O diretor executivo demissionário do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Fernando Araújo, foi hoje ouvido na comissão parlamentar de Saúde, a requerimento do PS, para explicar as razões que o levaram a pedir a demissão do cargo, após a ministra da Saúde ter dado 60 dias à organização para entregar um relatório com as reformas em curso.

Contudo, o relatório chegou antes de tempo e é já conhecido o seu conteúdo. “Apesar de nos terem dado 60 dias para a sua efetivação, realizámos, porém, a tarefa em metade do tempo, de modo a permitir que a tutela possa executar as políticas e as medidas que considere necessárias para o SNS com a celeridade exigida, evitando sermos considerados um obstáculo à sua concretização”, afirmou Fernando Araújo.

Também hoje, foi conhecido o nome que sucede a Fernando Araújo. António João Sant’Anna Gandra Leite d’Almeida, de 44 anos, é a escolha do Governo para liderar a Direção Executiva do SNS (DE-SNS),

No que consiste o relatório apresentado hoje?

O documento visou identificar o conjunto de intervenções estratégicas que foram realizadas com “um foco nos utentes, especialmente nos mais vulneráveis, construindo um SNS mais efetivo e inclusivo, não esgotando, porém, nem introduzindo toda a atividade realizada”, segundo o diretor executivo demissionário do SNS.

Nesse sentido, a DE-SNS dividiu o testemunho em 12 capítulos: “São mais de 600 páginas, às quais junta um conjunto de cerca de 350 anexos com mais de 8.000 páginas, mas não será seguramente a quantidade que é relevante”.

“Foi uma tentativa séria de elencar de forma transparente as mais de 200 iniciativas em que trabalhámos, os problemas e as soluções estudadas, podendo naturalmente ser objeto de decisões políticas distintas, porém, permitindo uma base sólida para o estudo dos processos”, declarou.

Quais os principais pontos do documento?

  • A falta de meios não foi usada como "desculpa"

A equipa liderada por Fernando Araújo lembra, no relatório, que em janeiro de 2023 não possuía estatutos, orgânica, serviços ou trabalhadores.

“Mas nem por isso deixou, desde o primeiro dia, de cumprir com todas as obrigações legais e administrativas”, lê-se num capítulo dedicado à instalação da DE-SNS e depois de a DE-SNS demissionária apontar que “não existiu tempo prévio, específico e dedicado, para a instalação das estruturas e desenho da organização interna”.

“A DE-SNS não utilizou como desculpa não possuir meios para realizar o seu trabalho, nem como argumentos a necessidade (que era plenamente justificada) de tempo para se instalar, de condições de funcionamento adequadas, ou de um número mínimo de profissionais adstritos, antes de iniciar a atividade para a qual tinha sido criada e de assumir as suas responsabilidades, que tentou observar, com qualidade e celeridade”, acrescenta.

Assim, a DE-SNS demissionária refere que “nunca se refugiou em questões processuais para não cumprir com as obrigações que lhe tinham sido confiadas, nos tempos certos” e elenca as “mais de 200 iniciativas realizadas”.

  • Novas medidas

Registaram-se novas medidas no tempo de Fernando Araújo no SNS, tais como a "incorporação dos hospitais psiquiátricos em hospitais gerais, de acordo com o Plano de Nacional de Saúde Mental, aprovado há vários anos, mas nunca concluído nesta dimensão".

Além disso, foi salientada a importância estratégica de incluir "a criação das unidades locais de saúde, promovendo uma verdadeira integração clínica, com elevada autonomia, aproximando a decisão do local de prestação, com respostas próximas e centradas nos utentes, focadas na prevenção da doença, sempre numa lógica de envolvimento dos profissionais e das instituições na sua constituição e desenvolvimento".

A equipa de Fernando Araújo realçou também que, "no fim do primeiro ano do mandato, mais de dois terços das medidas estão implementadas e as restantes devem estar concluídas no final do segundo ano, permitindo a avaliação do impacto da sua implementação e generalização.

As medidas em causa:

    • Autodeclaração de doença;
    • Emissão de certificados de incapacidade temporária no serviço de urgência;
    • Emissão de certificados de incapacidade temporária nos serviços de saúde privados e sociais;
    • Alargamento do período do certificado de incapacidade temporária, em determinadas condições médicas;
    • Sistema de verificação de incapacidade temporária, em juntas médicas da segurança social, por via eletrónica;
    • Alargamento para 12 meses de validade as receitas médicas e os pedidos de meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
    • Dispensa de medicação para patologia crónica, durante 12 meses, em farmácia comunitária;
    • Alargamento da vacinação sazonal, em farmácia comunitária, sem necessidade de receita médica;
    • Agendamento de consultas nos cuidados de saúde primários via SNS24;
    • Rastreios oncológicos integrados com os sistemas de informação dos Cuidados de Saúde Primários;
    • Acesso aos resultados dos MCDT realizados em serviços públicos, privados ou sociais;
    • Centros de avaliação medica e psicológica para a emissão de atestados de robustez física e psíquica.
  • As reformas e a necessidade de "cativar" médicos

“É crítico conseguir cativar médicos recém-especialistas e médicos que estejam fora do SNS (em Portugal ou no estrangeiro) para dar resposta às necessidades em saúde”, salienta o relatório.

O documento indica que este ano “é previsível que possam existir cerca de 5.000 aposentações (profissionais que atingem a idade para aposentação)", dos quais 1.901 médicos.

Além destes, a DE-SNS estima que possam se reformar 699 enfermeiros, 1.158 assistentes operacionais, 171 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, 794 assistentes técnicos, 139 técnicos superiores, 37 farmacêuticos e cerca de 198 profissionais de outras áreas.

“O SNS carece de um efetivo reforço dos seus ativos humanos, de forma a acompanhar a maior exigência na prestação de cuidados, com uma população cada vez mais envelhecida e com mais comorbilidades associadas, que exige mais cuidados e equipas mais diferenciadas”, alerta o documento.

  • SNS a funcionar em rede e com redução de custos

No relatório é especificado também que com o novo estatuto do SNS vai passar a funcionar em redes "papel que se revelou crucial no combate à pandemia da Covid-19".

"Em agosto de 2023, o governo anunciou a expansão do modelo de ULS em todo o país, a partir de 1 de janeiro de 2024, criando 31 novas ULS para além das 8 já em funcionamento anteriormente. Este facto implica a organização do SNS em 39 ULS, para além de três institutos de oncologia (IPO de Lisboa, Porto e Coimbra) e do Hospital de Cascais (gerido em regime de parceria público-privada). Este facto representará uma racionalização da estrutura hierárquica, que passará a ser composta por 44 instituições, menos de metade da organização anterior, e a consequente redução de cargos dirigentes, reduzindo custos do processo e aumentado a robustez e a qualificação da decisão", lê-se.

*Com Lusa