É bem cedo que dezenas de embarcações de pesca artesanal se fazem ao mar, todos os dias, junto ao pontão de Santa Maria, local outrora percorrido por centenas de turistas, todos os dias. Agora, além dos pescadores, estes barcos levam também carpinteiros, pedreiros ou até taxistas, que procuram no mar algum sustento.

“Não tem trabalho e há mais gente e ir ao mar. Enquanto não vem o turismo”, explica à Lusa o pescador Roberto Carlos, 30 anos e uma vida passada no mar da ilha do Sal.

“Com tudo fechado, é preciso mexer”, atira.

E o “mexer” é mesmo “dar de comer à família”, sobretudo o atum, o peixe que mais pescam por ali e que durante anos, antes da chegada em força do turismo, era a grande atividade da ilha.

E sem turistas — antes da pandemia passavam mais de um milhão de pessoas pelo aeroporto internacional do Sal — os pescadores também sentem, de duas formas: Desde logo a procura por peixe dos restaurantes caiu abruptamente, simplesmente porque grande parte fechou portas, e também porque muitos tinham os passeios no mar, alguns até com viagens à vizinha ilha da Boa Vista, com os turistas, como uma segunda atividade.

“Assim só fica a pesca, para comer”, desabafa Roberto Carlos, convicto, ainda assim, que esta crise “vai passar” e o rebuliço dos turistas voltar às praias do Sal.

Em 2019, Cabo Verde recebeu um recorde de 819 mil turistas, quase metade na ilha do Sal, e a atividade valia 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2020, o arquipélago perdeu mais de meio milhão de turistas e praticamente não teve turismo depois do confinamento de março.

Daniel Gomes, de 39 anos de vida e quase tantos na pesca, nunca fez outra coisa e nunca viu nada igual na ilha.

“Quando o peixe aparece, há outros empregados que trabalham na vida na terra que vão à procura do peixe com os pescadores, que não são pescadores. Mas fazem porque têm necessidade e a família para sustentar”, conta.

No seu barco, de dez metros de comprimento, vão habitualmente, todas as manhãs, três homens à pesca do atum. Com a pandemia, há agora sempre lugar para mais.

“A gente não vai deixar o nosso companheiro a passar dificuldade. Às vezes não sabe fazer nada, mas vai ganhar o sustento para a família (…) com a epidemia há carpinteiros, pedreiros, até taxistas que já foram ao mar à procura do sustento, porque têm rendas [de casa], vêm de outras ilhas à procura do pão”, explica Daniel Gomes.

Mas em terra, sem turistas e com dezenas de hotéis, bares, restaurantes e outros negócios fechados, “a vida está um bocado difícil”. Conta que as pessoas “querem comprar o peixe”, só que “não têm trabalho”.

“Um dia vai ao mar, se dá para desenrascar, desenrasca. Se não dá, tem de continuar a vida a lutar, não é para desistir. Estamos a ajudar os que precisam”, garante.

Junto ao molhe, Aristides Soares, 40 anos, também ele “desde sempre” pescador no Sal, vai contando, enquanto prepara o barco, que a “ilha está numa fase má”. Voltou, por agora, ao “meio desenvolvimento” do antes do turismo, do tempo em que as conservas de peixe e as salinas eram o único rendimento na terra.

Cabo Verde encerrou os voos internacionais em 19 de março de 2020, para travar a pandemia de covid-19, e com isso deixou de receber turistas. Os voos comerciais regulares só regressaram ao Sal em dezembro e, mais esporadicamente ainda, alguns turistas vão chegando em grupo à ilha, em número insuficiente face às expetativas e ao nível de dependência da ilha.

Daí que para Aristides, como para tantos outros pescadores que todas as manhãs se juntam no pontão de Santa Maria, não haja dúvidas: “É tempo de voltar o mar. Se não viermos para o mar não temos nada para sustentar a família”.

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