No Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, num jogo entre as seleções da Holanda e Costa Rica, Louis van Gaal fez-nos acreditar que Tim Krul era um especialista em grandes penalidades. Quando o jogo se aproximava do minuto 120 e com o desempate da marca dos 11 metros a surgir como inevitável, o treinador holandês trocou de guarda-redes, fazendo sair o guardião titular, Jasper Cillessen, para entrar Krul, na altura guarda-redes do Newcastle.

A substituição surpreendeu a equipa da Costa Rica, convencida que a seleção adversária tinha feito entrar em campo um especialista em defender grandes penalidades. Era um jogo psicológico de van Gaal que acabou por se cumprir como uma profecia anunciada e Krul defendeu dois penaltis e garantiu a passagem da Holanda às meias-finais do Mundial.

A prova de que Krul não é nenhum especialista em grandes penalidades é que nesse mesmo Mundial, a eliminatória seguinte, frente à Argentina, também foi decidida da marca dos 11 metros e o guarda-redes holandês não foi chamado a salvar a pátria. A Holanda acabaria mesmo por ser eliminada aos pés de Lionel Messi e companhia.

Se Tim Krul não é um especialista em grandes penalidades, não deixa de ser um dos guarda-redes mais experientes da Premier League, onde joga desde 2008. E a desempenhar o papel de protagonista, aí sim, é um dos melhores. Depois de 120 minutos num jogo entre Tottenham e Norwich, a contar para a Taça de Inglaterra, de várias grandes defesas e um erro de indecisão que permitiu a Jan Vertonghen um grande golo de cabeça na sequência de um livre, Krul foi para a linha de golo para atormentar a vida a José Mourinho.

O jogo tinha ficado 1-1, os Canários empataram ao minuto 75, curiosamente também na sequência de um erro do guarda-redes, este mais escandaloso, uma defesa incompleta que permitiu a Drmic, avançado de serviço na ausência de Pukki, fazer a festa. No prolongamento, entre ataques de baliza a baliza, Lo Celso e Gedson Fernandes tiveram nos pés as oportunidades de sentenciar a vitória, mas sem o conseguirem.

O empate que se manteve até ao minuto 120 foi como uma chamada para palco para que Krul interpretasse o seu monólogo. Começa assim que o guarda-redes sai da reunião da equipa para a baliza, Eric Dier, dos Spurs, foi o primeiro a bater, a ler as cábulas dos marcadores adversários, coladas e escritas a esferográfica preta na garrafa de água. As câmaras captam, o estádio assobia. Dier, jogador internacional inglês que finalizou a sua formação no Sporting, pousa a bola na marca dos 11 metros. Krul vai ao poste bater com as chuteiras, vai ao outro, esperneia, salta. Pára e não consegue impedir a bola de entrar, apesar de ter adivinhado o lado.

Sem grandes floreados, Michel Vorm, compatriota de Tim Krul que, no Mundial do Brasil, do banco, o viu selar a passagem frente à seleção da Costa Rica, assumiu a sua posição e defendeu o remate de McLean. Nada que preocupasse o guarda-redes do Norwich que voltou para a linha de golo e, agora, mais calmo porque viu Lamela acertar na barra.

Na ronda seguinte Idah bateu Vorm e Lo Celso bateu Krul. Natural, os alvos do guarda-redes dos Canários eram outros, os menos experientes, aqueles que tremiam quando ele dançava, aqueles que suavam de nervosismo quando ele dizia que a bola não estava no sítio certo. Krul era um índio a dançar à volta da fogueira onde se preparavam para se queimar os jovens Parrot e Gedson. Foram os dois em catadupa que entregaram a Tim Krul o protagonismo: um primeiro pénalti bem defendido, um segundo pénalti, o decisivo, fraco e denunciado por parte do português.

Krul foi um herói, durante os 120 minutos foi grande, depois ainda foi maior. Se não fosse guarda-redes podia ser ator num filme de terror para José Mourinho, em que a única competição em que o treinador português poderia realmente ter ambições, onde poderia realmente vencer um título e quebrar o jejum de troféus de 12 anos do Tottenham, onde poderia incutir um cunho vencedor ao seu projeto apesar de prestações menos vistosas na Liga dos Campeões e na Liga Inglesa, lhe foi roubada.

O título de filme, sem sombra de dúvidas, só poderia ser um: The Tim Krul Show.