Outras equipas foram pioneiras relativamente à utilização de equipas de analistas e a departamentos de pesquisa de dados. Contudo, e apesar de terem acesso a tais parâmetros, havia duas barreiras que precisavam de ser ultrapassadas. A primeira, saber o que procurar dentro dos valores obtidos, a segunda, matematicamente mais fácil, socialmente muito mais complexa, ser aceite e valorizado pelos treinadores.

Foi na primeira que residiu a genialidade de, um dos muitos responsáveis pelo momento atual do Liverpool, e foi em Jürgen Klopp que residiu o segredo para a segunda, uma vez que o alemão foi, não só um dos treinadores recomendados por Graham, como acabou por, pela primeira vez na sua carreira, deixar que o departamento de pesquisa e análise de dados, tivesse um impacto grande nas suas decisões.

Graham era aluno de doutoramento na Universidade de Cambridge quando se apercebeu que, na área que escolhera para o seu futuro, Física de Polímeros, as grandes descobertas pareciam já ter sido feitas e que tinha uma de duas hipóteses: ou continuar numa área cujo impacto seria provavelmente menor ou, escolher outra na qual poderia ter uma influência maior. Foi então que resolveu candidatar-se a uma empresa que trabalhava na consultoria para análise de dados e estatísticas em clubes profissionais de futebol. Durante quatro anos Ian trabalhou para o Tottenham mas sem grande sucesso, já que o interesse do staff técnico parecia ser mínimo ou mesmo nenhum.

Antes de nos alongarmos mais sobre Ian Graham e o seu percurso, convém fazer uma adenda, e tentar perceber quem são os proprietários do Liverpool FC e que relação têm os mesmos com o tema Moneyball.

“As pessoas passam despercebidas por uma variedade de razões e defeitos parciais, idade, aparência, personalidade. Bill James e a matemática veem através de tudo isso. Dos vinte mil jogadores que podemos considerar eu acredito que existe uma equipa de vinte e cinco pessoas que nós temos capacidade de contratar, capaz de lutar pelo título. Porque todas as outras pessoas no beisebol as subvalorizam" - Peter Brand (Jonah Hill) em 'Moneyball'

Para quem não leu o livro ou viu o filme, os Oakland Athletics, também conhecidos como Oakland A’s, são uma equipa de Beisebol Americano que quase conseguiu o impossível: ser campeã, com um orçamento infinitamente inferior aos clubes de maior envergadura. Fizeram-no recorrendo a fórmulas matemáticas que permitiram selecionar dados e apresentar opções que, sendo mais viáveis financeiramente, davam à equipa o mesmo rendimento dentro de campo que os jogadores mais bem pagos da liga. Ou seja: o rendimento de vários, por parte jogadores economicamente mais em conta, iria igualar o rendimento dos melhores jogadores da liga.

O sucesso dos Oakland A’s levou a que uma equipa, com maior poder financeiro, utilizasse os mesmos métodos, o que somado ao fator financeiro acabou se revelou tremendamente eficaz. Os Boston Red Sok não venciam a liga de beisebol americana há quase um século e desde 2002, altura em que os A’s surpreenderam o campeonato norte-americano, já a venceram por quatro ocasiões diferentes.

Voltemos então a Ian Graham e a 2010. Após quatro anos de trabalho no Tottenham, Ian recebe um convite do Liverpool. Curiosidade? Os Reds tinham acabado de ser adquiridos pela Fenway Sports Group, a detentora dos Red Sok. É aqui que os pontos se começam a ligar e que a filosofia do atual Liverpool começa a ser colocada em prática.

A partir desse momento passou-se a tentar replicar uma versão de um departamento de pesquisa e análise de dados que pudesse vir a dar os mesmos frutos que o Moneyball deu no beisebol americano e Ian Graham era o homem escolhido para fazer isso acontecer.

A verdade é que o futebol é muito mais imprevisível que o beisebol e o fator “sorte” e ”azar” poderão ter uma influência muito maior do que à partida possamos imaginar. Sem nos alongarmos muito sobre o assunto, na última época de Jürgen Klopp ao serviço do Borussia Dortmund, Ian já no Liverpool, concluiu que, de acordo com a sua análise, apesar do sétimo lugar alcançado, a prestação estatística da equipa merecia o segundo lugar na classificação geral e que, tendo a posteriori efetuado uma análise das últimas dez temporadas da liga alemã, o Borussia Dortmund de 2014-15, teria sido a segunda equipa mais azarada de toda a década.

“Não se constrói uma equipa com um computador” - Grady Fuson (Ken Medlock), em ' Moneyball'

Como tal, o conceito aplicado ao beisebol não teria efeitos no futebol. Foi então que Ian decidiu desenvolver um algoritmo que lhe permitisse analisar a informação de uma acção de um jogador, quer seja um passe, um roubo de bola, um remate, e colocar a pergunta: quais as probabilidades da equipa marcar antes desta ação e quais as hipóteses da equipa marcar depois dessa mesma ação?

Dentro dessa mesma análise, um dos exemplos dados por Ian - fica a sugestão do episódio 393 do podcast Freakonomics Radio - é a diferença entre o risco e a recompensa quando um jogador passa a bola. E é aqui que tudo encaixa com a filosofia do Liverpool que conhecemos e a forma como este algoritmo, e consequentemente as aquisições de jogadores, começaram a ter influência na forma como a equipa joga.

Um dos requisitos para a contratação de jogadores para Anfield tem sido a percentagem de passes de risco nas costas das defesas adversárias. Um jogador poderá, portanto, ter uma tendência para tentar efetuar passes de execução mais difícil e arriscada e essa ser uma característica que passa despercebida - ou que é mesmo mal vista nas estatísticas simplificadas da percentagem de passes efetuados com sucesso. Já na análise de Ian, o reconhecimento do balanço entre risco e recompensa e a comparação global de jogadores numa área especifica do passe servirá para poder adicionar velocidade, profundidade e audácia à equipa. O que hoje vemos como sendo os pontos fortes que o Liverpool não hesita em mostrar.

Exemplo primordial do que falamos é Naby Keita, um dos achados de Ian Graham. A percentagem de passes efetuados com sucesso do ex Leipzig, comparativamente com outros médios de classe mundial, tende a ser mais baixa, ainda assim, e recorrendo aos números que verdadeiramente interessam a Ian, Keita tenta, com regularidade, passes que colocam os colegas de equipa em posições onde estes têm uma maior percentagem de concretização. Quer através do passe, ou da condução de bola, segundo o computador, o médio mostrava uma tendência monstruosa de colocar a bola em zonas de perigo para o adversário. Ian considerou-o desde logo um fenómeno. Levou dois anos até que a recomendação para a sua contratação fosse realizada, mas o que é certo é que Keita chegou ao Liverpool e tem sido fundamental para a equipa. Ao lado do nome do guineense constam os de Andy Robertson, Mohamed Salah, entre outros, como jogadores que começaram a despertar o interesse dos Reds numa sala cheia de computadores localizada na academia do clube orientado por Klopp.

Naby Keita ao serviço do Liverpool na última temporada, em jogo dos quartos de final da Liga dos Campeões disputado no estádio do Dragão. frente ao FC Porto
créditos: EPA/PETER POWELL

Apesar desta ser uma rutura enorme com o que é tradicional e com o que é esperado de um desporto que apenas agora começa a abrir portas à inovação, ainda há muito a fazer na área. Se pensarmos que esta análise é ainda e só apenas baseada em passes, remates e movimento da bola, podemos pensar no que será possível fazer quando se tiver, por exemplo, acesso à intensidade do passe, ao tipo de passe dependendo do ângulo a que o recetor se encontra do executante, das distâncias entre jogadores das mesmas equipas e adversários, etc.. Se pensarmos nas possibilidades, estamos ainda a anos-luz no que à análise de jogo diz respeito. E mais do que da análise de como a nossa equipa se comporta, como a equipa adversária joga ou como nós temos que jogar perante a equipa adversária. Estamos ainda distantes de, por exemplo, montar uma equipa tendo em conta a sua filosofia, o campeonato onde joga, o tipo de futebol jogado nesse mesmo campeonato, etc..

A contratação de um jogador, como o próprio Ian diz, é uma tarefa multidisciplinar que envolve os mais diversos departamentos. A combinação de fatores tem que ser muito bem idealizada para cumprir o objetivo de contratar um jogador que encaixe na perfeição no sistema pretendido. É aí que todos os departamentos, incluindo o de pesquisa e análise de dados, se tornam tão importantes para um clube de futebol moderno com aspirações de retirar o máximo de todos os seus investimentos.

O futebol é e será um desporto imperfeito, isto é, ilimitado nas suas opções e ocorrências. E assim sendo, as possibilidades de inovação e de mudança são e serão sempre infinitas.

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