Desde o início da temporada que praticamente todos os jogos do Sporting CP são iguais à história da luta pela atenuação do impacto das alterações climáticas. Primeiro, uma poluição de futebol total para os adeptos que se dirigiram ao estádio para apoiar a equipa, depois, de repente, um momento de consciência, com a chegada de Silas ao comando técnico da equipa, mas sem melhorar a qualidade de jogo, pelo menos substancialmente. A equipa percebeu que estava a chegar a 2050, ou ao ponto de não retorno. Foi assim que, com um golo de grande penalidade, perto do final do jogo, frente ao Desportivo das Aves na segunda-feira, e hoje, numa reviravolta de quatro minutos, os leões, tal como os políticos do mundo com as suas metas e políticas, foram remendando o futuro a curto prazo.

A vitória de hoje do Sporting frente ao LASK Linz só pode ser animadora para quem não viu o jogo e apenas teve a oportunidade de absorver a ideia de que em Alvalade ficaram os primeiros pontos dos verdes e brancos nesta campanha europeia.

O futuro dos leões não pode ser risonho e vai valendo ao clube o capitão, a Greta Thunberg do Sporting. Ou, melhor dizendo, Bruno Fernandes. Foi ele que na temporada passada carregou a equipa às costas e ajudou a mascarar uma má época com uma enorme prestação individual e um contributo inigualável para a conquista da Taça de Portugal e Taça da Liga. E é ele que, esta época, tal como Greta fez em relação à crise climática contra o que todos pareciam ignorar, levantou-se para dizer o que era visível a cada 90 minutos de jogo da turma comandada por Silas: "os meus colegas (...) muitas vezes não têm noção do clube que representam".

A frase sai desta declaração feita pelo médio ao site da UEFA: "Ser capitão do Sporting é um orgulho enorme. Eu sou português e tenho noção da história do clube. Tento transmitir isso aos meus colegas, pois muitas vezes não têm noção do clube que representam, um clube como o Sporting. É verdade, está há 18 anos sem ganhar o campeonato, mas a pressão tem de estar cá".

E se é verdade que a ausência de títulos de campeão nacional são uma folha em branco nestes últimos 17 anos, não é verdade que não há uma dimensão e um peso a passar a quem enverga a camisola dos leões, sobretudo quando é um clube que com essa mesma ausência de títulos continua a ter uma massa de adeptos como não há igual: cada vez mais e cada vez mais presentes.

Reerguer o Sporting não é tarefa fácil e não pode ser comparado a reerguer o mundo de uma crise ambiental, mas por vezes quando se houve o relatador aos 20 minutos dizer qualquer coisa como “O Sporting estar a perder apenas por 0-1 é lisonjeiro” parece que pode ser.

Quando o sorteio da Liga Europa ditou que a fauna e flora que equipa de verde e branca, com habituais fluxos migratórios entre o estádio Alvalade XXI e Alcochete, voaria até à Áustria o povo sorriu. LASK Linz soava a ‘bombom’ do sorteio. E não sendo o nome familiar e proveniente de um campeonato pouco competitivo como o austríaco, essa não era uma acepção errada. Mas uma viagem breve pelo percurso da equipa comandada pelo francês Valérien Ismaël era o suficiente para perceber que estes não iam ser 90 minutos fáceis. O LASK soma apenas três derrotas desde o início da temporada, duas diante do Club Brugge, a contar para a qualificação para a Liga dos Campeões (0-1 e 2-1), e outra para o campeonato diante do Wolfsberger AC (0-1). Ainda há poucas semanas travaram em casa o campeão austríaco em título, o Red Bull Salzburg, que esta quarta-feira deu uma valente dor de cabeça ao Liverpool.

Esta é uma equipa que sabe o que é e que não acha que pode ser mais do que isso. Joga com humildade, apostando num jogo coletivo, fazendo sobressair o todo e não nenhum talento individual. Com uma linha de três defesas nos momentos ofensivos e de cinco nos momentos defensivos, o LAKS pressionou alto o Sporting CP, e não é exagero dizer que no final da primeira parte poderia estar a golear os leões, não fosse o desperdício - e o guarda-redes leonino.

Primeiro, foi Renan. E justiça seja feita ao guardião brasileiro, tantas vezes vilipendiado pela massa associativa sportinguista, que ao segundo minuto de jogo, no seguimento do pontapé de saída dos austríacos, fez uma dupla defesa a dois remates de Dominik Friese, primeiro com o pé e depois com a mão.

Este lance era sintomático do que seria o jogo: o LASK a pressionar, o Sporting CP sem conseguir ter bola e sair a jogar, e os erros na defesa dos leões a surgirem. O minuto 12 foi prefácio para o que seria o lance de golo. Mathieu, pressionado, perdeu a bola e permitiu um remate a Potzmann que passou muito perto do poste. Quatro minutos depois, o francês errou um passe, Ranftl serviu Raguz e este, sem marcação e colocado em jogo por Coates, mais atrasado em relação à restante linha defensiva, atirou cruzado e sem hipóteses para o guarda-redes dos leões.

créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

O resultado podia quase de imediato passar para 2-0, após mais um erro, agora de Wendel. Chegámos aos tais 20 minutos e o Sporting parecia uma massa amorfa e desorientada, surda perante os gritos do capitão, que sozinho batia palmas de incentivo que, se o leitor tiver menos de 18 anos, soarão a qualquer coisa como “vamos lá, equipa”, ou, se tiver mais de 18 anos, soarão mais a “f***-**, vamos lá c******”.

Mas este era um jogo em que ninguém escapava e aos 21 minutos até Bruno Fernandes errou, numa fase de tentativa de construção de jogo, deixando Goiginger em boa posição para rematar, ainda que não tenha conseguido bater Renan.

O jogo haveria de acalmar e os leões conseguiam - finalmente! - respirar, mas nem por isso o ar continuava menos pesado. O Sporting CP chegou ao intervalo com um cabeceamento tímido - e ao lado - de Miguel Luís (que hoje ocupou o lado direito da defesa) como melhor oportunidade de golo. No entanto, conseguia também a melhor oportunidade para levar Acuña para o balneário antes que o argentino fosse expulso, depois de este ter dado uma cotovelada no peito do adversário e ter sido penalizado ‘apenas’ com o cartão amarelo.

Ao intervalo havia um número desolador que mostrava quem realmente tinha causado perigo nesta primeira metade dos 90 minutos: o Sporting CP tinha zero remates enquadrados com a baliza. Greta, peço desculpa, Bruno Fernandes, a bracejar, era o único a ver 2050 ali ao virar da esquina.

A segunda parte trouxe o mesmo Sporting e um LASK que em sete minutos podia ter feito quatro golos. Primeiro Wiesinger na sequência de um canto, depois Goiginger no coração da área, a seguir Rantfl à entrada da área e finalmente Goiginger, ao primeiro poste, a responder a um cruzamento de Frieser.

A diferença entre a qualidade de jogo das duas equipas era abismal, mas o tradicional ditado “quem não marca, sofre” não paira sobre uma meritocracia, mas sim sobre uma democracia, e por isso Luiz Phellype não se fez rogado. Num canto batido por Bruno Fernandes, desviou a bola de cabeça para o segundo poste e empatou o jogo.

O capitão dos leões parecia ter convencido alguém de que as alterações climáticas não são mito nenhum e que uma equipa portuguesa acabar uma fase de grupos de uma competição europeia com zero pontos também não, pelo que, quatro minutos depois, recebeu um passe do avançado brasileiro e, com toda a calma, já dentro da área dos austríacos, descaído sobre o lado direto, atirou com força junto ao poste contrário e, com a bola rente à relva, consumou a reviravolta.

Foi um remendo na crise a curto prazo, uma vez que as fragilidades de uma equipa que apenas fez cinco minutos de futebol razoável ficaram logo expostas quando Renan é chamado a salvar a pátria. Primeiro, a um remate de Klauss, que recebe a bola junto à marca de grande penalidade e, sozinho, atira à figura; depois, numa enorme defesa, o brasileiro voou para negar o golo a Goiginger.

Justo será dizer que o Sporting CP esteve perto de produzir mais uns segundos de bom futebol numa situação de superioridade numérica, num contra-ataque em que Luiz Phellype, diante do guarda-redes, não conseguiu fazer o golo.

O futebol não é brilhante, mas vão-se conseguindo coser uns remendos que mantêm viva a esperança de alavancar o planeta Sporting CP. Silas disse na apresentação que não são precisos milagres. Talvez não sejam, mas, certamente, será necessária paciência. E numa era em que a arte de dominar com tranquilidade e esperança a passagem do tempo é rara, em que as pessoas querem tudo na hora, na palma da mão e sem ter de esperar, reclamando a justiça de 17 anos de espera que não pode ser recriminada, o novo técnico dos verdes-e-brancos terá de confiar na sua Greta de braçadeira em punho a proclamar a revolução pela história de um clube, pela vida de um emblema que merece e tem de ser muito mais do que é, que para ser grande não pode apenas dizer que o é.

créditos: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Acuña fez um bom jogo, foi um ambientalista inconformado com a poluição do futebol do Sporting CP, mas momentos como aquele em que dá uma cotovelada ao adversário, depois de ser agarrado, são absolutamente escusados e poderiam colocar os leões numa situação delicada. Silas terá a missão de fazer com que o lateral, dentro de campo, se pareça menos com o Marco do Big Brother e mais com o Zé Maria. Que é como quem diz, "com calma também se vai lá".

Reinhold Ranflt, a vantagem de ter duas pernas

Tem um nome que, numa apresentação entre dois cavalheiros, polui logo o ambiente. Mas em campo, e provavelmente sem necessitar de falar, Reinhold Ranflt faz o jogo mexer. Somou uma assistência para golo e 11 interceções. Ou seja, é a pessoa ideal para o líder do PAN ter ao lado quando Heloísa Apolónia ler este texto.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

O que fica de bom futebol é o facto de no estádio terem estado mais de 30 mil adeptos, um número que supera qualquer marcha pelo clima em Portugal.

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

Toda a equipa do Sporting nos primeiros 20 minutos de jogo, cegos pelo smog produzido pelo próprio arrastar de pés.