“Honestamente, tenho estudado a nossa política durante muitos anos, e acho que nada me perturba mais do que a presente situação”, diz a analista política Anna Materska, da Universidade de Varsóvia, citada pela revista online “Quartz”.  Materska refere-se às peripécias que têm decorrido na preparação das eleições, que o partido Lei e Justiça (PIS) queria a toda a força que ocorressem no domingo, para garantir a sua permanência no poder. Pelo calendário eleitoral, as eleições seriam em maio do ano que vem, o que daria ao principal partido da oposição a Coligação Cívica (KO), uma melhor hipótese, se bem que limitada, de retirar a presidência a Andrzej Duda, o actual presidente.

O sistema polaco é presidencialista, com o tradicional sistema eleitoral em duas voltas; se ninguém obtiver 51% na primeira, duas semanas depois há uma segunda, com os dois candidatos mais votados. Assim, Małgorzata Kidawa-Błońska, a socialista da KO, que só tem 26% nas sondagens, poderia beneficiar duma coligação de todas as forças de esquerda e eventualmente ganhar.

O PIS, que já tinha tomado medidas para anular a independência do judiciário, por decreto passou por cima da decisão do Tribunal Constitucional, que queria manter as eleições em maio de 2021, por causa da Covid-19. A ideia do partido no poder era que os eleitores votassem pelo correio.

Ora, a possibilidade de votar pelo correio não está devidamente estabelecida e o país vive em estado de pânico por causa da epidemia; se a votação fosse no domingo, haveria uma baixa comparência às urnas e dificuldades em fazer a apuração, factores que favorecem indubitavelmente o PIS. Assim, o partido não só eliminou a competência do Tribunal Constitucional como manteve regras do processo que dificultam ainda mais que os eleitores exprimam a sua vontade. Por exemplo, no voto pelo correio, o carteiro é obrigado a entregar em mãos o boletim, em vez de o deixar na caixa do correio. Por outro lado, fazer eleições exclusivamente não presenciais, coisa que nunca aconteceu, favorece todo o tipo de fraudes.

A comunidade sanitária também era contra esta data, citando todos os constrangimentos duma eleição em tempo de confinamento. A campanha tem sido feita exclusivamente pela televisão, controlada pelo PIS, uma vez que estão proibidas as reuniões públicas. Uma sondagem indicou que somente 28% dos eleitores iria votar presencialmente. Finalmente, o Secretário Geral do PIS, Jarosław Kaczyński, teve de aceitar com o adiamento, esta quarta-feira, ou seja, quatro dias antes da data marcada.

Estes acontecimentos são apenas os últimos duma longa lista de arbitrariedades do PIS, que tem manipulado todos os procedimentos da vida civil, desde a ordenação jurídica até ao regime escolar. A União Europeia já repetidamente alertou a Polónia para estes desvios, como de costume sem qualquer resultado.

Pode alegar-se que a caminhada para a autocracia – ou uma “democracia iliberal”, como diria o vizinho Viktor Orban, na Hungria – tem sido sempre feita com o apoio da população. Pelo menos desde 2005 que a política polaca foi conduzida pelos irmãos Kaczyński, Jaroslaw, o eterno presidente do PIS, e Lech, que morreu num acidente aeronáutico em 2010, quando era Presidente da República. Andrezej Duda é apenas um porta-voz institucionalizado de Jaroslaw.

Os irmãos Kaczyński conseguiram este poder “moral” sobre a sociedade polaca porque, realmente, representam o lado mais conservador – e, pelos vistos, maioritário – dos polacos, católicos fervorosos e nacionalistas frustrados por uma História de constantes agressões de vizinhos poderosos – a Rússia e a Alemanha.

Pela sua posição geográfica, a Polónia sempre teve uma vida atormentada, tanto do ponto de vista de manter a sua independência, como na luta para preservar uma identidade. Segundo inúmeros testemunhos, os polacos foram terríveis com os judeus enquanto eles viveram no país – isto é, até os nazis acabarem com a sua presença. São também fortemente anti-muçulmanos. Neste momento devem ser o país mais católico da Europa (opinião nossa), mais do que a Espanha ou a Itália, o que se pode ver nas mais variadas manifestações – por exemplo, as igrejas foram excluídas do confinamento do coronavírus, a homossexualidade é estigmatizada e a interrupção voluntária da gravidez tem as regras mais restritivas da Europa.

É com este dilema que a UE tem de se confrontar: o PIS é reacionário, mas mantém o seu poder naquela fronteira entre a democracia verdadeira e a pseudo-democracia, no sentido em que tanto representa a opinião pública, como a controla.

Enquanto obtiver a maioria em eleições, talvez “influenciadas”, mas não abertamente manipuladas, as democracias parlamentares europeias não podem fazer nada de concreto.

E a Polónia segue o seu percurso, para um destino que não parece muito mais luminoso do que o passado.