Robert Lewandowski é um nome que passou demasiado tempo longe da discussão do título de melhor jogador do mundo. Primeiro, porque Lionel Messi e Cristiano Ronaldo açambarcaram 11 Bolas de Ouro/The Best em 12 possíveis, sendo Luka Modric o intruso nesta conta. Segundo, porque apesar de não ter marcado menos de 40 golos por temporada desde 2015, o polaco, ao contrário, por exemplo, de Luis Suárez — com quem é tantas vezes comparado quando se discute o melhor 9 da atualidade — esteve numa equipa que não conseguiu vencer a Liga dos Campeões e numa seleção com pouco protagonismo no que diz respeito à luta por grandes títulos.
O triplete (Champions, Bundesliga e DFB Pokal) dos bávaros na última época significou a chegada a novos picos para o polaco: não só finalmente venceu a “orelhuda” que há tanto lhe escapava, como, com essa conquista, convenceu a FIFA a atribuir-lhe o The Best. Assim, foram colocados os exatamente onde eles devem estar: num finalizador, um verdadeiro 9, um tipo de jogador que parece estar em vias de extinção no futebol moderno que semeia o protagonismo do golo pelos extremos e duplas de avançados e que 16 anos depois de Andriy Shevchenko ter ganho a Bola de Ouro, volta a consagrar com o título máximo individual a posição de ponta-de-lança.
Aquilo que Lewa é hoje é o resultado de anos de trabalho, de preparação, física e mental, e da honestidade e capacidade de dar um passo atrás para poder dar dois para a frente. Esta viagem começou quando o polaco ainda era um jovem aspirante a futebolista e o selecionador de sub-15 da Polónia lhe disse que não tinha espaço na seleção por ser demasiado magro. Mais tarde, aos 17 anos, seria dispensado pelo Legia Warsaw, um dos maiores clubes do país onde nasceu, poucos dias após a morte do pai. Este foi o ponto de partida para a construção da 'máquina'.
“Comecei a trabalhar mais no ginásio e a construir a minha massa muscular. Isso ajudou-me imenso”, conta o avançado ao site Goal. A dispensa levou o jovem Lewandowski a integrar o plantel do modesto Znicz Pruszkow, da terceira divisão. Foi aí que começou a brilhar, ao marcar 16 golos em 29 jogos. Na época seguinte, foi o melhor marcador do campeonato, com 15 tentos, e catapultou o Pruszkow para a segunda divisão onde, em 2008/09, foi o artilheiro-mor, com 21 golos. A capacidade de colocar a bola no fundo das redes chamou a atenção do Lech Poznan, onde viria a jogar durante dois anos. Lá, não só venceu todos os títulos polacos como se assumiu como o maior marcador da primeira divisão com 18 golos.
A capacidade de finalização em frente à baliza não passou despercebida a Jürgen Klopp, que o trouxe para Dortmund, cidade alemã que seria a casa de Lewandowski durante quatro épocas e onde o ponta-de-lança viria a marcar 103 golos e a fazer 42 assistências, participando num total de 145 golos em 187 jogos divididos entre competição nacionais e europeias. Conquistou dois campeonatos e ainda disputou a final da Liga dos Campeões contra o Bayern que hoje representa e para onde se mudaria em 2014/15 numa transferência a custo zero ao abrigo da Lei de Bosman.
O sucesso na Alemanha foi maior que o expectável. A máquina, afinada por Klopp , elevou Lewa para um outro patamar. O atual treinador do Liverpool é o primeiro a admitir que há uma brutal diferença entre o jogador que chegou e o que saiu de Dortmund. Conta a história que, quando o polaco chegou a Signal Iduna Park, Klopp teve com ele uma conversa de duas horas para discutir, entre outras coisas, linguagem corporal.
“Eu sabia que tinha de mudar para me vir a tornar um melhor jogador”, confessa Lewandowski, que reconhece que a passagem pelo Borussia Dortmund teve um enorme impacto na sua carreira como jogador. “Jürgen Klopp fez de mim um jogador top”, assume.
Podemos bem dizer que o trabalho e o desporto lhe estão no sangue. A mãe foi jogadora de voleibol e o pai judoca. E o que Lewandowski não tinha nos genes, encontrou no casamento com Anna Stachurska, antiga campeã do mundo de karaté.
“Tenho sorte em a minha mulher ser uma nutricionista. Ela sabe o que é que eu devo comer e que vitaminas devo tomar”, explica o avançado de 32 anos, que revela que, por exemplo, come a sobremesa antes do prato principal como forma a obrigar o corpo a queimar mais gordura.
Mas o profissionalismo de Lewa extravasa os cuidados com a alimentação e ginásio. Até enquanto dorme, não descansa. O avançado chegou mesmo a procurar conselhos de um terapeuta do sono para dormir melhor e descansar o máximo possível. Isto levou-o a eliminar qualquer fonte de luz do quarto e a dormir sobre o seu lado esquerdo, devido ao facto de ser destro. Para maximizar o descanso, o polaco trocou também a PlayStation pela leitura, confessando que se perde, sobretudo, em biografias de grandes desportistas. “Michael Jorgan, Tiger Woods ou Usain Bolt. Estas superestrelas moldaram o desporto. Tento aprender alguma coisa com eles”, diz.
Tudo isto afina a máquina para quando entra em campo estar ao mais alto nível de concentração. Ainda em 2019 disse ter "29 anos ou menos" e que pretende manter este nível de forma por mais “cinco, seis ou sete anos”.
E nada disso parece ficção. Karl-Heinz Rummenigge, presidente do Bayern Munich, clube onde milita atualmente o polaco, diz que “quando olhamos no balneário, ninguém tem um corpo como o de Lewandowski”, explicando que o avançado coloca toda a vida em torno da sua profissão e que faz do seu corpo o maior ativo.
Pep Guardiola, que treinou Lewa no Bayern, também não lhe consegue ser indiferente. “É um dos futebolistas mais profissionais com quem trabalhei”, confessa, afirmando que a forma como este come, dorme e treina são as principais razões da quantidade de golos que marca. E que golos.
Na última temporada, aquela que lhe construiu o caminho para ser o The Best, Robert Lewandowski marcou 55 golos e fez 10 assistências em 47 jogos. Esta temporada já soma 18 tentos e 5 assistências em 17 jogos. Mas a sucessão de números impressionantes continua. Desde que veste a camisola dos bávaros, Lewa soma 306 jogos, 264 golos e 62 assistências. No total da carreira, já fez abanar as redes 429 vezes e deu a marcar outras 125 vezes.
Os números não se constroem sozinhos e indubitavelmente nomes como Thomas Muller e Thiago Alcântara tiveram uma grande importância numa época em que o polaco se consagrou melhor marcador da Liga dos Campeões, assim como um sistema tático que, entre todos os palavrões da procura de espaços em profundidade e das movimentações entre linhas, acaba, quase sempre, em Lewandowski.
Este, no entanto, recusa ser um ponta-de-lança que fica à espera da bola. Desde jovem — quando jogou nos corredores ou no meio-campo — que aprendeu que o jogo não se pode basear na capacidade de um jogador e que a participação na construção tem de ser de todos. Isto, não invalida, claro está, que Lewa finalize melhor uma jogada do que qualquer outro. Afinal de contas, o homem não se fez máquina por razão nenhuma.
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