Pedro, de 20 anos, sofreu um grave acidente e parou dois anos. Não desistiu, regressou às pistas e prepara-se para três provas europeias do mundial de Superbike, na categoria de 600 cc. Sonha com a categoria rainha, as 1000. Rodrigo, de 13 e companheiro de equipa, na Team Stratos, corre em Espanha na senda de Miguel Oliveira. Será o único português, entre 24 jovens pilotos na grelha de partida, numa prova de estreia que acompanhará a competição rainha em solo europeu.
Para Pedro, os estudos ficaram "suspensos no 12.º ano" para a abraçar a profissionalização. "Acredito que a vida profissional vai compensar, apesar de não ter conseguido ainda retirar dividendos", assume. No caso de Rodrigo, só houve motas porque as notas foram boas. Foi e é o trato assinado com a mãe, Teresa, depois de ter corrido na Oliveira's Cup.
Passaram ambos pela mesma equipa em Portugal, a Team Target. Hoje, de Yamaha nas mãos, vestem a mesma camisola em Espanha: Team Stratos, esquadraria que arrancou em 2013, no Campeonato Espanhol de Velocidade (CEV) e corre no europeu de velocidade e Superbike.
O SAPO24 conversou com os dois pilotos portugueses à procura do seu espaço a nível internacional. Os novos "Miguéis Oliveiras" evoluem, para já, em Espanha e em etapas europeias do mundial.
O seu caminho cruzou-se, em competições distintas, no calendário oficial das Superbikes, em Portugal, no Estoril, na abertura do mundial, de 7 a 9 de maio, e muito provavelmente em Portimão (outubro) e nas duas provas espanholas.
Nota: a conversa decorreu antes da apresentação oficial do calendário 2021.
Herói de si mesmo. Pelo que passou
Sofrimento e luta. Angústia e perseverança. Superação, resiliência, palavra tão em voga, ou a proibição de soletrar a palavra desistir. Este, o caldeirão de ingredientes depositados na história de Pedro Nuno.
Assume que não haverá muitos relatos de vida igual ou sequer parecida com a que viveu durante longos meses. Dois anos, para ser mais preciso. Talvez, por isso, considera-se herói de si mesmo e um exemplo a seguir. "Pelo que passei", frisa.
Piloto profissional desde 2020, na espanhola Team Stratos, parece ter conseguido fintar o que o destino lhe antecipava, prematuramente, aos 17.
"Em 2017, estava na Yamaha Espanha, na classe Superstock 600, no Campeonato Espanhol de Velocidade, a preparar-me para o mundial e tive um acidente no Grande Prémio de Aragão. A 16 de julho", diz, citando a data de cor, sentado na sala de sua casa, em Samora Correia, onde recebeu o SAPO24.
Depois, recorda o episódio.
"Não foi culpa minha nem da pista. Um piloto à minha frente partiu o motor e derramou óleo. Caímos oito. Embati na mota e fiquei ali no meio. Outros dois pilotos bateram-me. Tudo o que aconteceu e sofri não resultou da minha queda individual a cerca de 200 km/h. Foi tudo o resto... levei com as motas em cima", especifica.
"Fiz duas faturas expostas. Fémur e tíbia, parti a perna esquerda toda, parti o pé e faturei a L3... foi por pouco", pormenoriza. O retrato de terror poderia ter sido mais trágico. "Rasguei uma artéria e perdi dois litros de sangue. Podia ter morrido ali", conta.
O calvário prolongou-se até 2019. "Foram 13 operações em dois anos. Coloquei dois ferros e seis parafusos nas costas", descreve. "Já tirei parafusos da tíbia", continua. "Entretanto, fiz mais duas operações de rotina, para mudar as peças", sorri. "Ao todo, 15 operações", contabiliza, em tom sério.
Depois do dia fatídico, ainda não voltou ao GP de Aragão. Foi cancelado, no ano passado, por causa da covid-19. "Espero voltar onde tudo aconteceu", diz, sem ponta de calafrio.
Pendurar o capacete era o mais expectável para o piloto de Vila Franca de Xira. Um gesto na linha do protagonizado pelo seu irmão, ex-piloto de motos. "Era profissional de moto racing, na Bélgica, quando teve um acidente. Ficou sem um rim", recorda.
Reconhece ter sido "complicado" para a mãe ver os dois filhos sofrerem acidentes em cima de duas rodas. "Ambos tivemos às [portas da] morte. Ele [por causa] do rim, eu da perda de sangue", refere. "O meu irmão desligou-se das motos".
Faz uma pausa na conversa.
Mas só até regressar às pistas. "O que me fez voltar é estar, neste momento, tão bem e querer voltar à competição", reconhece. "Muita força de vontade. Minha, e da minha família”, aponta.
Um passo atrás para dar dois à frente
"Faço ginásio três vezes por semana, treino físico no Centro de Alto Rendimento do Jamor, bicicleta parada, estrada e BTT e não corro por causa do pé que mexe pouco. Tento variar entre moto de enduro, treinos em kartódromos, Santo André ou Fátima, e autódromo faço consoante a equipa marque. Estive em Jerez de la Frontera. A equipa juntou todos os pilotos, eu, o Rodrigo (Valente), um búlgaro e um espanhol", enumera.
É então que recupera a biografia para falar do futuro. Começou a andar, mais a sério, aos oito anos e o batismo, em 2008, foi no Autódromo Internacional do Algarve. "Fui o primeiro piloto da Oliveira School [escola de Miguel Oliveira]", recorda o quatro vezes campeão nacional de motociclismo, entre os 11 e os 15 anos, em diferentes categorias e vice-campeão em Espanha, "nas 80, ao lado de nomes que estão hoje no mundial".
Nunca fez um "europeu inteiro". No ano passado, acelerou, em Portugal e Espanha, na categoria de 1000. "Este ano, baixo para os 600 e só em Espanha. Porquê? Para ter mais hipóteses de entrar no mundial", explica. "Não digo ser um passo atrás, mas sim dois à frente. Descer de categoria, para dar o salto", atira.
Um recuo que também se explica a nível orçamental. "Nas 1000 necessitamos de 500 mil euros. Nas 600, há mais oportunidades", esclarece. Reconhece não ser um desporto barato. "Para fazer a 600 em Espanha, consegues com cerca de 60 mil euros. Num europeu, 150 mil. Mundial... é muito mais", detalha. "A equipa dá a mota e pneus. Só não paga as quedas. Isso, sou eu a custear", assegura.
Pensa gastar "80 mil euros" nesta temporada, sem contar com "os patrocínios". "Irei fazer três etapas europeias [são 9] do mundial [13 no total]. No Estoril e em Espanha". Para tal, pagará "4.700 por prova de inscrição com pneus", detalha.
O sonho é o Moto GP. "Mas o sonho é uma coisa. O objetivo é a Superbike", diz realisticamente. Em 2022, quer "estar no europeu, nas 600". No ano seguinte, "o mundial". E a partir daí sempre a subir para "chegar à Superbike (1000, a categoria rainha) aos 23 anos", sublinha o n.º 85.
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"Sem notas, não há motas"
Rodrigo Valente começou a competir em 2018. O batismo, em setembro desse ano, então com 11, ficou a cargo de Rui Balhé, da Escola de Iniciação Moto Racing.
Estava dado o primeiro passo.
"Quero seguir isto como profissão", confessa, sentado no café, propriedade da família, na Linha de Sintra, espaço, hoje em dia, devido às restrições provocadas pela pandemia, reservado a take-away.
"Sempre brincou com motas e recordo quando tinha 18 meses foi com o pai ao Cabo da Roca e delirou", interrompe a mãe, Teresa.
"Aos 10 anos, os miúdos falavam do que queriam ser e ele dizia sempre o mesmo. Queria ser um piloto de motas, piloto de pista. Desde pequeno", recorda. "Confesso, para mim não existia. Não sou da área e dizia para escolher outra coisa, porque piloto em Portugal, não existia", reforça.
No dia em que no caminho se atravessou a Oliveira's Cup, a (troféu-escola organizada pelo português, Miguel Oliveira, destinado a jovens pilotos) mãe e filho selaram um acordo. "Se as notas fossem boas, ia à procura de uma pista. Ele cumpriu e eu também. Sem notas, não há motas", deixa o recado.
O único português na estreia de uma prova que acompanha o mundial de Superbikes
A conversa segue pelo verbo de Rodrigo. "Na escola estranham e dizem que sou louco por andar a 200 km/h numa mota de 160 kg", atira o jovem de 43 kg de peso e 1,61 cm de altura.
Volta atrás na história. Para explicar como tudo começou. Um percurso e uma paixão sem passagem na Playstation e jogos de consola. "No natal, os meus avós ofereceram-me uma moto 5 (250cc) para correr. E uma 155 para treinar na escola do Rui", recorda.
"Corri no Troféu 2020, em 2019, e a meio fiz o Campeonato Nacional de Velocidade (CNV). Fui vice-campeão, no 2020 e 5º lugar do CNV", detalha.
Hoje, senta-se em cima de uma moto com 300 de cilindrada. Está inscrito na categoria de Supersport 300 e participará no campeonato espanhol ESBK.
Tem estado a fazer treinos em Jerez de la Frontera (no batismo, neste circuito, caiu e partiu um dedo) com a equipa espanhola. "Vou fazer o campeonato espanhol", aponta o n.º 32, seguindo as pisadas do Miguel Oliveira, piloto que conheceu quando o Falcão de Almada "estava na Moto 2".
"Começa em 11 de abril e vai até novembro. Sete provas", anuncia. "Em Espanha evolui-se muito, aqui o campeonato é pequeno", perspetiva o piloto da Yamaha, Team target, em Portugal e Team Stratos, em território espanhol.
Prepara-se igualmente para fazer a Yamaha R3 Blu cru, prova em estreia da Yamaha Racing. Arranca em abril e é destinada a jovens pilotos, entre os 12 e os 20 anos. Estes abraçam a oportunidade de participar em seis rondas europeias do Mundial de Superbikes (competição com 13 paragens). É o único português, entre os 24 pilotos na grelha de partida, das 12 corridas do calendário.
"Depois de feita uma pré-seleção, seleção e escolha da shortlist, pagamos 26 mil euros, ou antes, 27,990 certinhos, para participar este ano, informa a progenitora. Nesta primeira aventura, adianta que são "os pais a custear".
Mãe é mãe, mas Teresa deixa uma garantia. "Vou a algumas, pelo menos à primeira, não faço as provas todas em Espanha. Ele tem de ganhar asas...", assegura.
O resto será na companhia do mecânico e da equipa. "As equipas são completas e está com o Pedro Nuno (conhece-no-lo na Moto 5). É mentor dele e treina-o", sublinha.
Os dois estarão, lado a lado, nos circuitos do Estoril e Portimão e nas pistas espanholas.
"Irei acompanhá-lo e apoiá-lo sempre. Não tenho o direito de impedi-lo em seguir o caminho. E Portugal é pequeno", finaliza.
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