No sítio onde os textos não são feitos de palavras, mas são antes “fragmentos cerâmicos, restos de louça partida” e uma racha é uma “ferramenta feita a partir de cana natural, que servia para alisar e realizar incisões na peça de louça”, há “barros gordos” e “barros magros”, de acordo com a sua plasticidade.

Os termos podem gerar confusão a quem vem de fora, mas é por isso que o Roteiro das Olarias, em Vila Franca do Campo, vem equipado com um glossário, que adorna uma das paredes da Olaria do Mestre José Batata.

Lá se percebe que ‘escarrolar’, um termo que entrou no léxico micaelense como sinónimo de violência, vem do ofício da olaria e significa “desfazer, desmanchar” e que ‘sovadeira’ é uma “espécie de banco ou mesa para ‘sovar’ (bater) o barro”.

Mas o caminho traçado na freguesia de São Pedro começa na Rua da Cancela, onde, junto à loja dedicada ao roteiro, que foi também hoje inaugurada, se encontra a Olaria Mestre João da Rita.

O mestre que dá nome à casa não estava lá para ver a inauguração deste percurso, mas o seu filho, Rui Rodrigues, afirma que esta iniciativa, que partiu da Junta de Freguesia de São Pedro e foi concretizada pela Câmara Municipal, “vem de muito amor”.

“É uma iniciativa boa para quem quiser aprender, para dar futuro à continuidade da vida”, considera o oleiro, que quer “chamar as pessoas para ver, fazer” e está disposto a ensinar.

Rui Rodrigues vê neste projeto uma maneira de “valorizar a arte da olaria”.

“Dar futuro” é um dos objetivos deste projeto que celebra uma indústria que assumiu um papel fulcral na atividade económica do concelho de Vila Franca do Campo, particularmente naquela freguesia da cidade, mas que hoje está reduzida a dois ou três oleiros que se dedicam em permanência.

Um ofício que transcende a técnica, lembra o presidente da Câmara Municipal, Ricardo Rodrigues, ao referir que, desses oleiros, há alguns “mais virados para essa área dos utensílios domésticos, outros com alguma criatividade, que é o caso do mestre José Batata, que inovavam, tornando o manusear do barro numa arte”.

Também Rui Rodrigues transformou o ofício que aprendeu com o pai, criando esculturas, como as duas Coroas do Espírito Santo que tem expostas no espaço que liga a loja à oficina.

“São obras que vêm da minha criatividade e também uma ajuda do meu pai. Da parte da escultura, foi tudo inventado, que eu aprendi por mim, como também na parte da roda. (...) Estou sempre evoluindo e espero evoluir cada vez mais”, afirma.

A oficina do Mestre José Batata é o terceiro ponto do roteiro, onde estão expostas algumas das peças do artista, que morreu em 2006.

O trabalho do artista merece um extenso elogio do pintor e escritor micaelense Tomaz Borba Vieira, testemunho em vídeo que pode ser visto neste espaço.

Mas antes de lá se chegar, há paragem obrigatória no Forno de Louça Manuel Jacinto Carvalho, que, em tempos, funcionou como forno coletivo, e que agora alberga conteúdos multimédia que explicam o processo de fabrico da louça e a importância que teve na economia do município e da ilha.

O roteiro termina junto ao mar, na Olaria-Museu Mestre António Batata, onde, com uma vista privilegiada para o ilhéu de Vila Franca do Campo, estão instaladas três rodas tradicionais, que podem ser usadas por todos.

Este espaço mantém a traça original e é usado pelo Museu Municipal para a realização de 'workshops', mas, aos sábados, está aberto para quem quiser servir-se da roda e da mufla, um forno de cozer barro, para fazer as suas peças.

O projeto do Roteiro das Olarias da Vila representou um investimento de 260 mil euros, que foram candidatados a fundos comunitários, e é promovido pelo Museu Municipal de Vila Franca do Campo.

A ideia “nasceu da Junta de Freguesia de São Pedro”, mas o projeto “foi muito acarinhado pela Câmara Municipal”, afirma o presidente da câmara.

“Quando uma Junta de Freguesia e a Câmara Municipal se juntam para retomar essa atividade – felizmente, ainda temos alguns oleiros, mestres, que continuam a ser os artistas de Vila Franca do Campo (…) – faz-nos acreditar que este projeto tem pernas para andar para o futuro, retomando uma tradição que envolveu muitos oleiros, aqui, em Vila Franca do Campo”, considera Ricardo Rodrigues.