No palco principal do Soccerex Europe, o The Studio, a conversa rapidamente chegou às plataformas de streaming e aos desafios que estas colocam às organizações da indústria do futebol.

Segundo Phil Lynch, “não há razão para haver conflito entre operadores tradicionais e as plataformas de streaming”, visto que apenas criam mais um canal que os clubes podem utilizar para contar histórias que levam as pessoas a comprar bilhetes para ir ao estádio. Deu o exemplo da parceria do Manchester United que, mesmo tendo a sua própria plataforma, se juntou à NBC Sports, nos EUA, para a produção de um conteúdo sobre o triplete de 1999, que culminou na famosa vitória na final da Liga do Campeões contra o Bayern de Munique, com dois golos no período de descontos.

Guy-Laurent Epstein, por sua vez, em vez de desafios focou-se, primeiramente, nos objetivos da nova plataforma da UEFA, a UEFA TV, que durante vários anos funcionou apenas como um canal de YouTube. O responsável pelo marketing da organização acredita que existe potencial para usar o arquivo da UEFA para contar mais histórias sobre as competições europeias, mas também vê aqui uma oportunidade para dar mais visibilidade a outras variantes do desporto, como o futebol feminino ou até o futsal. Na relação com clubes e operadoras, acredita não haver um conflito, visto que terão sempre objetivos diferentes. Nas suas palavras, “os clubes quererão desenvolver conteúdos que fomentem a relação com os fãs. As operadoras estarão focadas com diretos e na transmissão dos jogos e poderão ajudar na distribuição do conteúdo. E a UEFA.tv [estará focada] na promoção das competições europeias, quer de seleções quer de clubes, que atraem qualquer adepto de futebol”.

Já Nuno Santos diz que o Canal 11 (canal da Federação Portuguesa de Futebol que iniciou a sua emissão no dia 1 de agosto) é um “canal clássico”, porque todos acabam por sê-lo, hoje em dia, de uma maneira ou de outra, com diretos, transmissões de jogos e também programas e reportagens especiais. Na sua perspetiva, as plataformas de streaming não serão necessariamente um rival e poderão ser, por outro lado, uma boa estratégia de internacionalização na distribuição de conteúdos, fazendo-os chegar a outros mercados — principalmente porque estas costumam ter interesse no mercado português, que, apesar de relativamente pequeno, tem uma complexidade interessante para o seu negócio.

Depois de desafios, a conversa avançou para que indicadores estavam a ser utilizados para medir o sucesso dos canais e plataformas das suas organizações.

Para Lynch, no caso do Manchester United, o mais importante é perceber o comportamento da audiência e criar uma base de dados onde o clube pode analisar o perfil dos seus fãs. Apesar de o número de subscritores ser importante, com isto o clube consegue “perceber porque é que um conteúdo que resulta muito bem na Indonésia, mas se calhar noutros mercados não é tão bem-sucedido”. Assim poderá mais facilmente identificar os fatores que levam a um aumento na venda de bilhetes e merchandising, por exemplo. Os Red Devils têm, atualmente, duas apps - a geral do clube (que tem o maior número de downloads no mundo inteiro por parte de um clube) e a da Man Utd TV – e ambas recolhem dados dos fãs.  Com a responsabilidade de gerir informações pessoais, veio a decisão “natural e que nem sequer muito pensada”, segundo Lynch, de garantir que ambas as plataformas respeitam as novas normas RGPD, devido à importância da relação com os fãs.

Do lado da UEFA e de Guy-Laurent Epstein — dado que o modelo da UEFA.tv será baseado em patrocínios —, a medida do seu sucesso será o número de parceiros que consiga que estejam presentes na plataforma e que valorizem os dados que lhes pode vender do comportamento da sua audiência. No último ano e meio, a plataforma atraiu a Booking, a Expedia e a Alipay, o que faz sentido numa audiência que se pressupõe diversa, com várias nacionalidades. Respondendo à questão da menor dependência do YouTube com a nova plataforma, Epstein revelou que a decisão teve por base “a prioridade que se dá a determinados conteúdos e qual o canal certo para os mesmos”, dando o exemplo do vídeo de Ronaldo a convidar Messi para jantar na última cerimónia do sorteio da Liga dos Campeões, que atingiu as 13 milhões de visualizações só no canal de Instagram da UEFA.

Para o diretor do Canal 11, além dos indicadores falados pelos seus colegas de painel, o foco também deve estar na necessidade de os operadores estarem preparados para aquilo que acontece out of script [fora do guião] e na importância da mensagem que é passada pelo canal. Definindo o canal 11 como “uma espécie de serviço público”, explicou como este poderá usar as suas plataformas para dar mais atenção às histórias que não são mainstream, que não estão ligadas às principais ligas e clubes, isto é, dar visibilidade ao futebol mais local e às terras e adeptos que, por vezes, são esquecidos, e, claro, também ao futebol feminino, que se espera que cresça nos próximos anos.

Para tópico final ficou a questão de qual seria a plataforma de futuro para as transmissões de conteúdos desportivos.

“Há 12 anos falava com uma pessoa da BBC e esta pessoa achava impensável que alguém fosse ver séries num smartphone. Hoje, olho para o meu filho de 11 anos e ele não vê conteúdos em nenhum outro sítio, nem mesmo no tablet”, começou por dizer Nuno Santos. Na sua opinião, este é um exemplo da imprevisibilidade do mercado e da dificuldade de, nesta altura, perceber qual será a plataforma ideal. Por isso, numa fase ainda prematura das plataformas de streaming, será importante perceber os contextos em que modelos à base de subscrição (pagamento num período regular), à base de anúncios (vendendo espaço a anunciantes) ou pay-per-view (pagamento por um evento/conteúdo específico) resultam melhor.

Para Phil Lynch, “o conteúdo deve determinar o modelo de negócio”.  De acordo com o americano que, em 2017, foi da Yahoo para Manchester, “há 5 anos todas as pessoas queriam uma app, mas não sabiam muito bem o que fazer com ela. Parece-me que o mesmo está a acontecer agora com as plataformas de streaming. Todos querem uma, mas ainda estão a perceber como integrá-la na sua estratégia.” No seu argumento, deu o exemplo de novos modelos em que o tipo de plataforma não é relevante, mas sim o “bundle” (pacote) que uma operadora é capaz de oferecer, como é o caso da Disney.

Além da Disney+ (plataforma de streaming que vai ser lançada em novembro), a empresa americana também é dona da Hulu e da ESPN, duas plataformas que transmitem conteúdos desportivos. Por isso, “um pai ou mãe que queira que os seus filhos vejam os seus desenhos animados favoritos, poderá ter obrigatoriamente de levar com serviços de dois ou mais canais que não desejava inicialmente”.

Aos olhos de Epstein, a passagem do futebol e do desporto para um modelo não linear (conteúdos que não são transmitidos em direto) leva a que as pessoas escolham os conteúdos que querem ver, em vez de estes lhe chegarem porque uma terceira parte os decidiu transmitir num determinado momento. Por isso, acredita que o fenómeno poderá criar um problema para os desportos que não tão populares e que poderão perder ainda mais protagonismo, isto é, por lhes ser difícil chegar às pessoas que não os procuram de forma ativa. No seguimento da ideia de Lynch, pensa que o desporto seguirá um caminho de “Bundle a la Carte”, em que as pessoas vão escolher o que querem ver e pagar porque “vão estar sempre dispostas a pagar por desporto”.