Caro Kyrie,

Quando o LeBron James anunciou que ia levar os seus talentos para Los Angeles, os adeptos dos Boston Celtics esfregaram as mãos de contentes. Afinal de contas, tinham obrigado os Cleveland Cavaliers a um sétimo jogo na final da conferência Este e sem contar contigo, com o Gordon Hayward e com o Marcus Smart, que estavam todos lesionados. Sem o "King" e sem lesões, o trono do Este estava reservado para ti e para os teus Celtics. Mas não só não chegaram à final de conferência, como vão iniciar o verão com muitas interrogações e apenas uma certeza: esta época foi um autêntico fracasso.

Saíste de Cleveland porque querias ser o "go-to guy". Na época passada, a tua primeira em Boston, as lesões não te deixaram. Com o teu ex-colega LeBron no Oeste, este tinha tudo para ser mesmo o teu momento. Talvez por isso tenhas dito que te vias a ficar mais anos em Boston. "Se me quiserem aqui, estou a planear em assinar a renovação no final da época", disseste em outubro, ainda antes da bola ao ar na temporada. Mas os Celtics revelaram uma inconsistência inesperada desde o início da época e, apesar dos analistas acreditarem que o Brad Stevens ia colocar a equipa nos eixos, a tranquilidade nunca chegou.

Em meados de janeiro, num desconto de tempo no final de um jogo em Orlando, contestaste a jogada desenhada pelo teu treinador para aquela última posse de bola e, depois do Jayson Tatum falhar o lançamento decisivo, continuaste a protestar com os teus colegas de equipa. Primeiro, ainda dentro de campo, questionaste os veteranos Al Horford e Gordon Hayward. Depois, fora das quatro linhas, apontaste o dedo aos "miúdos", numa clara referência a Tatum, mas também a Terry Rozier e Jaylen Brown. Este último respondeu, dizendo que era preciso jogar mais e falar menos... e que o exemplo devia vir do topo. A mensagem era para ti, Kyrie.

Seguiram-se acusações de egoísmo dentro da equipa, a revelação do teu telefonema ao LeBron para pedires desculpa por teres sido um miúdo que não respeitava a liderança do "King" em Cleveland - por que raio vieste outra vez com a tal conversa dos "miúdos"? -, os rumores que te ligavam ao teu amigo Kevin Durant nos New York Knicks, as ondas de choque provocadas no balneário pelo pedido de troca de Anthony Davis nos New Orleans Pelicans e, a cereja no topo do bolo, a tua famosa reação à pergunta sobre a futura "free agency". "Perguntem-me a 1 de julho. Vou fazer o que for melhor para a minha carreira. (...) Não devo merda nenhuma a ninguém", atiraste sem contemplações.

E esta nem sequer foi a tua pior citação deste ano. "Sou um génio, no que diz respeito ao jogo", afirmaste durante a eliminatória frente aos Milwaukee Bucks. O problema, Kyrie, é que os Celtics não precisavam de um génio, mas sim de um líder. Dentro e fora de campo.

Se fora das quatro linhas foi o que se viu e ouviu, lá dentro não foste muito melhor. És o 5.º jogador da segunda ronda dos playoffs com maior "usage rate" (30.0%), que, como sabes, é uma estimativa das jogadas da equipa que um jogador termina - a fórmula inclui minutos jogados, lançamentos de campo, lances livres e turnovers - enquanto está dentro de campo. Com uma "usage rate" maior do que tu só mesmo o James Harden (34.7%), o Kawhi Leonard (32.1%), o Kevin Durant (31.9%) e o Giannis Antetokounmpo (30.5%), de longe os quatro melhores jogadores desta fase e que estão ao melhor nível das respetivas carreiras. E tu? Médias de 20.4 pontos, 4.4 ressaltos, 6.4 assistências, 1.4 roubos de bola, 3.6 turnovers, 35.6 FG% (37/104), 21.9 3P% (7/32) na segunda ronda dos playoffs.

Pior que isso, e entre os sete atletas dos Celtics mais usados na rotação de Brad Stevens, foste apenas o sexto em termos de PIE (Player Impact Estimate). Contas feitas, foste o 5.º jogador entre todos os atletas das oito equipas na segunda ronda com maior "usage rate" e apenas o 12.º exclusivamente da tua eliminatória com o melhor PIE. Quanto ao total dos playoffs, ocupas a... 39.ª posição no ranking do PIE, com um rácio de 8.1, o que é manifestamente pouco para quem se auto-intitula um génio do basquetebol. A estrela grega dos Bucks é o 2.º deste ranking (21.1), apenas atrás do Kawhi Leonard (24.2). Muitos analistas e adeptos mais atentos dirão que o PIE é uma estatística apenas focada no ataque, mas eu pergunto-te: queres mesmo falar do que fizeste na defesa nestes playoffs? Pois... É melhor não entrarmos por aí.

"Verdade seja dita, não é altura para ficar desiludido. Aprendemos a lição e seguimos em frente. Para mim, é apenas seguir para o que vem a seguir e perceber onde isso me leva", concluíste, após a eliminação. Tu, o tal génio que tinha dito há poucas semanas que nenhuma equipa seria capaz de vencer os Celtics em sete jogos e que, depois do 1-1 nesta série, garantiu que era para aquele momento que tinha sido contratado, terminaste a época sem glória.

Não me interpretes mal, Kyrie. Adoro ver-te jogar. Acho mesmo que és um génio nisto do basquetebol. Um dos três melhores bases da liga. "Franchise player" de caras. Estava mesmo a torcer por ti e partiste-me o coração. Estava convencido que podias ser um líder. Não podes. E não é preciso ser um génio para perceber isso.