Fonte oficial do Ministério da Cultura afirmou à Lusa, sem adiantar mais informações, que Fátima Marques Pereira sai “a seu pedido, por motivos pessoais”.
A saída acontece pouco mais de um mês depois de um relatório, sobre o processo de abertura da exposição “Dissonâncias”, no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), em Lisboa, denunciar tentativas de ingerência nas competências da direção, no conteúdo de textos curatoriais e violação do “espírito de autonomia dos museus”.
O relatório interno, a que a agência Lusa teve acesso, foi enviado pela diretora do museu, Emília Ferreira, ao gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca, e reúne as diligências realizadas pela responsável junto da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), entre maio e agosto, para pedir a resolução urgente dos problemas que impediam a abertura da mostra, adiada várias vezes.
“Dissonâncias” abriu ao público a 30 de setembro, com 85 obras de 45 artistas, dando a conhecer uma seleção das aquisições e sobretudo de importantes doações de artistas e mecenas para o MNAC nos últimos dez anos.
Adiada a abertura inicial devido à pandemia, o museu enfrentou vários problemas técnicos, entre os quais a necessidade de substituição de projetores antigos que deixaram de funcionar, impedindo a iluminação das obras, uma situação “estrutural” que a diretora refere várias vezes no relatório entregue à tutela.
No documento enviado à tutela, Emília Ferreira descreve os contactos realizados com a subdiretora-geral Fátima Marques Pereira, no sentido de viabilizar a abertura da exposição, e posteriormente dos pedidos daquela responsável para lhe serem enviados documentos sobre custos de adjudicações, e os textos das curadoras da mostra, Adelaide Ginga, e a própria diretora do museu.
Emília Ferreira conta, no relatório, que estranhou este pedido dos textos curatoriais, que, “em 20 anos de função pública, nunca” lhe tinha acontecido, e que, escreve, perante a lei do regime jurídico de autonomia dos museus, “constitui uma clara ingerência na atividade do museu e nas competências da sua direção”.
A diretora do MNAC dá conta ainda de que, numa reunião posterior com a subdiretora-geral, o teor não se centrou nas questões orçamentais, mas nos textos das curadoras, tendo chegado a comentar que os considerava uma “falha grave de falta de cultura institucional”, podendo, caso fossem tornados públicos, ser “muito graves” para a diretora do museu, sobretudo por ter manifestado a intenção de concorrer à futura direção, pondo “em causa a presente Direção-Geral do Património Cultural e a ministra” da Cultura.
Emília Ferreira relata ainda ter negado que os textos em causa tivessem essa intenção, “já que a exposição estava pensada há quase dois anos, portanto, muito antes desta Direção-Geral, e até da nomeação desta ministra [Graça Fonseca], e que, além disso, esta ministra estava pela primeira vez a criar uma política de aquisições de obras de arte”.
Rejeitando que a direção do museu tivesse qualquer “agenda política”, a diretora justifica, no documento, que os textos da mostra tinham um caráter de “balanço histórico” e sublinhavam “a dívida do MNAC para com os doadores, entre os quais se encontram vários artistas” e seus herdeiros, nomeadamente Arnaldo Fonseca e Jorge Silva Araújo, no domínio da fotografia portuguesa, e que, destaca, entre outros, permitiram “colmatar” várias “ausências” e “lacunas” no acervo da coleção.
A curadoria, referindo-se às novas vanguardas na segunda metade do século XX e século XXI, assinala ainda que “a representatividade deste período continua a apresentar várias e incontáveis lacunas na coleção do MNAC, que refletem a ausência de meios para a concretização de uma política coerente de aquisições, tanto mais que esta é a instituição nacional com a missão pública, há mais de um século, de garantir a representatividade da arte portuguesa e o seu legado”.
“Esta enorme lacuna tem sido, de forma errática, minimizada através da generosidade de artistas e colecionadores com a doação de obras”, lê-se ainda num dos textos curatoriais de “Dissonâncias”.
Noutras comunicações à DGPC, e já em agosto, sem ver resolvidos os problemas de adjudicações para obras no museu, em particular na iluminação, Emília Ferreira diz-se “desesperada com o abandono a que este museu foi votado”, alude a “legítimas reclamações dos visitantes” e apela à intervenção urgente da DGPC para evitar o “descrédito” para a entidade, de não conseguir abrir a exposição, argumentando, por exemplo: “Sem nada para oferecer [ao público] não conseguiremos mesmo receitas”.
O mesmo documento refere ainda que só depois do sucessivo adiamento ter sido noticiado pelo jornal Público, e de a DGPC ter respondido a várias questões colocadas pela agência Lusa sobre a situação, é que obteve, “por parte da subdiretora, a confirmação de que iria haver forma de financiar a exposição”.
Na altura, e na sequência de questões enviadas à DGPC pela agência Lusa sobre a montagem da exposição que não chegou a abrir nas datas previamente anunciadas, este organismo do Ministério da Cultura respondeu que o adiamento se deveu à pandemia de covid-19, que obrigou ao encerramento de espaços culturais entre 14 de março e 18 de maio.
“Devido à situação de pandemia e à necessidade de cumprimento do plano de contingência adotado pela DGPC, ao nível da segurança e saúde pública, tornou-se necessário o adiamento da inauguração da exposição por três meses”, justificou a entidade.
A DGPC acrescentava que a exposição “Dissonâncias” teve a sua “inauguração adiada para 30 de setembro de 2020, por acordo entre a diretora do museu e a DGPC, tendo em conta a necessidade de ajustar a programação do MNAC de 2020, face ao prolongamento de exposições anteriores em virtude da pandemia, e à necessidade de realizar os procedimentos de contratação pública essenciais à sua concretização, os quais estão neste momento adjudicados aos respetivos fornecedores”.
A Lusa contactou várias vezes Fátima Marques Pereira mas não obteve resposta até ao momento.
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