"Desde o início que [a Fundação ADFP - Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional] procura não depender do Estado", explica José Miguel Ferreira, gestor do projeto Turismo com Propósito. "E é aí que entra o turismo".
Embora a instituição não se financie apenas no turismo, este é parte da sua estratégia para ajudar desde crianças e jovens, a mulheres grávidas, refugiados, pessoas com deficiência, doença mental crónica ou sem-abrigo, sem depender exclusivamente do apoio do Estado, apesar de este ser um grande cliente.
O programa Sem Abrigo Zero, por exemplo, permitiu que servissem mais de 35 mil refeições a pessoas sem abrigo o ano passado, dando-lhes uma casa para irem comer, tomar banho e ter acompanhamento psicológico, "totalmente com fundos próprios". E, a partir deste ano, "os lucros gerados no turismo vão servir em primeira instância para financiar refeições a sem abrigo. A seguir, se ainda houver lucros, para outras atividades sociais da instituição".
Primeiro surgiu o Parque Biológico da Serra da Lousã, "a maior coleção portuguesa de animais em habitat natural", explica José Miguel Ferreira com orgulho. "A preservação de espécies, de sustentabilidade ambiental... é um projeto muito forte nesta dinâmica", acrescenta.
Refere especificamente o centro de recuperação de aves de rapina. "Todas as aves que estão dentro do parque biológico, se estivessem no exterior, morriam. Porque todas elas têm algum tipo de deficiência, de limitação. Tiveram uma lesão, foram alvejadas, magoadas... alguma coisa que as impede de viver no seu habitat de forma livre. Quando elas conseguem recuperar, soltamo-las, não ficamos com elas".
Dos trabalhadores do parque, "à volta de 70% tem algum tipo de deficiência", o que torna este projeto "brutal na parte da inclusão social". José Miguel Ferreira explica que é um sítio onde "a ADFP integra e inclui pessoas que estavam afastadas do mercado de trabalho", empregando-as nomeadamente como "tratadoras", fazendo a limpeza do sítio onde estão os animais, manuseando-os e dando-lhes comida.
"É engraçado porque, por exemplo, pessoas com alguma doença mental têm maior facilidade do que outra pessoa a fazer aquele tipo de trabalho. Apesar da limitação que têm, conseguem desempenhar aquela função se forem orientadas. Não têm a pressão do cliente, é terapia para elas, os animais são bem tratados... se calhar até melhor, porque há um cuidado, uma certa relação que criam com eles", explica o gestor do projeto.
Depois do parque biológico, a ADFP decidiu avançar para um restaurante junto ao parque, o Restaurante Museu da Chanfana, também em Miranda do Corvo. José Miguel Ferreira explica que, sendo a chanfana originária dessa zona, e sendo uma tradição em risco de se perder, foi uma forma de a associação gerar receitas, ao mesmo tempo que contribuía para o desenvolvimento regional da zona. "Insere-se nesta lógica de turismo de obter receitas e de ser guardião de um prato típico regional, de o enaltecer, de o promover".
A seguir constrói-se o Hotel Parque Serra da Lousã. "Em Miranda do Corvo não havia nenhum hotel quatro estrelas, portanto vem dar resposta a uma lacuna que existia", explica José Miguel. "Havia o parque, havia o restaurante, e havia condições para criar um negócio à volta da dormida, que funcionasse como âncora de tudo o resto”. Uma particularidade do hotel é ter 9 quartos acessíveis a pessoas com deficiência, o que "tem muito a ver com o registo da proprietária".
No hotel é mais difícil empregar pessoas com algum tipo de limitação. "Nós sentimos que não era bom nem para a oferta turística, nem para as próprias pessoas, sujeitá-las a esse tipo de pressão. Temos de compreender a circunstância de cada um", explica, "percebendo o que é que não podemos sujeitar as pessoas a fazer".
"Ainda assim, sempre que achamos que é possível, fazemo-lo", acrescenta, referindo-se a uma pessoa que não tem uma mão, e trata da manutenção porque "consegue fazer na mesma o seu trabalho", e a uma "empregada de limpeza recentemente contratada que é surda" e que não fala. "Não tem problema nenhum, ela é super ágil, super trabalhadora, e pode desempenhar" o seu trabalho. Refere ainda uma pessoa que, dadas as suas limitações, não consegue "trabalhar com a mesma velocidade dos outros" mas que faz um trabalho "onde não está sujeita à crítica do cliente, é valorizada e tem o seu salário".
A seguir construiu-se o Museu Espaço da Mente e o Templo Ecuménico Universalista, um espaço que apela à tolerância, "aberto a todas as religiões, ateus e agnósticos".
E assim se completa a analogia da ADFP do "trívio". Isto, segundo a língua da associação, é o parque, que representa a igualdade entre os homens e os animais, e o propósito da ADFP de receber as pessoas como elas são, tentando ajudá-las a reencontrar uma vida onde se sintam "valiosas" e voltem "a ter confiança". O museu, que representa o homem que, pelo uso de ferramentas, se distancia dos animais, e a vontade da instituição de mostrar que as pessoas conseguem evoluir "se trabalharem e potenciarem" as suas capacidades. E o templo, que é um espaço de liberdade absoluta e tolerância, e que representa os vários públicos que a ADFP recebe, "desde bebés a idosos, passando por pessoas sem abrigo, refugiados e pessoas de culturas muito diferentes".
José Miguel Ferreira dá o exemplo do responsável de recursos humanos. "Teve um acidente de carro, ficou numa cadeira de rodas. Nunca mais podia trabalhar na construção civil, mas tinha certas capacidades de organização e administração". A ADFP formou-o nessa área, dando-lhes as competências necessárias para o cargo que ocupa atualmente na instituição.
"Em 2019 já existia tudo isto, e surgiu a oportunidade de a ADFP comprar um hotel que já existia". Foi assim que surgiu o Conímbriga Hotel do Paço. E como já começava a ser um projeto com alguma dimensão, que tornava difícil passar a mensagem, criaram o projeto a que chamaram Turismo com Propósito.
"E, no fundo, estas três palavras resumem tudo o que temos: projetos turísticos, que servem em primeira instância para gerar lucros, que financiam a atividade social da instituição ADFP".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
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