Aos 60 minutos de jogo o Sporting de Braga vencia o Rangers por 2-0. A equipa de Rúben Amorim fazia a melhor hora de futebol desde que o antigo internacional português assumiu o comando dos arsenalistas. Com um futebol claro, assente na mobilidade de Trincão entrelinhas, o Braga superiorizou-se ao Rangers que só acordou quando Ianis Hagi fez levantar o estádio num grande golo, fruto de trabalho individual dentro da área bracarense. Aí, a alma de Steven Gerrard saltou para campo e deu uma nova vida ao Ibrox Stadium e a uma equipa que às costas do filho de Gheorghe Hagi deu a volta ao marcador.

Por tudo isto, é justo para todos os intervenientes que analisemos o jogo por partes.

Rúben’Ball’ ou o ensaio sobre a lucidez

O Sporting de Braga que entrou hoje em campo foi provavelmente a versão mais madura e lúcida desde que Rúben Amorim assumiu o comando dos minhotos. Com Francisco Trincão a ter liberdade para jogar entre linhas e atormentar a defesa adversária em combinação com Abel Ruiz, Paulinho e Fransérgio, a linha defensiva dos arsenalistas que hoje se fazia com Wallace, Bruno Viana e Raúl Silva, servia de base para um jogo em posse que contrariasse as poderosas transições ofensivas dos escoceses que procuravam Alfredo Morelos na profundidade. E não era para menos, não fosse o colombiano, com seis golos, o melhor marcador da atual edição da Liga Europa.

Nos primeiros minutos, saltou tudo à vista. Primeiro, os três centrais num livre direto a favor do Braga, a estarem perto do golo — (4') Raul Silva cabeceou para defesa incompleta de McGregor, Wallace falhou a recarga e Bruno Viana atirou à malha lateral —, depois foi Trincão (6') que, em combinação com Ruiz, atirou cruzado com a bola a passar muito perto do poste. De seguida, uma fragilidade: a linha defensiva muito subida do Braga foi ultrapassada em velocidade por Morelos que cruzou para a área bracarense onde Kent não chegou a tempo de desviar a bola para dentro da baliza.

Este seria o resumo da primeira parte, um Braga a construir com serenidade e clareza, um Rangers à procura do contra-ataque em velocidade nas costas da defesa arsenalista. Logo aos 11 minutos, um remate de Fransérgio a longa distância a inaugurar o marcador com um golaço acentuava o papel de cada uma das equipas.

O resultado de 0-1 manter-se-ia até ao intervalo com Matheus, guarda-redes do Braga, a levar a melhor em duas ocasiões sobre Morelos e com os pupilos de Ruben Amorim a mostrarem-se inteligentes na troca de bola, com paciência e sem pressas de chegar ao último terço do terreno. Lá, Trincão teve duas boas oportunidades para chegar ao golo. Numa (38’), McGregor estava atento e intercetou o passe com demasiada força que vinha do pé de Fransérgio, no minuto seguinte, em posição privilegiada no centro da área, Trincão remata a rasar o poste.

Ao intervalo o Braga era em tudo superior ao Rangers e nada fazia prever o que vinha a acontecer.

Abel Ruiz e arte em forma de lucidez

A segunda parte do jogo começou como acabou a primeira, com um Braga mais ponderado a dominar um Rangers mais intempestivo. Fransérgio, em mais um remate de fora de área, atirou à barra, Morelos voltava a perder um duelo com Matheus, desta feita mesmo em cima da linha de golo e, depois de vermos o mesmo filme entre a transição ofensiva de uns e a posse de outros, numa bela combinação entre Trincão e Ruiz, o espanhol, que se estreou hoje pelos bracarenses, marcou o seu primeiro golo pelos arsenalistas, um daqueles dignos de nota artística.

Uma linha que não separa

Minutos antes do 0-2, Steven Gerrard tinha feito entrar em campo Joe Aribo com objetivo de explorar as lacunas de posicionamento da linha defensiva do Sporting de Braga nos momentos de transição rápida do Rangers.

É que há um pormenor importante a reter, logo na primeira parte, Wallace saiu lesionado aos 12 minutos de jogo. Sem mais nenhum central no banco de suplentes, Amorim colocou Galeno em campo e juntou Ricardo Esgaio a Bruno Viana e Raúl Silva no trio defensivo. As fragilidades desta primeira linha foram disfarçadas pela grande exibição de Matheus e as corridas de Galeno, mas à medida que os minutos foram passando, as lacunas de posicionamento e de controlo do jogo em profundidade dos escoceses foi-se tornando nítido.

Quando aos 62 minutos, João Palhinha, na cara de McGregor falhou a oportunidade de sentenciar o encontro e, cinco minutos depois Hagi, numa excelente jogada individual, a fugir da linha para o meio da grande área e a conseguir num remate de efeito colocar a bola no canto inferior esquerdo da baliza do Braga, o jogo não seria mais o mesmo.

O caos que que Gerrard semeou

Do banco, Gerrard acordou o Ibrox que num ambiente frenético guiou a equipa para uma reviravolta no jogo que estaria longe de se adivinhar nos primeiros 60 minutos do encontro. 10 minutos depois do golo de Hagi, Aribo driblou vários adversários e, com alguma sorte à mistura, conseguiu finalizar na cara de Matheus e chegar ao empate.

A desordem estava instalada. No banco, Gerrard era efusivo, nas bancadas os cânticos ecoavam, no Braga o nervosismo apoderava-se dos jogadores que se mostravam incapazes de impôr o seu jogo e de se organizarem defensivamente com solidez.

Foi assim que aos 82 minutos, como parecendo inevitável, e num ato de absoluta crueldade, Hagi, num livre direto que desviou na barreira e atraiçoou Matheus, fez o 3-2 e a reviravolta no marcador foi operada por um dos mais inconformados em campo.

O romeno pegou na equipa com o seu primeiro golo e guiou-a no caos até à reviravolta mostrando que o futebol tem uma dimensão tão tática como emocional. Se Rúben Amorim chegou a dar o que na gíria se pode chamar de um ‘banho tático’ à antiga lenda do Liverpool, a verdade é que a força e combatividade de Gerrard entraram em campo nos últimos minutos da partida para impingir a primeira derrota ao Sporting de Braga de Rúben Amorim e também a primeira derrota dos arsenalistas que seguiam invictos nesta Liga Europa.

O resultado, no entanto, é mais cruel para a equipa portuguesa do que outra coisa. Com dois golos fora, os arsenalistas trazem a discussão da eliminatória para a Pedreira onde, para já, é certo que Morelos não irá jogar, por acumulação de amarelos, e com a lição de Hagi ao vivo bem estudada.

E, afinal de contas, a estatística é prenúncio de reviravolta:

Bitaites e postas de pescada

"O que é que é isso, ó meu?"

Esta é a frase que deve ter ecoado na cabeça de Matheus no momento em que ele cai para um lado e a bola, desviada na barreira, segue para o outro e fica consumada a reviravolta no marcador.

Hagi, a vantagem de ter dois pés funcionais

Hagi é um daqueles jogadores que joga tão bem como um pé como o outro. É com eles que vai chutando a pressão de ser filho de Gheorghe Hagi, antiga estrela do Real Madrid e FC Barcelona, e traçando o seu caminho como avançado inconformado, daqueles capazes de carregar uma equipa às costas.

Fica na retina o bom jogador de futebol

O remate de Fransérgio que deu golo e o que foi à barra, é ver e rever.

Nem com dois pulmões vai chegar à bola

Morelos, o melhor marcador da Liga Europa, perdeu sempre os duelos com Matheus. Com uma falta desnecessária, levou um amarelo e não vai poder ajudar o Rangers na segunda-mão disputada em Portugal. Más notícias para Gerrard e boas notícias para Amorim