Estamos todos à espera do mesmo: de uma vacina que nos tire deste novo normal. A pandemia já faz parte do quotidiano ao ponto de acontecer o seguinte: estou a ver um filme qualquer e uma das personagens entra num estabelecimento e o meu cérebro pensa automaticamente "E a máscara, pá? Mete a máscara, ó burro!".

Em apenas algumas semanas recebemos várias notícias animadoras para nos tirar deste martírio. Primeiro, que a eficácia da vacina da Pfizer era de 90%, depois que a Sputnik dos russos era de 92% e, já esta semana, veio a Moderna dizer que a sua é de quase 95%. Estamos numa espécie de recreio onde os putos discutem sobre qual o pai mais forte e que seria capaz de bater nos outros todos. Estamos num balneário masculino onde todos medem o tamanho da sua seringa. Os resultados ainda são preliminares e não foram publicados nem revistos por pares, mas é um bom indício para a eficácia das vacinas. Menos a dos russos, na dos russos ninguém acredita e ninguém a quer tomar. Sabemos que a da Pfizer e a da Moderna usam tecnologia de mensageiro RNA, mas tememos que a russa use adenovírus adormecido com vodka.

Agora que penso nisso, quão incrível seria uma vacina que nos dava imunidade ao SARS-COV2 e nos deixava alcoolizados naquele ponto de equilíbrio perfeito de bebedeira que, pela minha experiência, acontece nos casamentos, entre as 22h e as 22h15? Tomava-se e podíamos ir logo a um bar ou discoteca.
Eu acho que prefiro tomar a vacina russa, sinto que de todas é a que funciona de certeza e que mata o bicho. As outras podem ser mais seguras, é certo, mas podem ser brandas com o vírus e dar-lhe apenas tau-tau. A russa dá cabo dele, pode é nascer-me um braço numa anca, mas até pode dar jeito para algumas coisas. Vivemos uma vida muito segura e arriscamos pouco. Nunca pensamos nas coisas boas que podem surgir quando arriscamos. E se, em vez de nos cair um braço ou nascer outro, a vacina Sputnik nos faz nascer umas bonitas asas de arcanjo?

Por falar em efeitos secundários, vamos ter um problema com as pessoas que não confiam nas vacinas, os chamados anti-vaxers. Vamos ter gente que recusará tomar a vacina por achar que existe uma conspiração mundial para implantar chips nos braços da humanidade. Imaginem o seguinte cenário em que os grandes senhores do mundo, bilionários e governantes, sociedades secretas, se juntam para conjeturar um plano maquiavélico que passa por criar um vírus em laboratório para depois o soltar na população, sacrificando a saúde e a economia, só para passado um ano enfiarem um chip nas pessoas para saberem onde elas andam a qualquer momento. Primeiro, porque raio é que o Sr. Rothschild quer saber se o Fábio Sandro ainda está em Massamá ou já está no Cacém? Depois, se ao menos houvesse um dispositivo com GPS, facilmente hackeável e que todos os humanos carregam no bolso de livre e espontânea vontade… ah, pois, esqueceram-se desse detalhe quando delinearam o plano.

Dizem que os anti-vaxers são pessoas que não acreditam na ciência, mas eu discordo. Aliás, em vez de usarmos a expressão "Pessoa X não acredita na ciência" devemos começar a usar "Pessoa X não percebe como funciona a ciência.". Assim expomos melhor o problema: não é uma questão de crença, é mesmo uma questão de falta de educação e de burrice. Os anti-vaxers são pessoas que acham que a agulha pode estar infectada com HIV porque acham que os vírus aparecem por geração espontânea e que se pode apanhar hemorroidas a dar a mão a um gay. Dizem que as vacinas não funcionam porque devem achar que as doenças que foram sendo erradicadas ao longo dos anos foram-no por sorte. Devem achar que as doenças se cansam e emigram para outros países porque os vírus e bactérias são bichos que andam atrás do verão como as andorinhas. Acham que as vacinas do Programa Nacional de Vacinação são uma espécie de renda fixa para as farmacêuticas e nenhuma faz efeito, mas elas, para disfarçar, em vez de meterem só água nas vacinas, metem componentes tóxicos porque além de quererem o nosso dinheiro ainda têm um plano maquiavélico de reduzir a população. Os anti-vaxers acham que as vacinas tornam as crianças autistas porque ouviram falar de dois médicos estrangeiros que disseram isso uma vez e, apesar de terem sido totalmente desacreditados pela comunidade médica, os iluminados acham que se vamos acreditar em médicos, mais vale acreditar em dois que foram proibidos de exercer do que na maioria dos especialistas. As minorias estão sempre certas, como todos sabemos.

Por norma, os anti-vaxers são também pessoas que acreditam em qualquer teoria da conspiração. Acham que o 5G causa covid e até acreditam, se lhes disserem, que as vacinas foram criadas pelos reptilianos que controlam o nosso planeta plano, e que moram naquele sítio onde o Homem nunca foi: a Lua. O único ser humano a pisar a Lua foi Hitler que, depois de fugir de Berlim, foi para lá viver num T0 com o Elvis, até hoje. Não confiam nas farmacêuticas e preferem coisas mais credíveis como o reiki e a astrologia. Aspirina para a dor de cabeça? Tudo mentira. Apanham duas azedas do jardim onde os cães urinam e esfregam atrás das orelhas enquanto cantam o Imagine do John Lennon e a dor de cabeça passa num instante. Um medicamento custa dinheiro, mas rezar não custa nada. Agora pensem o que é que faz efeito e o que é que é criado para fazer lucro.

Eles ainda acham que a melhor forma de imunizar é expor os filhos à doença e em vez de vacinar preferem atirá-los a águas estagnadas ou inscrevê-los na natação na Margem Sul. Distorcem os factos e se lhes dissermos que há 50 anos a taxa de mortalidade infantil em Portugal era de 77‰ e agora é de 3‰, dizem que nada tem a ver com o avanço da medicina e da farmacologia até porque eles não percebem o conceito de relação causal. Acham que as vacinas matam porque há pessoas vacinadas que também morrem e prova disso é que no último ano pelo menos duas pessoas morreram ao sair do hospital após terem sido vacinadas. Foram atropeladas na passadeira por uma ambulância. Não é preciso ser-se cientista conceituado para saber que essas pessoas teriam vivido mais anos se não tivessem ido ao hospital tomar a pica.

Se as pessoas que pensam assim não tomassem a vacina e apenas fossem infectadas e não a transmitissem, até era uma vantagem para todos. Selecção natural. Era deixar os burros para trás que só nos atrasam.

Para ler: Diário de uma Bitch, da aclamada escritora Zaya.
Para ver: The Undoing, na HBO