500 mil viagens no último semestre e já está sob a gestão da Câmara. Medina, e o PS, passou os últimos anos a encolher os ombros a dizer que não podia fazer nada, quando já podia ter feito alguma coisa, mas continua a perder passageiros.
Quais é que são os seus planos para a Carris?
Na segunda-feira estivemos nas oficinas da Carris, na manutenção, e é preciso recuperar a Carris. E para isso é preciso investir em recursos humanos, é preciso investir em novos autocarros e sobretudo em elétricos. Fernando Medina, o PS, tinha no seu programa, em 2007, prolongar a linha do elétrico 15 até ao Parque das Nações, reabrir o 24.
Essas medidas voltam a estar no programa.
10 anos depois! É muito tempo perdido. São mais do que precisas estas linhas de elétrico, é preciso reforçar as existentes. Há uma grande pressão do turismo, as pessoas gostam, os turistas que visitam Lisboa veem como típico andar de transportes públicos de elétrico, mas é preciso que as pessoas da Graça que usam e que usavam o elétrico continuem a usar, para ir ao mercado, para irem buscar os filhos à escola... E neste momento estas linhas estão sobrecarregadas e é preciso investir aí. Depois, a questão fundamental sobre a rede de mobilidade de Lisboa é o metro. Porque esse é o meio de transporte mais robusto da cidade, com maior capacidade. E o erro fundamental que Medina está a assumir, e que nós já lhe dissemos, é a escolha da rede circular.
O projeto que fecha o Rato no Cais do Sodré?
Sim. Isso dá um ligeiro incremento de eficiência no centro, onde já temos relativamente boa cobertura, mas volta a esquecer uma zona da cidade onde vivem 100 mil habitantes que é a zona ocidental - Campo de Ourique, Campolide, Alcântara, Ajuda e Belém. Estes milhares de lisboetas estão sempre esquecidos onde há maus transportes. Nós estivemos na Ajuda neste fim de semana e voltámos a falar com pessoas que nos dizem que estão esquecidos, que estão reféns nesta zona da cidade. Não podemos ir a Lisboa, dizem. Eles sentem-se fora de Lisboa e estão na Ajuda, não é? Se há recursos para investir e se esses recursos são limitados vamos aproveitá-los bem.
“A transparência é um dos principais problemas da gestão de Fernando Medina. Aliás, as maiorias absolutas, o poder a absoluto convive muito mal com a transparência (…) foi o Hospital da Luz, foi o terreno de Alcântara entregue ao grupo Mello, foi a torre de Picoas, o caso do prédio na 24 de Julho e a questão das concessões em Monsanto…”
O idílico seria o projeto de Assunção Cristas, de mais 20 estações?
Sim, mas nós não estamos a falar de programas idílicos, nem de entusiasmos autárquicos para 2030. Nós temos de resolver os problemas das pessoas já, recuperar o serviço do metro, torná-lo eficiente. Se temos recursos para investir, então, vamos fazê-lo de forma adequada. Assunção Cristas não se está a candidatar ao mandato de 2030, está a candidatar-se a 2017.
Falar de transportes, nesta semana, é impossível sem lhe pedir um comentário à proposta de Joana Amaral Dias que pede uma zona exclusiva para mulheres nos transportes públicos. O que acha da proposta da candidata do Nós, Cidadãos!?
Acho que é um disparate. É guetizar as mulheres, é uma espécie de apartheid. Não faz sentido. A cidade precisa de olhar para todos os lisboetas e garantir direitos, segurança e conforto a toda a gente. Isso tem de ser uma prioridade. Portanto, o espaço público, os transportes... as ruas de Lisboa têm de ser espaços confortáveis para toda a gente, as mulheres inclusivamente. Só garantindo isso em todo o lado é que avançamos para uma cidade mais justa e mais equilibrada.
O terceiro grande tema dos seus cartazes é transparência. Em quê é que tem falhado este executivo?
A transparência é um dos principais problemas da gestão de Fernando Medina. Aliás, as maiorias absolutas, o poder a absoluto convive muito mal com a transparência. E nós temos tido exemplos claríssimos, o Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal trouxe para discussão pública alguns dos maiores escândalos na cidade desse ponto de vista. Foi o Hospital da Luz, foi o terreno de Alcântara entregue ao grupo Mello, foi a torre de Picoas, o caso do prédio na 24 de Julho e a questão das concessões em Monsanto...
"Quando abrem concursos para isto, surge uma empresa, uma única empresa candidata que é constituída 15 dias antes de o concurso fechar com capital social de 100 euros. Isto não é aceitável de maneira nenhuma. Acho que é um abuso do poder absoluto."
... e a questão da Segunda Circular.
A questão da Segunda Circular exatamente. Para lhe dar um exemplo, Fernando Medina entregou por 30 anos seis espaços em Lisboa. Só num destes espaços, que são 30 mil metros quadrados de terreno, que é a Quinta da Pimenteira, permite ter um hotel de 120 quartos/camas. E entregou tudo isto por 2.600 euros por mês. Nos primeiros três anos, só pagam mil euros por mês. Entregou a casa do presidente [da CM Lisboa]. A residência oficial do presidente da câmara terá uma placa na porta a dizer: 'arrenda-se quartos'. Isto é inaceitável, é um negócio inexplicável. Aliás, o Bloco de Esquerda vai voltar a este tema e a insistir no próximo mandato. Quando abrem concursos para isto, surge uma empresa, uma única empresa candidata que é constituída 15 dias antes de o concurso fechar com capital social de 100 euros. Isto não é aceitável de maneira nenhuma. Acho que é um abuso do poder absoluto.
Mas acha que devia ser investigado?
Nós tentámos criar... Aliás, esta concessão nem sequer foi à Assembleia Municipal. Fomos nós que fizemos requerimentos para que nos informassem. Foi uma exigência de transparência, uma exigência da democracia conhecer os negócios que se fazem em Lisboa. E portanto estar na Câmara Municipal também nos permite isso. Permite-nos aceder a estes dossiers e ter conhecimento.
Vai colocar isso ao dispor dos cidadãos caso seja eleito?
Com certeza que sim. Nós temos propostas muito concretas relativamente à transparência. A primeira é que haja um registo de interesses dos eleitos. Ou seja, em primeiro lugar é saber para quem trabalham, para quem trabalharam, quanto recebem, quanto receberam. Em segundo lugar, é preciso disponibilizar aos lisboetas as decisões da Câmara: os contratos, as adjudicações, os apoios e subsídios, as atas de reunião. Hoje se quiser saber o que é que foi discutido na última reunião, não tem acesso. Tem acesso à minuta, não sabe o que é que foi decidido. Isto é inaceitável do ponto de vista de transparência. E depois, por último, a questão das manifestações de interesse dos privados em património municipal tem que estar disponível online. Temos de saber quem está interessado no quê. E só assim podemos evitar casos como o do Hospital da Luz que é absolutamente escandaloso e foi uma garantia para um grupo privado, na altura o BES saúde, e que que demoliu o quartel de bombeiros mais moderno da cidade que tinha custado 12 milhões de euros.
Uma obra da responsabilidade de Manuel Salgado.
Manuel Salgado foi o autor do projeto do Hospital da Luz e tanto quanto sei o filho é o responsável pela ampliação.
Há pouca transparência nestes casos e sobretudo a questão fundamental que é a das alterações urbanísticas. O Hospital da Luz só pode fazer isto porque houve uma alteração cirúrgica ao Plano Pormenor de Benfica que permitiu que o quartel pudesse ser demolido e ser feito um Hospital nessa zona.
O quartel desapareceu?
O quartel e o museu desapareceram. Mas, como lhe dizia, a alteração urbanística é que é o ponto grave e que dá o início a tudo isto. E na Câmara Municipal não houve nenhum vereador, nem da oposição, que se tivesse levantado e dissesse 'isto é inadmissível, votamos contra'. Não pode ser assim, é preciso que esteja lá alguém e olhe para estes problemas e casos graves de transparência e que faça alguma coisa.
De acordo com as últimas sondagens, o Bloco de Esquerda está à beira de uma história eleição. Qual é que é a sua ambição no partido e na política?
A minha ambição é ser um vereador em Lisboa que faz a diferença na vida dos lisboetas. Muda a cidade, faz uma viragem no que foram estes anos de maiorias absolutas do PS em Lisboa. Não podemos perder mais tempo. Não podemos perder mais tempo nas escolas das crianças em Lisboa, nos autocarros, no metro, na habitação... O meu maior objetivo é estar na Câmara de Lisboa e virar a política da cidade, porque é isso que precisamos.
(Artigo corrigido às 16h21: Onde se lia que Ricardo Robles poderia ser o primeiro vereador eleito pelo BE à CML, passa a ler-se "o homem que pode conseguir o primeiro mandato do Bloco de Esquerda para a vereação em Lisboa, não integrando a lista como independente".)
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