Em 1978, no final do mês de dezembro, os jardins do Trocadero de Paris, em frente à Torre Eiffel, foram palco do arranque de quase 200 motos, carros e camiões. A aventura, que duraria cerca de três semanas, envolvia percorrer 10 mil quilómetros. Depois de França, os destinos eram Argélia, Mali, Níger e, por fim, Dacar.
A prova nasceu do “amadorismo iluminado” dos pioneiros que se atreveram a arrancar com algo que nunca tinha sido feito. Quem o diz é Cyril Neveu, vencedor do primeiro Rally Dakar, em cima de uma mota, a Yamaha 500 XT. A maioria dos 176 inscritos da primeira edição — como Thierry Sabine, um dos organizadores do rally — estava a aventurar-se numa prova totalmente desconhecida até então.
Ganhar não importa; desfrutar da aventura sim
“Eu participava para tentar chegar ao fim. Ponto final”, afirma Philippe Vassard, um técnico de informática da empresa nacional francesa de ferrovias (SNCF). “Era uma grande aventura, tínhamos as nossas bússolas penduradas no pescoço. Estávamos a descobrir tudo, era genial”, diz Neveu, um estudante de fisioterapia.
A mescla do espírito aventureiro e da ousadia irracional fazia-se sentir até no material usado pelos competidores. “Estávamos entre a mecânica africana e a mecânica de nível de competição”, explica Claude Marreau, que pilotava a pequena 4L, em meio aos 4x4 Range Rover e Toyota dos concorrentes.
Os modelos da época são completamente diferentes dos que são usados hoje em dia, mas os procedimentos básicos não mudaram: era necessário lidar com os contratempos e saber como pilotar nas dunas.
Uma aventura sem vencedores, mas carregada de peripécias
O terreno não é plano nem a experiência é linear. Depois de atravessar o Mediterrâneo, as caravanas do Dakar passaram com escolta policial por Alger, que estava em pleno luto nacional, um dia depois da morte do presidente argelino Houari Boumédiene. Em seguida, os pilotos passaram a primeira noite no deserto, com temperaturas abaixo dos zero graus.
“Dormíamos ao pé da moto, não tínhamos nada”, lembra Vassard. Até Dacar, só com algumas latas de conserva no bolso, o caminho era longo, “mas havia muita solidariedade”, diz agora Neveu. “Cansaço, quedas, batidas, quebras… eu tinha-me preparado para conviver com esses problemas. Era mais uma corrida mental do que física”, acrescenta o ex-participante.
O Rally Dakar teve também naquela edição a sua primeira vítima mortal. Foi o piloto Patrick Dodin, ao pé da meta final da etapa Agadez-Tahoua, em Níger. Foi o primeiro de uma lista negra de 24 competidores que perderam as vidas nesta prova.
A poucos dias do fim, só um competidor, Vassard com a Honda 250 XL, completou o limite de tempo a etapa entre Bamako e Nioro du Sahel, no Mali. As chuvas que caíram após a viagem de reconhecimento do local modificaram tanto o terreno que o deixou impraticável.
“Thierry Sabine foi ver-me à prova e disse que tinha vencido”, explica Vassard. “Porém, enquanto eu dormia, ele decidiu anular as penalizações, não havia qualquer rigor no regulamento. Era só uma aventura”, concluiu.
Aos 22 anos, Cyril Neveu chegou a Dacar como primeiro colocado da classificação geral, que engloba todas as categorias, à frente de Gilles Comte (Yamaha) e Vassard. Para Neveu, foi a primeira das cinco vitórias no Rally Dakar.
No fim, 74 competidores, entre eles três mulheres, cruzaram a linha de chegada na Praça da Independência de Dacar: a história dos ralis acabava de mudar para sempre.
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