Criado em 2009, o Prémio Puskás é uma homenagem à antiga glória do Real Madrid e da selecção da Hungria, que faleceu vítima de doença prolongada em 2006. O Major Galopante (nascido em 1927, em Budapeste) marcou 237 golos em 262 jogos em 10 épocas pelos merengues, ajudando a conquistar 8 Ligas Espanholas e 5 Ligas dos Campeões. Nomes como Neymar (2011), Zlatan Ibrahimovic (2013), James Rodríguez (2014) e o agora o The Best Cristiano Ronaldo (2009) foram ilustres vencedores de edições passadas deste prémio.
Assim, aquando da atribuição do galardão na edição deste ano, a pergunta que provavelmente muitos fizeram foi: "mas quem é este tipo, que bateu um livre à Roberto Carlos"? A comparação é arrojada, mas propositada. Nem que seja só para quem ainda não conhece o golo do mítico defesa-esquerdo (lenda da Seleção Brasileira e do Real Madrid e considerado um dos melhores de sempre na sua posição), ter vontade de o pesquisar.
A comparação acontece porque a própria FIFA publicitou o golo Puskás 2016 como sendo um que "desafiou as leias da física". E se existe uma referência à "física" num golo de bola parada não há como não recordar o momento que deu origem à expressão. Porque existiu, de facto, um golo alvo de estudo por parte da comunidade científica. Falamos do tal livre impossível de Roberto Carlos, marcado num jogo em que o Brasil defrontava a França, há (redondos) 20 anos.
Mas já lá iremos. Primeiro, vamos tentar saber um pouco mais de Subri, o novo herói da Malásia, e de como é que este craque asiático chegou do outro lado do mundo para partilhar palco com algumas das estrelas do futebol mundial.
Uma curva belíssima
O Prémio Puskás (baptizado em homenagem a um dos melhores jogadores de sempre, o húngaro Ferenc Puskás) foi criado pela FIFA para premiar o mais belo, virtuoso e imponente golo que aconteceu ao longo de um ano. Os nomeados são escolhidos pela FIFA, o vencedor é votado pelos fãs do futebol, um pouco por todo o mundo. Para ser válido como elegível para última edição do Prémio Puskás, o golo tem de ter acontecido entre 30 de setembro de 2015 a 30 de setembro de 2016 e a obedecer a três regras: 1) não ser fruto do acaso; 2) o jogador não pode cometer atitudes que comprometam o fair-play (ser expulso, etc); 3) tem de ser bonito.
O de Subri aconteceu logo no início do ano, mais precisamente a 16 de Fevereiro de 2016. Num encontro entre o Pulau Pinang e o Pahang FC a contar para a 2.ª jornada da Super Liga da Malásia (I Divisão desse país), o médio-ofensivo de 29 anos do Pinang entrou endiabrado. Logo aos 3’ da primeira parte abriu o marcador, colocando a equipa em vantagem praticamente desde o início da partida. De seguida, quando ainda nem estavam decorridos dez minutos de jogo, o seu colega da equipa Córdoba amplia a vantagem. 2-0 ao intervalo, portanto. E é no início da segunda parte, que chega o momento alto do jogo. Num livre descaído para o lado esquerdo (e com apenas dois homens na barreira, tal a distância e o ângulo para a baliza), Subri arrancou para a bola e de pé direito rematou para executar algo que pareceu ter saído da série FIFA', popular videojogo para consolas como a Playstation ou a Xbox.
E o que é um facto é que, logo à primeira visualização, facilmente se percebe a razão pela qual 60% dos internautas elegeram este golo como o melhor do ano. A bola sai dos pés do jogador malaio e vai aos ziguezagues em direção à baliza. Não há uma trajetória linear. Não há um arco (aquele "banana shot" clássico deste tipo de lances). E definitivamente não se pode acusar o guarda-redes de ficar mal na fotografia. Apesar do livre ser do "meio da rua" (como se costuma dizer na gíria futebolística), a verdade é que a bola começa por avançar em direção ao poste direito do guarda-redes, mudando depois de "rumo" a meio do trajeto e acabando por entrar precisamente no lado oposto, fazendo balançar as redes laterais. Convém até ver o golo mais do que uma vez, até para admirar um efeito tão... peculiar. Um golaço, portanto. Será justo dizer que nenhum dos presentes no Bandaraya Pulau Pinang Stadium estava à espera que a bola entrasse na baliza de Mohd Nasril Nourdin. Mas entrou. E Subri é hoje um malaio bastante popular e um herói nacional. O jogo acabaria por terminar com uma vitória caseira por 4-1. Mas a história do jogo estava feita desde o minuto 63 e com o bis de Subri.
Depois disso (e da FIFA o ter colocado na lista dos dez nomeados ao Prémio Puskás, para ser votado pelos internautas) o golo de Subri percorreu meio mundo e começaram as comparações em relação ao já acima mencionado golo de Roberto Carlos. Houve até publicações como o The Independent que logo na altura o apontaram como principal candidato à vitória no galardão atribuído pela FIFA. E a verdade é que tal acabou mesmo por acontecer.
Comparações à parte, a verdade é que o golo de Faiz Subri e a vitória no prémio Puskás catapultou a Malásia para um dos seus maiores feitos futebolísticos. Mais: foi o primeiro jogador asiático a conseguir o feito. (E atenção que havia um golo de um tal de Lionel Messi entre os outros nomeados...)
A conquista mereceu rasgados elogios do Primeiro Ministro malaio, Ahmad Zahid Hamidi. "Parabéns Faiz Subri por venceres o Prémio FIFA PUSKAS 2016. Graças a Deus, o teu árduo trabalho compensou e trouxe glória à Malásia", disse o chefe do governo da Malásia.
Mas a verdade é que nem o astro argentino conseguiu ultrapassar o franzino "Juninho Pernambucano" (outro craque brasileiro especialista em livres diretos) da Malásia. “Honestamente, nunca me passou pela cabeça que pudesse estar aqui para o melhor golo de 2016", disse Faiz no discurso após receber o prémio das mãos de Ronaldo (o "Fenómeno", ex-jogador brasileiro) durante a gala.
"Quero agradecer à Associação de Futebol de Pinang, à Associação de Jogadores de Futebol da Malásia, a minha família, pai, mãe e todos aqueles que votaram em mim", continuou.
A personalidade de Faiz acabou por ser um dos momentos mais marcantes da cerimónia da FIFA. Ninguém ficou indiferente ao jogador de aspecto delgado vestido num impecável smoking preto: pela humildade, pela simplicidade, pelo nervosismo, pela felicidade de quem sabia que muito provavelmente jamais voltaria a pisar aqueles palcos.
No entanto, o atleta dos Pulau Pinang começou a conquistar as pessoas ainda antes do discurso em si. Ao ouvir o seu nome ser anunciado, subiu ao palco envergando um largo sorriso e enquanto procurava retirar o seu telemóvel do bolso do fato. Depois, tomou a liberdade de levar o seu tempo tempo à procura do discurso de agradecimento no aparelho. Em tom de brincadeira, o apresentador Marco Schreyl perguntou-lhe: "Vai um ajudinha?". Não foi preciso. Prosseguiu nervosamente, mas feliz. E até acabou por ser "defendido" pela atriz Eva Longoria, co-apresentadora da cerimónia, que disse que Faiz "estava apenas a enviar uma mensagem".
"O golo é fruto do meu trabalho nos treinos. É definitivamente o melhor golo que já marquei", disse, envergonhado, numa entrevista pós-cerimónia. De acordo o jornal malaio Astro News, Faiz admitiu passar 15 minutos todos os dias depois de cada sessão de treino a praticar este tipo de lances de bola de parada.
Depois do reconhecimento mundial, Faiz Subri não fecha as portas a uma eventual mudança para a Europa, mas mostrou novamente humildade ao dizer que neste momento o seu coração é fiel ao vínculo com o Penang, 10.º classificado da última Super Liga malaia.
O "pontapé-canhão" original que desafiou as leis da física
3 Junho, 1997. Há quase 20 anos, portanto. O Mundial de 98 estava à porta e França organiza o "Tournoi de France", um torneio internacional de carácter amigável com quatro participantes: Brasil, Inglaterra, a seleção anfitriã e Itália. Tempos idos, sem direito a Taças das Confederações, que serviram para "testar" os estádios que receberiam o Mundial no ano seguinte e aprimorar retoques de última hora antes da verdadeira competição arrancar.
Para abrir as cerimónias, o sorteio ditou que o jogo de abertura iria opor a seleção canarinha aos gauleses, no Stade de Gerland, em Lyon. Perante 28 193 espetadores, França e Brasil não foram em "poupanças" e apresentaram as suas equipas "de gala".
11 inicial da França: Barthez, Candela, Laurent Blanc, Desailly, Lizarazu, Karembeu, Didier Deschamps (esse mesmo, o atual seleccionador gaulês), Zidane, Ibrahim Ba, Florian Maurice e Robert Pires. Aimé Jacquet era timoneiro de serviço.
11 inicial do Brasil: Taffarel, Cafu, Célio Silva, Aldair, Roberto Carlos, Dunga, Mauro Silva, Leonardo, Giovanni, Romário e Ronaldo. Treinador: Zagallo comandava "time".
Um jogo tem 90 minutos de futebol, mas neste caso particular o único que ficou para a história foi o 21.º. Ronaldo (que se preparava para terminar a sua primeira e única época no Barcelona, para depois rumar ao Inter italiano), descaído sobre a esquerda, recebe a bola e reflete para o centro do terreno, com o esférico colado ao pé, até ser "ensanduichado" por dois autênticos colossos da história do futebol francês: Thuram (que tinha entrado para substituir Karembeu aos 14') e Laurent Blanc. A jogada segue até que acontece nova falta, apenas segundos depois, agora sobre o 'Baixinho' Romário, ainda a uns bons 35 a 40 metros da baliza de Barthez, mas bem no centro do campo. Dunga aproxima-se e dá uma festinhas na bola, mas Roberto Carlos corre em direção ao esférico e dá um "chega para lá" ao companheiro. Ficou claro que aquela bola era dele para bater. Dunga anuiu ao perceber a intenção do colega.
Na baliza francesa, Barthez grita e orienta a barreira. Já o defesa brasileiro permanece calmo, sereno e vai ajeitando a bola. Depois, apanha balanço (recua praticamente 10 metros) quase até entrar na linha circular do meio-campo. E o que seguiu foi um momento que passou a ser denominado como "à Roberto Carlos". Isto é, se Cristiano Ronaldo antes de marcar um livre fica em pose de estátua e respira fundo, o brasileiro faz uma passada curtinha para tomar um longo balanço em direcção à bola para, tal como o português, disparar um autêntico míssil na direção da baliza. Só que este remate foi diferente. Para além da força, a bola desenhou uma curva incrível e que deixou o guarda-redes francês a seguir a bola apenas com os olhos. Na verdade, era uma bola que não devia ter entrado. Era uma bola que devia de ter ido parar perto bandeirola de canto (a julgar pelo início da trajetória). Mas a bola acabou por fazer um arco sobre o lado esquerdo de Barthez e tirar um pouco da tinta ao poste antes de entrar.
Há golos muito bonitos e de excelente recorte técnico. Mas depois há outros que nos deixam de boca aberta. E o golo com que o eterno lateral do Real Madrid brindou o mundo em Lyon foi um deles. Aliás, Roberto Carlos era especialista neste tipo de reações: o seu golo contra o Tenerife, pelos merengues, no ano em que o clube de Madrid ganhou a sétima Liga dos Campeões, também teve o condão de colocar os adeptos em êxtase.
Para a história, fica a recordação do golo e não do torneio. Excepto, talvez, para os adeptos ingleses, que viram a seleção do seu país ganhar um torneio fora do Reino Unido pela primeira vez. A Inglaterra acabou por vencer a competição após fazer seis pontos, fruto de duas vitórias nos dois primeiros jogos contra a Itália (2-0, Wright 24' e Scholes 42') e a França (0-1, Shearer 86'). Porém, acabou com uma derrota no último jogo frente ao Brasil (0-1, Romário 61').
Quanto à física do golo, esta foi explicada num artigo publicado no Journal of Physics em 2010, de acordo com a BBC. Uma equipa de cientistas franceses descobriu a trajetória do golo e desenvolveu uma equação para a descrever. Segundo as suas conclusões, o "tiro" de Roberto Carlos não surgiu ao acaso e não foi sorte. O remate pode ser repetido se estiverem reunidos três factores: distância da baliza, efeito apropriado e força adequada. Muitos especialistas do jogo ditaram o remate como o “golo que desafiou a física”, coisa que o trabalho destes cientistas desmentiu ao descrever de forma exacta a trajetória da bola. “Conseguimos demonstrar que a trajetória da esfera quando faz o efeito é espiral”, disse o investigador Christophe Clanet da Escola Politécnica em Paris.
Clanet descreveu este percurso da bola no livre do brasileiro como uma “trajetória em forma de concha de caracol” onde a curvatura aumenta à medida que a bola avança. Assim, estando o Roberto Carlos a 35m da baliza quando fez o remate, mais visível ficou a referida trajetória. Resumindo: a aparente mudança de trajetória da bola foi, afinal, o estreitamento natural da curva.
Quando fizeram esta descoberta, a dupla de cientistas Clanet e David Quere dedicavam-se à trajetória de balas e não estavam à procura de uma resolução para este problema físico do mundo do futebol. Foi um feliz acaso. No entanto, para lá chegar, utilizaram água e bolas de plástico (com a mesma densidade que a água) para “simplificar o processo”. Porquê? Porque desta maneira eliminaram os efeitos presentes na turbulência do ar e da gravidade, revelando a trajetória puramente física da esfera.
“Num campo de futebol verdadeiro, veríamos algo semelhante a esta espiral, apenas modificada pela gravidade”, disse Clanet. “Mas se rematares com força suficiente, como o [Roberto] Carlos chutou", consegues "minimizar o efeito da gravidade”, justificou.
O aspecto crucial para o remate impossível é a distância que a bola teve que viajar para bater o guarda-redes francês Fabien Barthez. “Se a distância é pequena, só é visível a primeira parte da curva. Mas se a distância é grande, consegue ver-se essa curva a aumentar, de forma a que seja possível ver a toda a trajetória”.
E já que recuámos vinte anos no tempo para recordar este momento icónico da história recente do futebol, terminamos este artigo com a visualização de um vídeo de uma empresa que pega em momentos futebolísticos marcantes e os recria em com "gráficos" dos anos 90. Assim, e com a nostalgia "futeboleira" bem viva, a 8bitfootball pegou no clássico simulador de futebol Sensible Soccer e relembrou o momento de Roberto Carlos.
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