Mas afinal também não faltou. À última hora, em pleno Natal, desaparece inopinadamente George Michael, o superlativo sucessor do superlativo Freddie Mercury, esse ido há já duas décadas. George Michael, que até partilhava muitas semelhanças com Mercury, foi o ídolo esfuziante e envolvente das adolescentes da década de 80 e continuou nas décadas seguintes com uma carreira cheia de estilo superlativo, músicas que não saem da cabeça e postura desafiante perante as convenções.
É verdade, como alguém lembrou nas redes sociais, que no dia anterior tinham morrido nada menos do que 60 cantores do Coro do Exército da Federação Russa num acidente de aviação. E também o Tio Sousa, fadista e guitarrista virtuoso de Viseu. Todos os anos morre muita gente, diria La Pallisse, e morrem muitos artistas, músicos ou não, universais ou regionais. Mas é inegável que este 2016 foi particularmente fatal para os ídolos de várias gerações do século XX o qual, em termos musicais, pode considerar-se definitivamente enterrado.
George Michael é indubitavelmente o maior artista pop da década de 1980 – não é uma opinião, são 100 milhões de álbuns vendidos entre “Faith” (1987) e “Songs from the last century” (1999). Começou a carreira com o seu amigo Andrew Ridgeley e decidiram chamar-se Wham, uma onomatopeia que quer dizer pancada repentina, choque, estardalhaço. Logo em 1981 chegaram ao top britânico com o primeiro álbum, “Fantastic”, que hoje soa como um “disco” datado. Mas o segundo álbum continha “Wake me up before you go-go” sem dúvida uma das músicas mais simbólicas do estado de espírito do período em que se ganhava rios de dinheiro e se festejava a noite inteira para ir directamente trabalhar no dia seguinte. Depois do sonho hippie da paz e amor universais, chegava o projecto yuppie do sucesso e festa intermináveis.
Os “Wham” foram o primeiro grupo capitalista decadente a fazer uma tournée na China, em 1985, o que lhes valeu um estatuto universal e nunca explicado – se os chineses realmente adoptaram o “disco”, como o sucesso dos espectáculos mostrou, ou se foi uma manobra obscura do Comité Central... Mas ficou tudo registado no documentário do rei dos documentários de rock, Lindsey Andersen.
Michael estava lançado e pronto para uma bombástica carreira a solo, iniciada com o álbum “Faith”, onde demonstrava que além de ser uma pop star também sabia tocar vários instrumentos.
Todos os seus álbuns estão ligados a vídeos e essa é uma das diferenças entre um músico de rock e uma pop star: não se trata de música (às vezes o valor musical até é muito relativo), mas de um pacote que inclui o som, a imagem e a atitude. Nesses dois últimos items Michael chegava para Bowie e Prince.
Alem das adolescentes, Michael tornou-se também o ídolo da comunidade LGBT, ao afirmar que era bisexual primeiro, e depois homossexual sem problemas com o outro género. A glória veio quando, apanhado numa situação pouco canónica numa casa de banho de Los Angeles, aguentou a bronca, afirmando que ocultar as suas preferências seria uma hipocrisia. Nada que tenha parado com os desmaios apaixonados das meninas...
Em 1994 surgiram as primeiras notícias de que teria problemas de saúde, não especificados, mas provavelmente respiratórios. Foi apanhado com drogas algumas vezes, mas não parece que viessem daí as suas recaídas que o obrigavam a períodos de ocultação pública. Michael era sobretudo um dínamo a transpirar saúde e boa disposição.
Agora, de repente, acontece isto, aos 53 anos . Os primeiros relatos indicam paragem cardíaca, nada relacionado com consumos (ao contrário de Prince, que tinha 57 anos). Como se sabe, os ataques de coração são mais perigosos quanto mais nova é a pessoa. Há mais possibilidades de sobreviver aos 70 do que aos 50, e muito menos aos 20. Michael foi-se “pacificamente”, fica registado.
A sua morte deixa os comuns mortais mais desiludidos com a efemeridade da vida e o transitório do sucesso. Depois da morte simbólica do século XX, vem agora o passamento lamentável da sua década mais hiperbólica. Todos perdemos.
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