“Nesses terrenos funcionou um aterro [Beirolas] que está desativado e foi selado há 25 anos, mas não sabemos aquilo que está lá debaixo”, disse à Lusa o especialista em resíduos da associação Zero, referindo-se ao aterro de Beirolas, situado no município de Lisboa.
Será nos terrenos do antigo aterro de Beirolas que ficará localizado o altar-palco onde o Papa Francisco dará a missa final da JMJ.
A propósito desta obra, a Zero questionou a Câmara de Lisboa sobre a existência de estudos sobre a “estabilidade do aterro que garantam ser viável a colocação de uma estrutura pesada”, sem que “haja o perigo da libertação de gás (metano)”.
“Estamos a falar de uma situação fora do vulgar. A construção sobre um aterro que foi selado apenas há 25 anos. Vão estar aqui milhares de jovens e queremos conhecer os estudos que foram feitos”, justificou Rui Berkemeier.
A Câmara Municipal de Lisboa não tem prestado esclarecimentos quanto a esta questão. No entanto, numa resposta à associação Zero, partilhada com o SAPO24, a autarquia lisboeta, presidida pelo social-democrata Carlos Moedas, descreve um conjunto de procedimentos que foram tomados no local, nomeadamente a elaboração de estudos geotécnicos.
Segundo a Câmara de Lisboa, esses estudos revelaram que, pela positiva, “apesar do aterro sanitário ter sido desativado há mais de 25 anos, a tela de selagem superficial estava coberta por uma camada de solo com 1 metro de espessura média e mantinha a sua total integridade”, indica a CML.
No entanto, “as redes de extração de biogás e lixiviados estavam em muito mau estado e conservação, existindo vários poços de captação inoperacionais”, necessitando de uma “intervenção urgente de reabilitação”.
Que consistiu na “selagem dos poços danificados e inoperacionais, execução de 13 novos poços e reutilização de 12 poços existentes, com substituição de todas as cabeças de poço e reforço da selagem da tela”. Além disso, foi também prevista a troca da central de comando de todo o sistema na ETAR de Beirolas, incluindo um novo queimador de biogás dimensionado para o caudal que se estima ser produzido nos próximos 40 anos”, refere a nota.
A par de obras de reabilitação, a Câmara Municipal de Lisboa solicitou também ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) um estudo para avaliar a estabilidade do aterro, nomeadamente para a construção do altar-palco.
A autarquia refere que o estudo do LNEC conclui que há “capacidade de carga suficiente” para a construção no aterro. “O aterro de pré-carga provisório foi executado, e os assentamentos monitorizados ao longo de 3 meses, com o acompanhamento do LNEC, tendo-se concluído que os resultados foram mais favoráveis do que o inicialmente previsto, e que se poderia iniciar a remoção faseada do aterro, mantendo-se a monitorização dos assentamentos por mais 6 semanas. Com o acordo do LNEC, a remoção do aterro provisório iniciou-se a 14 de outubro, e terminou a 21 de dezembro”, indica a CML.
Questionado sobre estas garantias da Câmara Municipal de Lisboa, Rui Berkemeier diz estar “mais informado”, mas ainda “com dúvidas”. “Queremos conhecer o relatório do LNEC. Isto é importante tanto para o evento como para o futuro”, apontou.
O antigo aterro sanitário de Beirolas localiza-se na freguesia do Parque das Nações, em Lisboa, tendo sido selado na sequência da requalificação urbanística da Expo-98. Chegou a ter uma área de 17 hectares ocupados por lixos domésticos, com altura de 17 metros.
Também do lado do concelho de Loures existem preocupações relativamente aos terrenos que pertencem à Galp, onde chegou a funcionar um depósito, e que foram cedidos gratuitamente pela empresa para o evento.
“Enviámos uma carta para a Câmara de Loures e para a Galp para que nos enviassem todos os estudos e relatórios que foram feitos, para que percebêssemos se há ou não risco de contaminação”, explicou Rui Berkemeier.
O SAPO24 contactou a Câmara Municipal de Loures e a União das Freguesias de Santa Iria de Azóia, São João da Talha e Bobadela, cujo território abrange os terrenos cedidos para a JMJ, não tendo obtido respostas.
No entanto, contactada pela Lusa, fonte da Câmara Municipal de Loures refere que “os estudos e informação sobre os solos de que o município dispõe asseguram que a sua utilização pelas pessoas/peregrinos que participarão nos eventos da Jornada Mundial da Juventude (Vigília e Missa de Envio) não tem qualquer risco, nem recomendam a descontaminação, nomeadamente na parcela da Galp".
Já a Galp, em resposta ao SAPO24, explicou que desde a desativação do parque, no final da década de 90, a companhia “contratou uma empresa independente internacional que realizou três campanhas de caracterização do terreno: 1998, 2008 e 2016.”
“Já em 2020, na sequência do anúncio da realização da JMJ2023, foi realizado um novo estudo, por parte de uma empresa independente internacional, que concluiu que as condições atuais do terreno são aceitáveis para a ocupação prevista durante a JMJ2023, não levantando questões de saúde pública”, assegura a fonte da petrolífera.
O SAPO24 perguntou à GALP se seria possível divulgar tanto os resultados das campanhas de caracterização do terreno como o estudo de avaliação, não tendo recebido resposta. Ao Observador, no entanto, a petrolífera partilhou os resultados do estudo de avaliação. A principal conclusão é de que, após uma análise de sensibilidade ao tempo de exposição, por ingestão, contacto e inalação de partículas, concluiu-se que “não existe risco” para exposições de 24 horas para utilizadores do espaço e de oito horas por dia para trabalhadores de construção “durante os dias indicados no período de um ano”.
“De acordo com a Análise Quantitativa de Riscos, o único cenário com risco é a futura utilização como zona verde e apenas para a via de ingestão e contacto com solo superficial“, é indicado no relatório, sendo que “esta via de exposição é eliminada se não existir contacto direto entre os utilizadores e o solo contaminado (exemplo: caso o percurso nesta zona se faça através da solução de passadiço sobrelevado” ou existir pelo menos um metro de solo não contaminado à superfície”).
Ainda relativamente a estes terrenos da antiga Petrogal, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) reconheceu, numa reportagem datada de fevereiro de 2019 do jornal Público, ser necessário "proceder a uma avaliação da perigosidade".
Questionada pelo SAPO24 quanto ao que foi feito nos últimos quatro anos, a APA diz apenas ter transmitido à Galp “a necessidade da realização de um estudo de avaliação da qualidade do solo e das águas subterrâneas, uma análise de risco, caso aplicável, e a instrução de um pedido de licenciamento de operação de remediação de solos, caso viessem a confirmar a existência de contaminação”.
Quanto ao futuro dos terrenos, a Galp indicou que “planeia retomar o processo de remediação dos solos imediatamente após a sua devolução por parte da Câmara Municipal de Loures, que se estima venha a acontecer até dezembro 2023”, mas não especifica qual será o seu destino pós-JMJ nem se passarão a ser para usufruto público.
No entanto, no relatório acima mencionado, é sugerido pela Galp que os terrenos possam servir para projetos imobiliários, já que a empresa admite que já foi feita uma consulta ao mercado para que a remediação a efetuar se destine aos “valores objetivos de uma futura utilização residencial”. Ao Observador, a petrolífera garante ainda que não farão parte de um parque a cargo da Câmara Municipal de Loures.
A JMJ, considerado o maior acontecimento da Igreja Católica, vai realizar-se este ano em Lisboa, entre 1 e 6 de agosto, sendo esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas.
As principais cerimónias da JMJ decorrem no Parque Tejo, a norte do Parque das Nações, na margem ribeirinha do Tejo, em terrenos dos concelhos de Lisboa e Loures.
As jornadas nasceram por iniciativa do Papa João Paulo II, após o sucesso do encontro promovido em 1985, em Roma, no Ano Internacional da Juventude.
*com agência Lusa
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