“Temos a perceção de que existe uma crise, um impasse, uma dificuldade, mas sabemos que há doentes que não têm alternativa. Nós não podemos simplesmente fechar a porta e os doentes irem para outro lado”, disse diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
Mais de 30 hospitais do país estão a enfrentar constrangimentos e encerramentos temporários de serviços devido à dificuldade das administrações completarem as escalas de médicos, na sequência de mais de 2.500 médicos terem entregado escusas ao trabalho extraordinário, além das 150 horas anuais obrigatórias, em protesto após mais de 18 meses de negociações sindicais com o Governo.
Esta crise já levou o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, a admitir que este mês poderá ser dramático, caso o Governo e os sindicatos médicos não consigam chegar a um entendimento.
Em entrevista à agência Lusa, Roberto Roncon garantiu que neste hospital se faz “todos os dias das tripas coração para garantir resposta sem nunca pôr em causa o direito dos profissionais ao protesto”, mas advertiu: “Os recursos em saúde nunca foram ilimitados”.
“O posicionamento do Hospital de São João neste contexto difícil [de crise no Serviço Nacional de Saúde] é particularmente sensível (…). Temos tido reuniões quase diariamente com todos os chefes de equipa de urgência, com os diretores de serviço e com os diretores das unidades autónomas de gestão e está em cima da mesa a possibilidade de ativar um plano de contingência ou planos de contingência individualizados. Pode não fazer sentido ter um plano para todas as áreas”, descreveu.
Numa unidade hospitalar que, além da sua área de influência, já está a acudir aos hospitais de Viana do Castelo, Braga, Barcelos, Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Matosinhos e Tâmega e Sousa, ativar um plano de contingência, deslocando profissionais para a frente, significa adiar cirurgias programadas não oncológicas, consultas externas e a formação de profissionais.
“É importante que as pessoas percebam que estamos a fazer isto, não por capricho, mas porque não existe outro caminho. A alternativa é os doentes — e estamos a falar de doentes agudos graves que correm risco de vida — não serem tratados”, explicou.
Até aqui, disse à Lusa o diretor clínico do CHUSJ, “a suspensão de atividade programada foi apenas pontual”.
“Mas se me pergunta se a magnitude do problema pode aumentar nos próximos tempos? Claro que pode”, frisou.
Questionado sobre se limitar o acesso ao serviço de urgência, por exemplo aceitando apenas utentes encaminhados pelo INEM ou pela linha SNS24 e não quem entra pelo próprio pé, é uma opção, Roberto Roncon foi cauteloso na resposta.
“Impedir formalmente o acesso a um serviço de urgência é extremo. Acreditamos que existe um caminho alternativo, mas não podemos fechar a porta a nenhuma opção porque não sabemos o dia de amanhã. Esta crise tem imprevisibilidade”, disse, acrescentando um apelo.
“Peço às pessoas para, por favor, se não tiverem uma situação grave, recorrerem primeiro à linha Saúde 24, aos cuidados de saúde primários, ao médico de família…”.
Segundo Roberto Roncon, os episódios de urgência aumentaram nos últimos tempos, “mas não significativamente”, o que aumentou mais foi a referenciação do doente cirúrgico fora da área de influência do CHUSJ, bem como os doentes referenciados pelos cuidados de saúde primários.
“Mas com isto não estou a dizer que estamos bem. Nenhum centro hospitalar pode resolver esta crise isoladamente. Nós não temos recursos ilimitados”, insistiu.
À Lusa, Roberto Roncon, que dirige o corpo clínico de um hospital de fim de linha onde cerca de centena e meia de profissionais manifestaram indisponibilidade para fazer mais do que as 150 horas extra previstas na lei, disse que as especialidades mais afetadas são a medicina interna, a ginecologia e obstetrícia, a cirurgia geral, e lançou um alerta sobre possíveis constrangimentos “a breve prazo” na pediatria.
“Temos uma urgência metropolitana de pediatria e capacidade de resposta, mas tudo depende da duração da crise”, disse.
Já sobre a especialidade de ginecologia e obstetrícia, mais especificamente na resposta às grávidas, Roberto Roncon revelou que pode vir a ser necessário recorrer a hospitais vizinhos.
“As situações mais programadas [partos induzidos e cesarianas não urgentes por exemplo] podem vir a ser orientadas para outras unidades hospitalares que façam parte, não do eixo, mas da rede”, explicou, dando como possíveis opções o Hospital de Gaia ou o Centro Materno Infantil do Norte.
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